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Associated Press desmente alegações de violência sexual em 7 de outubro

Israelenses pedem a renúncia do primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, e um acordo de troca de prisioneiros com os grupos palestinos em Gaza, em Jerusalém ocupada, 22 de maio de 2024 [Saeed Qaq/Agência Anadolu]

Relatos de violência sexual promovidos por Israel e seu aparato de propaganda de guerra após militantes da resistência palestina se infiltrarem em cidades e colonatos ao redor de Gaza, em 7 de outubro, mostraram-se falsos, segundo nova reportagem da rede Associated Press (AP).

Em um artigo intitulado “Como dois relatos desmentidos de violência sexual alimentaram uma disputa global sobre a guerra Israel–Hamas”, a rede de notícias confirmou que Chaim Otmazgin, colono que compareceu ao Knesset (parlamento) para acusar militantes do Hamas de cometer estupros, desmentiu suas próprias alegações.

Segundo Otmazgin: “Não é que eu inventei uma história. Mas no fim, foi algo diferente e tentei me corrigir”. Seu relato, junto de outros, contudo, foi disseminado pela imprensa internacional — incluindo manchetes em jornais brasileiros — e adotado pelo exército de Israel para justificar sua agressão indiscriminada à população de Gaza.

Em entrevista prévia à Associated Press, Otmazgin, voluntário da organização sionista de defesa civil ZAKA, afirmou ter visto uma adolescente morta a tiros com “as calças abaixadas debaixo da cintura”. Seu colega, Yossi Landau, incluiu detalhes gráficos: “Uma grávida jogada no chão, o feto ainda preso ao cordão umbilical, arrancado de seu corpo”.

Ambos, no entanto, jamais conseguiram corroborar suas alegações.

Segundo outros voluntários, incluindo Otmazgin, o que viram foi “o corpo de uma mulher gorda [sic] e um naco não identificável preso a um cabo elétrico”.

Apesar de ser desmentido, mesmo por uma investigação das Nações Unidas, Landau insistiu em propagar suas histórias a jornalistas, incluindo os relatos de “crianças degoladas” nos colonatos israelenses, desmascarados por jornalistas em campo dias após 7 de outubro.

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Conforme a Associated Press: “A ZAKA demorou meses para reconhecer que os relatos estavam errados, ao permitir que proliferassem. As implicações dos relatos desmentidos mostram como questões de violência sexual foram utilizadas para promover agendas políticas”.

O movimento Hamas, em nota divulgada nesta quarta-feira (22), reiterou que a reportagem da Associated Press representa “um novo tapa na cara daqueles que propagam mentiras e prova o propósito dos esforços para demonizar a resistência”.

Segundo informações da agência Al Mayadeen, o Hamas destacou ainda seu “comportamento humanitário” exibido nas operações e no tratamento concedido aos reféns libertados de Gaza e reivindicou um pedido de desculpas do presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, e autoridades europeias, que disseminaram as alegações.

Além disso, pediu a Pramilla Patten, relatora especial da ONU para Violência Sexual em Zonas de Conflito, que “reavalie seu relatório no qual acusou membros da resistência palestina de realizar atos de violência sexual, ao recorrer a narrativas sionistas expostas como infundadas”.

O que é a ZAKA?

A ZAKA é um grupo de voluntários que não faz trabalho forense. Suas equipes costumam estar presentes em áreas de desastres ou atentados desde sua fundação em 1995. Declaradamente, o trabalho da agência é coletar corpos em respeito à lei judaica.

Segundo os arquivos do jornal israelense Haaretz, o fundador da agência, Yehuda Meshi-Zahav, reconhecido pelo Estado sionista com sua maior honraria, o Prêmio Israel, guarda um “passado obscuro”, ao assumir vantagem de sua posição por décadas para cometer crimes sexuais, com o conhecimento de colegas em sua comunidade.

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Segundo uma das vítimas, membro da comunidade ultraortodoxa de Jerusalém: “Ele me despiu à força [e disse] se contar para alguém, uma van da ZAKA vai atropelar você”.

Denúncias contra Meshi-Zahav abarcam dezenas de vítimas — incluindo meninos e meninas de até cinco anos — e retornam à década de 1980. As vítimas, contudo, destacam um histórico de encobrimento dos crimes.

Meshi-Zahav nega as acusações: “Este artigo é uma tentativa de me destruir. Não sei como vou reparar minha reputação, porém, no que estiver em meu poder, continuarei a servir o Estado de Israel como fiz minha vida inteira”.

Propagada de guerra

Ativistas, pesquisadores e repórteres em campo desmentem há meses as alegações israelenses, incluindo relatos da ZAKA. O site oct7factcheck.com, por exemplo, denuncia “propaganda atroz utilizada para justificar ações políticas e militares”.

Seu sistema de checagem de dados, desenvolvido por trabalhadores da indústria de tecnologia, contestou sucessivas alegações da imprensa corporativa internacional — incluindo os supostos incidentes de grave violência de gênero.

Conforme as evidências compiladas pelo projeto, membros da ZAKA “estão por trás de diversas das fabricações de 7 de outubro”.

Rumores fantasiosos de um bebê encontrado dentro de um forno ou de uma refém dando à luz em cativeiro também foram desmentidos.

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Tariq Kenney-Shawa, membro do think tank palestino-americano Al-Shabaka, recordou a longa história de desinformação israelense. Os relatos ficcionais da ZAKA, segundo ele, contribuíram, porém, para uma sensação geral de que Israel inflacionou “atrocidades” cometidas pelo Hamas em 7 de outubro, a fim de desumanizar o povo palestino e justificar seu genocídio.

“O ceticismo sobre todas as alegações postas pelo exército de Israel, um exército sob inquérito em Haia, não são apenas justificadas como devem ser encorajadas”, reiterou Kenney-Shawa. “É por isso que os palestinos e boa parte da comunidade internacional pedem extenso escrutínio”.

Morte e devastação

Israel mantém ataques a Gaza desde 7 de outubro, em retaliação a uma ação transfronteiriça do grupo Hamas que capturou colonos e soldados. Segundo autoridades israelenses, 1.200 pessoas morreram na ocasião.

As informações concedidas por Tel Aviv, contudo, são opacas e compartimentalizadas.

Uma reportagem investigativa do jornal Haaretz, confirmou que grande parte das fatalidades se deu por “fogo amigo”, sob instruções expressas de comandantes israelenses, documentadas em áudios vazados ao público, para não permitir a tomada de reféns.

Em Gaza, são ao menos 35.709 mortos e 79.990 feridos. Entre os mortos, 15 mil são crianças.

Em torno de 70% da infraestrutura civil de Gaza foi destruída pela varredura norte-sul realizada pelas forças ocupantes. Hospitais, escolas, abrigos e mesmo rotas de fuga não foram poupadas. Dois milhões de pessoas foram desabrigadas.

As ações israelenses são punição coletiva, crime de guerra e genocídio.

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Palestina: quatro mil anos de história
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