Com apoio de Irã, Russia e Turquia, Maduro pode agir contra a crise. Os EUA deixarão?

Nicolas Maduro [Albun Nicolás Maduro. Em 5 de dezembro de 2016/Eneias de Troya/Flick]

Não há dúvida de que os Estados Unidos da América desempenham um papel importante na política dos países latino-americanos.

Washington vê esses países como se fossem seu quintal. Devem estar em total conformidade com a sua política e sujeitos a sanções econômicas e marginalização significativa.

A Venezuela sofreu ainda mais e  foi classificada pelos EUA como estado patrocinador de terrorismo, porque viola sua política em várias questões regionais e globais, especialmente a questão palestina.

O falecido presidente Chávez, que fez reformas que revitalizaram sua economia,  apoiou a Palestina e a causa de seu povo. Depois dele, Maduro seguiu o mesmo caminho. Reconheceu a Palestina nas fronteiras de 1967, e sua posição sobre a ocupação israelense mais ousada do que de alguns de seus vizinhos em fóruns internacionais.

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Em 2019, o político da oposição e presidente do parlamento Juan Guaidó, com apoio pessoal do presidente Donald Trump, se levantou contra o presidente eleito da Venezuela, Nicolás Maduro. Anunciou um golpe,auto declarou-se presidente,  mas as ruas ficaram com a democracia, contra a ditadura dos EUA e a tentativa de derrubar Maduro.

Os Estados Unidos impuseram um forte bloqueio à Venezuela, o que levou a uma queda de 50% no PIB e a destruição de partes da sua infraestrutura e fonte econômica, sendo a mais importante delas a refinaria de petróleo. A Venezuela possui grandes reservas e então produzia cerca de um milhão de barris/dia. Então veio o bloqueio dos Estados Unidos, interferindo no seu comércio internacional. O país passou a enfrentar uma crise muito grave de combustível e o governo liderado pelo presidente Maduro enfrenta um grande desafio.

Estados Unidos sobre a Venezuela [Carlos Latuff/Monitor do Oriente Médio]

Desde o início da crise política, alguns países adotaram uma posição forte ao lado do presidente legítimo do país, Nicolás Maduro, incluindo Turquia, Irã, Rússia e China. Alguns países também adotaram posições ao lado dos Estados Unidos contra o presidente Maduro e em apoio ao oposicionista Juan, incluindo alguns vizinhos como Brasil, Colômbia e Canadá.

Os amigos do presidente venezuelano Maduro se reúnem na mesma mesa, hostil às políticas externas dos EUA. A Turquia entende que a interferência americana nos países resultou apenas em guerras, destruição e ditadura. Erdogan não esquece o golpe contra ele e seu regime em setembro de 2016.

A Rússia e os Estados Unidos diferem em muitas questões militares, a mais importante delas é a questão da Síria e do Leste Asiático. Da mesma forma, a China é o gigante econômico que compete com os Estados Unido. O Irã e a Venezuela são dois países classificados pelos Estados Unidos como patrocinadores de terrorismo, sob embargo econômico e político.

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Em meados de junho de 2019, o Irã reestruturou a refinaria de petróleo venezuelana. Isso provocou a ira dos Estados Unidos. O Secretário de Estado dos EUA , Mike Pompeo, se manifestou repetidamente sobre a interferência iraniana na Venezuela, dizendo que a Mahan Air estaria fornecendo “apoio desconhecido ao regime Maduro” e que “os voos iranianos devem parar”.

Todos esses países podem até não gostar totalmente da Venezuela, mas certamente odeiam a América e sua política,

A Venezuela não tinha uma economia fraca. Seu PIB é próximo ao PIB do Irã, que é de aproximadamente 500 bilhões de dólares. No entanto, o bloqueio americano eliminou uma porção considerável de sua economia e espalhou a pobreza e o desemprego, inclusive a falta de combustível.

Para resgatar o aliado venezuelano, o Irã enviou, em maio de 2020, cinco navios para a Venezuela, transportando 1,5 milhão de barris de gasolina. Na  época, os Estados Unidos prometeram atacar esses navios e eliminá-los, ameaçando Irã e à Venezuela ao mesmo tempo.  Aparentemente, além de forçar empresas donas de dois navios, nenhuma ataque  aconteceu porque os Estados Unidos temem a reação iraniana às suas bases militares no Golfo.

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Hoje, a América está em seu estado de maior fragilidade. O coronavírus e o desafio econômico são o que importa para Trump agora. Ele nunca se preocupou com a saúde do país. Agora, com a proximidade da eleição presidencial em novembro de 2020, é de se avaliar a probabilidade dele recuar de ofensivas desastrosas politicamente. Se as coisas estivessem a seu favor, ele atacaria os navios e entraria mais diretamente na situação interna da Venezuela, e o Irã não teria permissão para fazer uma intervenção tão ousada. Mas a economia americana está desmoronando depois que o Tesouro dos EUA gastou quase US$ 10 bilhões em dois meses. Os desafios que Trump e o atual governo enfrentam ainda são enormes e lideram o mundo no número de feridos e mortes no coronavírus.

Encontro dos presidentes venezuelano e iraniano no Palácio Saabadad. 23 de novembro de 2015. [Hossein Zohrevand/Wikipedia]

O Irã é um país com  agenda política clara e bem conhecida e segue seus planos com firmeza. Ele não estava satisfeito com as intervenções regionais na Síria, no Iêmen, no Iraque e no Líbano, perto do Golfo Pérsico, no mar do Caribe.

A Venezuela, por outro lado, tem medo de viver o cerco que alguns países sofreram. Não se pode esquecer o que a América fez com o regime de Saddam Hussein no Iraque; impondo um cerco que durou 13 anos, terminando com a ocupação do país pela América liderada pelo ex-presidente George Bush,  sob o pretexto de combater o terrorismo. E não se pode esquecer de Cuba, contra a qual os Estados Unidos impuseram um bloqueio que dura 60 anos, de 1960 até os dias atuais.

É importante considerar que a Venezuela hoje está em melhor posição e a razão é que os EUA estão preocupados com o coronavírus. Os amigos da Venezuela estão se recuperando da pandemia, se a situação dos Estados Unidos for comparada à Turquia, Irã e China.

Mas o medo permanece e a Venezuela deve ser vigilante e cautelosa. Não esqueçamos o que foi feito com a ex-presidente brasileira Dilma Rousseff, contra a qual a América interveio diretamente e foi capaz de ajudar influenciadores locais a promover um golpe e a chamada operação Lava Jato. Além disso, os Estados Unidos ajudaram as forças de golpe na Bolívia contra o presidente Evo Morales e hoje o país sofre de insegurança e colapso da economia

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A questão mais importante é que todos esses países, Venezuela ,Irã, Rússia e Turquia, têm uma agenda comum na política externa, por exemplo, em relação à Palestina, para estabelecer seu estado nas fronteiras de 1967, Mas com os Estados Unidos, no bloqueio da Venezuela, com apoio do Brasil e Colômbia, hoje tão próximos do racismo israelense, é, sem dúvida, um assunto importante a ser considerado nas relações externas entre países.

Maduro tem uma janela de oportunidade para mudanças, com medidas para melhorar a situação econômica e estimular a participação política do povo venezuelano, empreender reformas importantes na infraestrutura do país, recuperando seu sistema de abastecimento interno. Isso, sem dúvida, contribuirá para a ascensão da esquerda venezuelana e fortalecimento da esquerda na América Latina, especialmente considerando a recente vitória da esquerda da Argentina na eleições presidenciais. Não vamos negligenciar o fato de que os Estados Unidos estão mais fracos hoje devido à sua preocupação com assuntos internos no nível da saúde. Existe um coronavírus. E no nível de segurança interna, enfrenta manifestações públicas há vários dias, desde o assassinato de George Floyd. Estes dois fatores, acirrados por uma escalada injustificada contra a Venezuela, pode interferir  seriamente nas eleições de novembro.

Card publicado pelo embaixador do Irã na Venezuela, Hojat Soltani

 

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.

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