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Plano de Trump para ‘Riviera do Oriente Médio’ incita repúdio internacional

5 de fevereiro de 2025, às 14h13

Presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, aperta as mãos do primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, durante coletiva de imprensa na Casa Branca, em Washington DC, em 4 de fevereiro de 2025 [Kyle Mazza/Agência Anadolu]

A proposta do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, para que seu país tome o controle de Gaza, para criar uma “Riviera do Oriente Médio”, ao expulsar os palestinos do enclave, incitou condenação internacional, reportou a agência Reuters.

O plano imobiliário de Trump — que construiu carreira no setor em Nova York, com sucessivas falências — foi rapidamente repudiado por potências globais, incluindo o peso-pesado da região, Arábia Saudita, que o incumbente de ultradireita insiste em cortejar para normalização com o Estado da ocupação de Israel.

Trump, em sua primeira declaração pública e ampla sobre o Oriente Médio, afirmou vislumbrar a construção de um resort em Gaza, ao caracterizar o território palestino como um “sítio de demolição”, após 15 meses de genocídio israelense — com 48 mil mortos e dois milhões de desabrigados.

No ano passado, o genro de Trump e lobista sionista Jared Kushner chegou a descrever Gaza como uma propriedade à beira-mar “bastante valiosa”.

A casual proposta de Trump — que configura limpeza étnica, crime de guerra e lesa-humanidade — emitiu uma onda de choque diplomático não somente em países do Oriente Médio como em todo o planeta.

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A Turquia descreveu a proposta como “inaceitável” e a França advertiu que qualquer medida neste sentido desestabilizaria mais uma vez o Oriente Médio.

Nações como Rússia, China, Espanha, Irlanda e mesmo Grã-Bretanha advertiram para danos à chamada solução de dois Estados, que constitui há décadas a base declarada da política de Washington sobre a região.

Lin Jian, porta-voz do Ministério de Relações Exteriores da China, destacou: “Pequim sempre acreditou que os palestinos governando a Palestina é um princípio básico de governança em qualquer cenário pós-conflito”.

A França — em rara ocasião — subiu o tom contra Washington, ao notar que expulsar os palestinos de Gaza seria uma grave violação da lei internacional, além de ataque às aspirações legítimas do povo palestino e risco a toda a região.

A Rússia, de sua parte, afirmou crer que um acordo no Oriente Médio só é possível com base na solução de dois Estados.

Manuel Albares, ministro de Relações Exteriores da Espanha, reafirmou: “Gaza é terra dos palestinos de Gaza, que devem permanecer em Gaza”.

Segundo Paul O’Brien, diretor executivo da Anistia Internacional, o plano de Trump de deslocar os palestinos “equivale a destruí-los como povo”.

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Um oficial do bloco político do grupo palestino Hamas, que administra Gaza, descreveu as declarações de Trump como “ridículas e absurdas”. Para Sami Abu Zuhri, em contato com a Reuters, “qualquer ideia do tipo pode incendiar toda a região”.

Abu Zuhri destacou ainda o compromisso do Hamas ao cessar-fogo em curso, a fim de “assegurar o êxito das negociações para sua segunda fase”.

Não está claro se a proposta de Trump tem fundamento ou representa mais uma de suas bravatas extremistas com intuito de barganha. Trump se recusou a dar detalhes sobre o plano, ao expô-lo durante coletiva de imprensa ao lado do primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, em visita a Washington.

A ideia de uma “Riviera do Oriente Médio” sucedeu sugestões do mandatário de reassentar à força mais de dois milhões de palestinos de Gaza a Egito e Jordânia; proposta logo negada por ambos os países.

Conforme análise danos das Nações Unidas divulgada em janeiro, no entanto, remover as 50 milhões de toneladas de escombros de Gaza, oriundas dos bombardeios de Israel à infraestrutura civil, deve custar até US$1.2 bilhões.

Os planos de barateio e investimento trumpistas, todavia, contrariam políticas de longa data da comunidade internacional e de países da região, que ressaltaram a urgência de um Estado palestino com Jerusalém Oriental como sua capital.

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Segundo o senador democrata Chris Murphy, dentro do próprio Capitólio americano, Trump “perdeu completamente a cabeça. Invadirmos Gaza levaria a um massacre de milhares de nossas tropas e décadas de guerra no Oriente Médio”.

Nesta quarta-feira (5), a Arábia Saudita — que se aproximou da China nos últimos quatro anos, incluindo acordos multibilionários — se juntou ao coro de repúdio à proposta de Trump.

O Ministério de Relações Exteriores em Riad desmentiu ainda afirmações de Trump de que estaria disposto a renunciar à demanda por um Estado palestino, ao repetir que a normalização com Israel é condicional a sua criação.

O príncipe herdeiro e governante de facto da Arábia Saudita, Mohammed Bin Salman, ecoou a posição da monarquia, “de forma clara e explícita, sem interpretação distinta em qualquer circunstância”.

Em 2020, Trump conseguiu persuadir Emirados Árabes Unidos e Bahrein a assinarem os chamados Acordos de Abraão, para normalizar laços com Israel. Desde então, porém, o genocídio israelense em Gaza descarrilou negociações com Riad.

O presidente americano alegou também ter planos de visitar Gaza, Israel e Arábia Saudita, mas não concedeu cronograma. Netanyahu tampouco comentou, exceto agradecimentos a Trump pela nova abordagem.

Segundo o premiê — foragido em 120 países, sob mandado de prisão do Tribunal Penal Internacional (TPI) —, Trump “está pensando fora da caixa, e mostrando disposição em ir além da mentalidade convencional”.

A reação em Gaza, cujos habitantes tentam retomar suas vidas após 470 dias de violência, é ainda mais dura.

Para Samir Abu Basil, pai de cinco filhos, residente da Cidade de Gaza: “Trump pode ir para o inferno, com todo o seu dinheiro e suas ideias absurdas. Nós não vamos a lugar algum. Não somos uma de suas mercadorias. Em vez disso, que resolva o problema ao colocar os israelenses em um de seus estados nos Estados Unidos. Eles é quem são os forasteiros — não os palestinos”.

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