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“Qualquer amante das causas humanitárias é um defensor da causa Palestina”

Entrevista com a advogada brasileira-palestina Jamila Hussein
Jamila Hussein [Arquivo pessoal]
Jamila Hussein [Arquivo pessoal]

O ano de 1967 é conhecido pelos palestinos como Naksa, que em tradução livre significa revés. Naquele ano, Israel mais uma vez chocou o mundo, avançando sobre terras palestinas, expulsando cerca de 400.000 palestinos e ocupando militarmente todo território palestino que não havia conseguido em 1948, incluindo Jerusalém.

Entre as famílias expulsas em 1967, estão os pais de Jamila Hussein, brasileira-palestina que não esquece suas raízes e a história que transmite aos filhos, assim como  o amor pela terra palestina, desconstruindo assim a frase de Ben Gurion, primeiro-ministro de Israel em 1948, que dizia: “os mais velhos morrerão e os jovens esquecerão”.

Nesta entrevista ao Monitor do Oriente Médio, a advogada Jamila Hussein fala da preservação da identidade palestina através da história familiar e da expectativa por justiça na luta contínua da Palestina contra a ocupação israelense.

Seus pais são palestinos, como chegaram ao Brasil?

A história da minha família no Brasil inicia-se com meus avós, que vieram primeiro. Meu avô paterno chegou aqui em 1958 e meu avô materno em 1966. A situação na Palestina estava muito difícil, o projeto de meus avós era fazer dinheiro no Brasil e voltar. Meus pais, que nessa época eram crianças, ficaram na Palestina. Mas, por causa da guerra de 1967, meus avós não conseguiram voltar. Meus pais passaram por todo o horror que aconteceu nesse período, sendo expulsos de suas casas, chegando ao Brasil muitos anos depois.

Eles lembram desse período em que viveram na Palestina?

Sim, cresci ouvindo histórias da Palestina, meus pais contam que antes da guerra de 67, os israelenses já estavam tomando as terras e expulsando os palestinos, com violência e brutalidade. Quando estourou a guerra, foi desesperador. Meus pais contam que os soldados entravam de madrugada nas casas e expulsavam os moradores. Quem se recusava a sair,  eles matavam. As pessoas saiam correndo de suas casas, desesperadas, sem rumo. Aconteceram casos de esquecerem familiares dormindo.

Muitas famílias se perderam também, outras conseguiram se reencontrar mais tarde.

Minha mãe conta que os palestinos acreditavam que isso não duraria muito tempo, então muitas pessoas se esconderam nas montanhas. Meu pai por exemplo, que tinha 13 anos e ficou órfão naquele ano (1967).  Foi com seus cinco irmãos pequenos para as montanhas, esperando que a guerra terminasse, mas não foi o que aconteceu.  Eles tiveram que ir para Jordânia,  acompanhando o fluxo de pessoas que estavam indo para lá.

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Qual influência que a Palestina tem em sua vida?

Em tudo! Sempre digo que cresci numa pequena Palestina, minha família se reunia todos os finais de semana na casa do meu avô. Sempre falávamos da Palestina, das histórias da família, os costumes e tradições. Isso criou um vínculo muito forte. Lembro do meu avô dizendo de seu sonho em retornar à sua terra, assim como virou o sonho de meus pais e agora é também o meu sonho. Procuro passar aos meus filhos esse amor pela Palestina que foi passado para mim. Tenho muito amor pela Palestina, quero sentir o cheiro das oliveiras, da terra…Quero conhecer a minha história, quero ter cidadania palestina, mas pergunto hoje, cadê a Palestina? Está sufocada, reprimida, subjugada. Quando eu era criança, sonhava que eu seria da geração que veria a Palestina livre, hoje a gente vê que a realidade é dura e cruel, espero que, se eu não conseguir, meus filhos consigam ver a Palestina livre, desocupada e soberana.

Fátima Issa e Abdel Cader (avós maternos) [Arquivo pessoal]

Fátima Issa e Abdel Cader (avós maternos) [Arquivo pessoal]

Como membro da Comissão de Combate à Intolerância Religiosa da OAB-Rio, como é o trabalho desenvolvido?

Atuamos com várias denominações religiosas, os membros são de diferentes religiões. No momento estamos atuando mais com religiões de matrizes africanas pois aqui no Rio de Janeiro é a religião que vem sofrendo mais preconceito.

A comissão que faço parte tem trabalhado mais na conscientização e elaboração de diálogos inter-religiosos temos também parcerias com outras instituições e com o disque denúncia.

No Brasil existe muito preconceito contra muçulmanos?

A história dos muçulmanos no Brasil é muito pacífica, bonita e tranquila. Os muçulmanos chegaram ao Brasil com toda força de vontade, com todo amor à pátria querendo também reconstruir suas histórias e construírem a história do Brasil. Vemos, por exemplo, em Santa Catarina, que a história de muitas cidades se confunde também com a história dos muçulmanos daquela região. O povo brasileiro é muito aberto, tem o coração bom. Meu avô chegou ao Brasil e não tinha nada, construiu uma história aqui e trouxe toda a família, deu uma vida digna aos seus filhos. Em minha família não temos nenhum histórico de conflito, de brigas ou de preconceitos.

O que vemos no Brasil hoje é uma islamofobia importada, de casos que acontecem fora do Brasil e as pessoas querem trazer para cá. Percebemos que houve uma pequena ruptura dessa pacificidade com os atentados de 11 de setembro, Com surgimento do daesh, muitas pessoas ficaram desconfiadas em relação aos muçulmanos em geral e a violência aumentou. O daesh usa a religião como pano de fundo, para conseguir espalhar o terror por todos os cantos, inclusive os muçulmanos são suas as maiores vítimas. Na religião islâmica, dentro dos ensinamentos do Al Corão, tudo o que o daesh faz é pecado.

Israel foi denunciado na Corte de Haia por práticas de crimes de guerra, qual o peso desse processo e quais as chances de uma vitória?

A minha leitura é que a condenação de Israel pelo Tribunal Penal Internacional é inevitável, pois há constante e flagrante descumprimento das Leis Internacionais, que foram estabelecidas com muito esforço pela comunidade internacional como essenciais para se alcançar uma convivência harmônica entre os povos e digna para todos os seres humanos. A justiça chegará a Palestina com certeza, mesmo que Israel trabalhe contra esta condenação, como de fato já vem fazendo. Assim é nas Nações Unidas e assim já começou a atuar no Tribunal Penal Internacional, através de suas conexões com outros países, como os EUA que exercem pressão sobre outros estados e organizações, seja sob a ameaça da retirada de apoio financeiro, ou sob outras formas de influência indevida.

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Trump ignora o direito internacional e torna os assentamentos ilegais em legais - charge [Sabaaneh / Monitor do Oriente Médio]

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Recentemente foram assinados acordos entre os Emirados Arábes Unidos e  Barhein com Israel intermediados por Trump, como esses  acordos violam os direitos internacionais?

Esses acordos violam gravemente a ética e a moral dos estados árabes e o compromisso com uma Palestina livre da opressiva ocupação militar israelense.Qualquer amante das causas humanitárias é um defensor da causa Palestina e deve ser contra esses acordos.  Normalizar relações com uma potência que brutalmente domina o território palestino e subjuga sua população é permitir a violação dos Direitos Internacionais Humanitários, assim como os Direitos Humanos,  as Resoluções da ONU,  as Convenções de Genebra e tantas outras sobre territórios ocupados,  sobre tortura,  sobre o direito das crianças, sobre a transferência de populações e as demolições. É premiar a perpetuação dessas práticas colonialistas. Não me parece razoável aceitar que a Palestina seja utilizada como moeda de troca para benefício próprio destas nações que agem como traidoras de um povo que vem resistindo bravamente e na maioria das vezes pacificamente, embora praticamente isolado e desprovido do mínimo para uma sobrevivência digna.

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Palestina: quatro mil anos de história
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