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Solidariedade global é a resposta à Nakba e à Naksa

Mulher palestina com a bandeira nacional de seu povo em frente às suas terras [foto de arquivo]
Mulher palestina com a bandeira nacional de seu povo em frente às suas terras [foto de arquivo]

Vez ou outra, parece-nos que os tempos mudam. Quando soldados israelenses foram filmados de diversos ângulos executando ao vivo dois adolescentes palestinos na Cisjordânia no dia da Nakba, que marca a expulsão em massa do povo palestino durante a criação do Estado de Israel, o assassinato recebeu cobertura da mídia internacional: CNN, The Guardian, The New York Times. Surpreendentemente, a maioria dessas fontes de mídia aprofundou-se nos assassinatos – ao entrevistar familiares e reportar as circunstâncias dos assassinatos, durante as quais tornou-se claro que tanto Nadeem Nawara quanto Mohammad Daher, as vítimas, não demonstraram qualquer tipo de ameaça aos soldados que abriram fogo contra eles.

Entretanto, os mesmos elementos tentaram enterrar a história posteriormente. Wolf Blitzer, lobista de Israel que tornou-se âncora da CNN, decidiu apresentar o “comentário” de um porta-voz do exército israelense e do ex-embaixador e então colaborador da rede americana, Michael Oren. Blitzer retratou Oren como algum tipo de autoridade no assunto, ao invés de alguém com evidente conflito de interesse sobre o caso; Oren sugeriu então que o assassinato fora encenado. Partidários da extrema-direita passaram a registrar seu negacionismo sob o rótulo de “Pallywood” – a ideia de que palestinos massacrados diante das câmeras, de algum modo, estavam encenando tais ataques.

As execuções e a reação a elas revelam um conflito crescente entre solidariedade internacional com o povo palestino e sua história, por um lado, e a campanha para suprimí-las, por outro. Embora o comentário de Wolf Blitzer possa ser associado a este segundo aspecto, uma iniciativa de povos de resistência internacional, conhecida como Marcha Global a Jerusalém, busca trazer o primeiro aspecto à ação, ao confrontar as fronteiras coloniais de todos os ângulos e marchar sobre a cidade ocupada de Jerusalém. Esta marcha está prevista em 6 de junho para coincidir com a comemoração anual da Naksa, que marca o “revés” durante o qual a ocupação israelense foi estendida à Cisjordânia e Gaza, após a guerra de 1967.

As raízes coloniais de “Pallywood”

Embora a propaganda de guerra não seja estranha aos palestinos – ou qualquer pessoa que viva em zona de conflito –, a rejeição de evidências claras de violência cometida por soldados israelenses é mais um sinal do negacionismo e colonialismo; e não ceticismo. De fato, foi a mesma mentalidade assumida por Philippe Karsenty, teórico da conspiração francês e “jornalista”, em falta de nome melhor, que sugeriu que o assassinato registrado em vídeo do jovem palestino Mohammed Al-Dura, durante confrontos em 2000, foi também encenado. Israel originalmente assumiu responsabilidade pela morte de Al-Dura, mas logo voltou atrás em seu pedido de desculpas, ao examinar a própria conduta em investigação falaciosa, exonerar seus soldados, destruir a cena do crime, rejeitar qualquer inquérito internacional para determinar os assassinos, e mesmo negar recentemente que a criança sequer esteja morta. O pai de Al-Dura, ferido durante o incidente, e os repórteres que registraram a cena mantêm sua versão dos fatos e a culpabilidade dos soldados de Israel.

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De fato, soldados israelenses são responsáveis por quantidades recorde de violência contra jovens e crianças. Apenas em 2013, mais de uma dúzia de jovens palestinos desarmados foram mortos durante as manifestações. Israel matou ao menos 1.400 jovens palestinos desde 2001. Em praticamente todos os casos, os jovens palestinos não estavam envolvidos em qualquer forma de violência armada. Todavia, Israel continua a conceder impunidade quase absoluta a soldados engajados em violência de estado contra os palestinos.

É por meio dessa violência que a própria Nakba (“catástrofe”) continua a existir como forma de violência estrutural, brutal e em curso. Ao invés de ser meramente um evento histórico sem relevância, a Nakba é manifestada tanto na violência de Israel contra suas vítimas, quanto na propaganda e impunidade que a sucedem. A Nakba, portanto, buscou apagar uma sociedade inteira, tanto fisicamente quanto ideologicamente, e o assassinato de jovens palestinos – o futuro da Palestina, classificado como “ameaça demográfica” pelos políticos de Israel – deve ser compreendido também como violência ideológica.

Ao negar categoricamente evidências claras de violência israelense contra jovens palestinos – tais como registros múltiplos de câmeras de segurança, de câmera da própria CNN, relatórios médicos, funerais, testemunhos in loco e familiares, e as próprias balas sobre o chão –, Israel tenta ainda negar o sofrimento que une e uniu uma nação absolutamente subjugada. Assim como sempre haverá indivíduos que procuram por um atirador folclórico na relva, responsável pela morte do Presidente dos Estados Unidos John Kennedy, ou o local secreto da Área 51, onde “de fato” ocorrera o pouso na lua, haverá sempre aqueles que buscam desmentir evidências de violência contra palestinos, seja na forma de relatórios de direitos humanos ou vídeos severamente gráficos.

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Mas não devemos ver teorias da conspiração montadas por ex-oficiais israelenses ou blogueiros de extrema-direita fora de seu contexto. Trata-se de um aspecto ideológico da própria Nakba. Os palestinos devem ser apagados – isto é, o sofrimento palestino junto de seu povo.

Solidariedade é a resposta

Entretanto, há uma resposta oposta que parece ressoar internacionalmente. Embora alguns tentem enterrar a Nakba junto dos corpos de Nadeem Nawara, Mohamed Daher e Mohamed Al-Dura – além da evidência dos crimes cometidos contra eles –, outras pessoas demandam justamente visibilidade. Em todo o mundo, iniciativas de boicote e desinvestimento contra o Estado de Israel têm crescido. Na Europa, a possibilidade de assinar contratos com empresas cúmplices da ocupação e expansão colonial israelenses tornou-se uma adversidade financeira.

A Turquia – aliado chave de Israel no comércio civil e militar – chegou a emitir ordens de prisão a israelenses envolvidos no massacre contra Flotilha da Liberdade, iniciativa humanitária a Gaza. Nos Estados Unidos, estudantes em campi americanos continuam inabaláveis em suas campanhas por justiça social, a fim de impedir que suas universidades sirvam de financiamento a Israel. Há sucessos extraordinários, incluindo votos de desinvestimento em cinco das nove sedes da Universidade da Califórnia, além de dezenas de outras instalações que também aprovaram a medida. Na própria Palestina histórica, iniciativas palestinas e israelenses como o Zochrot – ong sediada em Tel Aviv para promover consciência sobre a Nakba – buscam reagir e resistir à campanha do estado sionista para apagar aldeias palestinas cujos habitantes foram expulsos em 1948. Parece, afinal, que a campanha para apagar a existência palestina não está funcionando.

Talvez seja porque as iniciativas da Marcha Global a Jerusalém continuaram a abranger uma ampla coalizão. Por três anos, organizadores de todo o mundo, incluindo Malásia, Índia, Argentina, Itália, Reino Unido, Palestina e outros locais, organizaram diversas marchas que convergem à Palestina ocupada. Todas as vezes, permaneceram sob grave ameaça de repressão mortal, como no caso de Mahmoud Zakot, manifestante desarmado baleado por soldados de Israel. Ainda assim, neste ano, voltarão a assumir o risco.

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Não há como negar que o movimento internacional contra o apagamento violento da Palestina continua a ter seus problemas. Em raríssimas ocasiões, sentimentos antijudaicos em lugar de antissionistas, emergiram entre grupos. Contudo, outros casos mais comuns referem-se a um sentimento anti-árabe e islamofóbico ao permitir que o sionismo prevaleça ao acusar falsamente mobilizações antirracistas de “antissemitismo”. Talvez ainda mais perigoso é o fato de que muitos regimes violentos por todo o mundo gastam palavras vazias em solidariedade aos palestinos, embora eles próprios colaborem com as formas de discriminação.

Porém, nada disso revoga a legitimidade da solidariedade global. Na verdade, é sinal de que o movimento está crescendo, é concreto e, portanto, arrisca-se a enfrentar problemas diversos presentes em sociedades imperfeitas, nas quais se manifesta.

Evidentemente, há uma resposta: para impedir o apagamento do povo palestino, devemos prevalecer unidos e resilientes diante de nosso objetivo. É justamente o que busca a Marcha Global a Jerusalém. Ao pretender libertar a cidade de Jerusalém da ocupação israelense, por meio de manifestações não-violentas e da união internacional, podemos garantir que o apagamento físico e ideológico dos povos colonizados jamais seja concluído. Podemos reivindicar consciência acima de qualquer negação, igualdade acima do racismo e libertação acima da ocupação ilegal de Israel. Avante, Jerusalém!

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Amith Gupta é voluntário da Marcha Global a Jerusalém – América do Norte. Atualmente, é voluntário também em uma iniciativa de jornalismo para refugiados no Cairo, Egito.

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.

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