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O futuro dos EUA, o mundo árabe e as rachaduras do sistema internacional

Legenda: Trump e imperialismo. [Pixabay]
Legenda: Trump e imperialismo. [Pixabay]

Uma mudança fundamental pode ser prevista hoje para o futuro das relações internacionais após a pandemia de coronavírus que simplesmente atingiu o mundo todo.

Formações e alianças internacionais têm seus pilares cada vez mais próximos de um limite que não pode ser ultrapassado.

Os Estados Unidos da América se colocaram como patronos da democracia global e dos direitos humanos, representando valores e costumes transmitidos ao mundo.Mas o mundo viu a história de George Floyd, que não é a primeira do gênero, e não será a última do racismo americano contra negros, mas é a palha que dividiu as costas do camelo. Como aconteceu na Tunísia, quando o vendedor ambulante Mohamed Bouazizi se levantou em 2010 contra as ações do governo, muitos outros Bouazizi as autoridades tunisinas haviam atingido com injustiça e perseguição. Mas aquele Bouazizi de 2010 despertou a raiva do povo que exigiu reformas e direitos e se transformou em uma revolução maciça cujos efeitos ainda são sentidos até hoje.

O fato é que os EUA não fogem à regra do racismo contra os negros enraizado há séculos. Mas vários fatores nos EUA levam a falar sobre mudanças no sistema internacional, o mais retumbante esteve nas declarações provocativas e racistas do presidente dos EUA, Donald Trump, e seu apoio ao exército para intervir e exceder seus poderes. E é mais complicado do que isso.

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O presidente dos EUA testemunhou, como o mundo todo, a feiúra do assassinato George Floyd, perdendo fôlego e pedindo ao policial para não mais pressionar seu pescoço. Infelizmente ele morreu. Trump percebeu que o policial devia ser punido. Mas, até o momento, ele não quis contrariar seus fãs e eleitores, que ele considera a parte importante das ideias a  preservar, entre elas a da raça branca acima dos negros, o racismo em relação aos imigrantes e seu apoio incondicional à ocupação israelense, defendida em sua campanha eleitoral em 2016.  A maioria dos presidentes falou sobre mudar a embaixada dos EUA de Tel Aviv para Jerusalém, mas Trump o fez para agradar seus eleitores.

Capa do livro A sala onde tudo aconteceu, Memórias da Casa Branca, de John Bolton [Divulgação]

Capa do livro A sala onde tudo aconteceu, Memórias da Casa Branca, de John Bolton [Divulgação]

Os republicanos perceberam recentemente que Trump não era a pessoa ideal para liderar os Estados Unidos, e outros do mesmo partido chegaram a duvidar de que ele fosse republicano, mas sim movido por interesse pessoal e de sua família e propriedade. O ex-conselheiro de Segurança Nacional John Bolton é o autor de um livro chamado The room where it happened: A White House Memoir  ( A sala onde tudo aconteceu, Memórias da Casa Branca), no qual descreve a administração Trump por dentro, o caos e os abusos que cometeu.

Agora, Trump está em uma situação confusa. Contribuem para isso suas intervenções judiciais para tentar impedir a publicação do livro; sua má gestão para combater o coronavírus, excedendo no número de aflições em mais de dois milhões e meio de pessoas infectadas;  além de polêmicas sobre a China na mídia. Todos os assuntos criam dúvidas sobre a possibilidade de que ele tenha sucesso nas próximas eleições, embora sua oportunidade exista.

Uma coisa permanece  imutável na visão de Trump, que é a posição de Netanyahu na ocupação de mais terras na Cisjordânia e seu apoio incondicional e seu governo,  liderados pelo Secretário de Estado Mike Pompeo, e inclusive militar,  ao projeto de anexação.

Os EUA continuam grandes e não há mudanças na perspectiva internacional durante a próxima década, por muitas razões, incluindo o fato de possuir o exército mais forte do mundo e ter influência e bases militares em várias partes, mas seu prestígio e posição na liderança  internacional diminuíram e mudaram.

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Da mesma forma, a Europa, uma das regiões mais afetadas pela pandemia do corona, agora está mais dispersa. Após a saída da Grã-Bretanha da União Europeia, e com uma  houve, sem dúvida, problemas para as partes no poder, como França e Alemanha, com uma união mais fraca, e também um problema demográfico que é estimativa de que um quarto da população seja idosa, algo que afeta a Europa econômica e socialmente.

Existem vários cenários para o próximo nível estratégico. Há uma ascensão econômica da estrela chinesa há muitos anos, e que hoje se torna mais clara e definida. Há a Rússia e suas intervenções na Síria, com muitas aspirações. A Turquia também tem economia geopolítica na construção de uma aliança com seus vizinhos como Iraque, Síria e Líbia para garantir fronteiras seguras e nenhuma interferência ocidental. O progresso turco preocupa o Ocidente  em todos os níveis.

Todos os cenários futuros são possibilidades. Não há absolutamente nada fixo na política internacional e no modo como ela está associada à pandemia de coronavírus. De acordo com o comunicado de Henry Kissinger, ex-Secretário de Estado dos EUA, ele aconselha os governantes a se prepararem agora para um novo sistema global após a pandemia.

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O filósofo sul-coreano Byung Chul Han diz  em um artigo no jornal espanhol El País que os mais eficientes no combate ao coronavírus são “países asiáticos como Japão, Coréia do Sul, China, Hong Kong ou Cingapura (que)  têm uma mentalidade autoritária, que vem de sua tradição cultural (confucionismo)”.

Os países emergentes ainda estão se desenvolvendo e progredindo. Podem recuar, mas não sairão de cena. Mas o cenário da pandemia e a perspectiva de mudança no sistema internacional são uma oportunidade para os fracos do mundo avançarem e reconsiderarem suas políticas internas e alianças estrangeiras.

Exército líbio neutraliza milícias de Haftar em Trípoli, 02 de junho de 2020 [Mucahit Aydemir/ Agência Anadolu]

Exército líbio neutraliza milícias de Haftar em Trípoli, 02 de junho de 2020 [Mucahit Aydemir/ Agência Anadolu]

Os países do Conselho de Cooperação do Golfo precisam se reconciliar e as partes envolvidas na questão palestina devem concordar entre si sobre os principais denominadores comuns e interesses mais altos, prioritários desde o início e agora necessários por causa da anexação de terras palestinas pela ocupação israelense. Mas quem olha para o mundo árabe sente que está muito fraco e suicida. Não há vida democrática no mundo árabe. Se alguns tentam fazer a diferença, a guerra contra eles é clara, como no caso da Líbia hoje, após a assunção do governo de reconciliação; as tentativas de alguns vizinhos de desestabilizar a segurança na Tunísia e as intervenções regionais na Síria, Iraque e Iêmen.

Em termos políticos e econômicos, a Palestina sofre dessa desintegração regional em detrimento de interesses e preocupações internacionais com a pandemia de Corona.  A ocupação continua praticando sua agressão e racismo contra os proprietários originais da terra e os mata e os desloca a todo momento. E o fraco povo árabe está preocupado.

O sistema internacional continua forte, mas há rachaduras nas quais os fracos podem se beneficiar se seus países decidirem fazê-lo e avançar com seu povo.

A região árabe continua sendo palco de conflitos, combates e violações flagrantes dos direitos humanos. A Palestina continua ocupada por racistas que expulsaram os proprietários da terra em 1948 e não ficaram satisfeitos. Eles o fizeram em 1967 e hoje estamos testemunhando a experiência de deslocamento, novos assentamentos e anúncio de anexação. Que horas serão  o momento para os fracos se unirem para enfrentar os perigos?

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As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.

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