A “guerra de 12 dias” contra o Irã se mostrou inédita e sísmica, seja em escopo ou suas implicações. Pela primeira vez, Israel lançou uma guerra — não apenas uma operação militar restrita — contra um país com o qual não tem fronteiras, separado a ao menos 1.500 km de distância. Sobretudo, foi a primeira vez na história que os Estados Unidos lutaram abertamente lado a lado com Israel, mediante um único, porém direto ataque militar.
Um momento há muito previsto — moldado por décadas e décadas de construção de alianças, treinamento conjunto, coordenação e cumplicidade — finalmente veio à tona. E, apesar de publicizado como demonstração de união estratégica e força esmagadora, o que se expôs foi muito mais aterrador: um retrato de fragilidade, dependência e uma estrutura de poder em frangalhos sob o peso de sua própria mitologia.
Cruzou-se o rubicão.
Israel há muito se alicerça no apoio ocidental: político, militar e financeiro. Seu poderio em agir sempre esteve entrelaçado à força daqueles que o patrocinam. Contudo, fora sua colusão com França e Reino Unido na guerra de 1956 com o Egito, sempre agiu, ao menos diretamente, solo e via infantaria.
O que mudou não foi o fato da dependência, mas sua exposição. Sem mais se esconder por trás de eufemismos ou diplomacia de bastidores, tamanha dependência está agora nua: inequívoca e inegável.
Em 1948, quando o então presidente dos Estados Unidos, Harry Truman, reconheceu o recém-criado Estado sionista, em minutos desde sua declaração de “independência”, a medida se deu mediante duras divergências entre sua própria administração. Alguns de seus assessores chegaram a alertá-lo de consequências de longo prazo, ao se instituir um Estado colonial de povoamento no coração do mundo árabe e islâmico.
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Nos anos seguintes, Reino Unido e França permaneceram como os principais patronos de Israel, até que a invasão tripartite do Egito culminou em um recuo humilhante sob a ameaça do presidente americano Dwight Eisenhower de afundar a economia britânica caso Londres persistisse na guerra.
A verdadeira mudança se deu sob Lyndon Johnson, primeiro líder do executivo na Casa Branca a fornecer armas de ataque a Israel, a despeito das objeções do Departamento de Estado. Dali em diante, a aliança jamais arrefeceu. Washington não seria patrono, e sim escudo e espada, indispensáveis, ao projeto da ocupação israelense.
Ilusão de autonomia
Em 1967, armas americanas possibilitaram a Israel capturar ilegalmente a Península do Sinai, a Cisjordânia e as Colinas de Golã, em apenas seis dias. Em 1973, quando Egito e Síria tentaram reaver suas terras ocupadas, Richard Nixon ordenou o reabastecimento massivo de Israel, via aeronaves, ao ordenar a seu chanceler e planejador-chefe Henry Kissinger: “Mande tudo que possa voar”. Desde então, jamais pousou.
Ainda assim, apesar de tamanho apoio, Washington sempre traçou limite em qualquer envolvimento militar direto.
Mesmo quando os interesses israelo-americanos se alinharam perfeitamente, Israel foi mantido à distância de um braço. Em 1991, quando os mísseis scud de Saddam Hussein atingiram Tel Aviv, o presidente americano George Bush (pai) proibiu a retaliação, bem sabendo que esta desmoronaria a aliança árabe que Washington tecera.
Novamente, em 2003, quando Estados Unidos e Reino Unido invadiram o Iraque, Israel — apesar dos benefícios em jogo — manteve-se distante. A guerra desmantelou um de seus adversários regionais, enquanto preservava a ilusão de autonomia.
Até agora.
Pela primeira vez, Washington não somente apoiou, armou ou financiou uma agressão israelense — lutou por ela. Ombro a ombro, em campo, para todo o mundo ver.
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O que mudou tampouco foi a força de Israel, mas sua notável deterioração. Desde 7 de outubro de 2023, o Estado israelense manteve uma campanha genocida contra Gaza, além de bombardear Líbano e Síria e empurrar toda a região à margem de uma guerra aberta de larga escala.
Israel tentou, neste entremeio, retratar-se como uma potência regional invencível, mas seu delírio de independência caiu por terra no instante que Teerã reagiu.
Sem poder vencer sozinho, Tel Aviv apelou a Washington e Washington bem obedeceu. Sabemos agora que os exércitos de Israel e Estados Unidos conduziram conjuntamente exercícios militares um ano antes, para simular um ataque às instalações nucleares do Irã. Sua performance se concretizou.
O atual presidente americano Donald Trump não poupou elogios ao primeiro-ministro israelense Benjamin Netanyahu. O Pentágono e o exército da ocupação operaram em uníssono. Sem mais truques, sem mais coreografia.
A realidade nua e crua: Israel não pode travar suas guerras sozinho.
Resistência arraigada
Ao ser flagrado totalmente dependente dos Estados Unidos sob Trump, Israel perdeu a capacidade de reivindicar o assento do motorista. Diferente de 1967, quando o Estado ocupante clamou vitória solo e recebeu elogios por todo o Ocidente, o mais recente cessar-fogo foi ditado absolutamente por Washington.
Quando Israel tentou escalar novamente após o acordo de Trump entrar em vigor, viu-se diante de ordens de retirada: seus pilotos foram forçados a voltar, sua liderança foi insultada por um Trump enraivecido diante das câmeras.
A dependência — quem diria? — veio ao custo da soberania. Força se tornou confissão de algo maior — sem triunfo, apenas exposição.
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A ironia é gritante. Quanto mais atacam, mais são cercados pela própria resistência que prometem extinguir. Por séculos a fio, a região foi invadida, dividida, bombardeada — dos cruzados aos britânicos, dos franceses aos americanos. E toda vez que o Ocidente proclamou sua vitória, a região se reergueu.
Resistência não é um slogan, nem mesmo uma tática. É uma herança civilizacional. Das revoltas anticoloniais aos movimentos por libertação, de islamitas aos movimentos de esquerda, de sunitas a xiitas, de cristãos a muçulmanos — a região se forjou por uma permanente cultura de desafio. Suas armas vão das pedras nas mãos das crianças aos mísseis de longo alcance que atingiram Tel Aviv.
E ainda se resiste. Gaza — faminta, cercada, em chamas — não deixa de lutar. Sob sítio e genocídio, recusa-se a desistir. Horas após ser declarado o cessar-fogo dentre Israel e Irã, sete soldados da ocupação israelense foram mortos em combate na Faixa de Gaza, um lembrete ao mundo de que o enclave segue resistindo a plenos pulmões.
Compare com o colapso de três exércitos árabes em 1967, em apenas seis dias, ou com a evacuação da Organização para a Libertação da Palestina (OLP) de Beirute, após dois meses. O que Gaza representa hoje não é somente resistência — é transformação. É a evolução e adaptação da resistência à era da guerra total.
Os regimes árabes podem se curvar, normalizar, reprimir. Seu povo não. Vejam as ruas dos países árabes ou islâmicos — o pulso ainda pulso; suas chamas jamais se extinguiu. O sonho da submissão, como sempre, acabou em fumaça.
A morte do velho consenso
Agora, vemos fissuras nas muralhas do império.
O velho consenso é moribundo. Dentre os jovens democratas, o apoio aos palestinos já supera o apoio a Israel. Mesmo dentre os republicanos, incluindo a polarizada base de Trump, já se vislumbra essa mesma tendência.
A vitória do progressista Zohran Mamdani sobre o vigoroso sionista Andrew Cuomo nas prévias democratas à prefeitura de Nova York se mostrou um terremoto — e também um sinal de alerta.
Steve Bannon, ex-estrategista de Trump e guru da extrema-direita, foi franco, ao indicar que Netanyahu “criou um senso de urgência que não existia … e tentou vender mais do que tinha, uma mudança no regime”. Diretamente ao premiê, reiterou Bannon: “Quem você pensa que é para dar sermão ao povo americano? Não vamos tolerar isso”.
Marjorie Taylor Greene, deputada republicana da base trumpista, ecoou o sentimento: “Não teria bombas caindo sobre o povo de Israel [sic] se Netanyahu não lançasse suas bombas sobre o povo do Irã … Essa luta não é nossa. Paz é a resposta”.
O revés foi tão grande que Trump correu para voltar atrás, ao advertir Netanyahu que seu governo não mais se envolveria. Tudo isso em meio a relatos da inteligência de que as operações israelo-americanas, na melhor das hipóteses, apenas atrasaram os planos nucleares do Irã em alguns meses. Dentro de dias, Trump abandonou sua demanda por “rendição incondicional” do Irã a abençoá-lo em nome de Deus.
Candace Owens, comentarista conservadora, antes firmemente alinhada com a gestão trumpista, compartilhou: “Primeira coisa que vejo, em algum tempo, unir sua base foi Trump falando mal de Israel diante das câmeras. É fato consumado que todo o mundo, em toda a parte, está cansado do vitimismo de Israel”.
O mito de apoio incondicional também está morto. O império antes unido demonstra fraturas. As operações recentes podem até parecer, à primeira vista, o absoluto apogeu da coordenação israelo-americana. Na verdade, expõem rachaduras.
O discurso de Trump, ao reafirmar vitória e parceria com Netanyahu, entrou no longo arquivo de delírios imperiais, muitos dos quais bastante conhecidos da região. Ecoa o general francês Henri Gouraud, diante do túmulo de Salah al-Din em 1920: “Saladino, estamos de volta”. Remete ao general britânico Edmund Allenby em 1917, ao declarar que as Cruzadas estariam completas. Reflete a prepotente aclamação do ex-presidente americano George W. Bush: “Missão cumprida”.
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Toda vez que pronunciaram subjugada a região, ela reagiu: mais alto, mais inteligente, mais forte.
Israel não pode vencer sem os Estados Unidos. E os Estados Unidos já não podem mais vencer com Israel.
Não é triunfo. É o eco de todo império que confundiu poder de fogo com permanência.
Este artigo foi publicado originalmente em inglês pela rede Middle East Eye, em 26 de junho de 2025.
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