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Soldados israelenses em Gaza ostentam má conduta

Alemanha caminha ao autoritarismo a serviço do sionismo israelense

Primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, troca aperto de mãos com o chanceler da Alemanha, Olaf Scholz, em coletiva de imprensa após encontro em Jerusalém ocupada [Leo Correa/AFP via Getty Images]
Primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, troca aperto de mãos com o chanceler da Alemanha, Olaf Scholz, em coletiva de imprensa após encontro em Jerusalém ocupada [Leo Correa/AFP via Getty Images]

O apoio incondicional da Alemanha ao genocídio sionista acelerou sua transformação de uma democracia neoliberal já esvaziada a uma sociedade autoritária.

Após 15 meses de crimes desumanos contra os palestinos de Gaza, a elite política da Alemanha está mais determinada do que nunca a suprimir qualquer crítica a esse massacre hediondo. Todos os esforços estão sendo feitos para evitar que o genocídio sionista seja descrito como tal, e todo apoio de solidariedade às vítimas de um dos piores crimes contra a humanidade na história moderna segue criminalizado.

Com a adoção da resolução “Nunca mais é agora: Proteger, preservar e fortalecer a vida judaica na Alemanha”, em novembro de 2024, o parlamento alemão, ou Bundestag, permitiu ao governo intervir na vida social de forma bastante abrangente para difamar e punir como “antissemitas” qualquer pessoa — judeus e não judeus —que ouse levantar sua voz contra o regime israelense de colonialismo de assentamentos e apartheid, assim como seus crimes de guerra.

Ao fazê-lo, no entanto, o Bundestag ataca aspectos centrais da democracia a serviço de Israel e seu projeto colonial supremacista.

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Os ataques do Estado a universidades e centros de pesquisa

Na quarta-feira, 29 de janeiro, poucos dias antes das eleições para o Bundestag, o parlamento aprovou às pressas, quase sem atenção do público, uma resolução intitulada “Antissemitismo e hostilidade a Israel em escolas e universidades”, que nada mais é do que um ataque de longo alcance do Estado à autonomia das universidades e à liberdade de pesquisa e educação.

Devido às terríveis experiências com as políticas culturais e educacionais centralistas do regime nazista, a maioria das constituições estaduais da atual República Federal da Alemanha concede às universidades o direito à autogestão conforme os limites da lei, enquanto a liberdade de pesquisa e ensino nas universidades e faculdades é assegurada pelo Artigo 5 (3) da Lei Fundamental e protege professores e acadêmicos de interferências estatais em seus conteúdos de pesquisa e ensino.

Tamanho consenso pós-fascista, contudo, foi então quebrado por uma grande coalizão “democrática” de social-democratas, verdes, liberais e democratas-cristãos.

A glorificação do Estado sionista de apartheid e de sua ideologia racista por parte dos deputados alemães vai tão longe que estão dispostos a abrir mão de um direito fundamental consagrado na Lei Fundamental e de um elemento central pós-fascista da ordem federalista da Alemanha.

É um ato incrível de esquecimento histórico que o Bundestag alemão queira restaurar o direito do Estado de intervir na soberania cultural dos estados federados para sancionar estudantes, professores e acadêmicos, silenciando e criminalizando os resquícios de pensamento crítico nas universidades do país.

Se isso no passado afetava sobretudo estudantes e acadêmicos judeus, assim como acadêmicos críticos alemães, no futuro, a retomada deste sistema educacional repressivo deve atacar estudantes, professores e pesquisadores de modo geral, sejam estes alemães ou de raízes árabes, que porventura se oponham ao Estado colonialista de apartheid e seus crimes de guerra.

Colocar esses estudantes e acadêmicos sob suspeita deve e vai incitar colegas e companheiros de estudo a denunciá-los e difamá-los.

Tudo isso é característico de um sistema autoritário e nada tem a ver com a proteção do povo judeu. Todavia, já há casos de obediência antecipatória.

O caso da Universidade Técnica de Munique

No dia 22 de janeiro, estudantes e funcionários da Universidade Técnica de Munique (TUM) — uma das mais aclamadas universidades de excelência da Alemanha — solicitaram uma reunião para discutir a cooperação da instituição com universidades israelenses.

Em um vídeo, é possível ver um representante da administração esperando na porta, permitindo que os estudantes entrassem no auditório, enquanto um guarda de segurança da TUM orientava o acesso dos participantes.

No entanto, uma vez dentro, os estudantes e funcionários foram imediatamente trancados na sala por três horas, enquanto a TUM os acusava de invasão de propriedade e chamava a polícia de Munique.

Tamanha privação de liberdade, instigada pela administração da TUM, terminou com a identificação e busca minuciosa de todos os participantes.

O que os funcionários e estudantes queriam discutir eram descobertas de um estudo realizado por um grupo afiliado à TUM, o chamado Acadêmicos por Justiça.

A TUM — para citar apenas um dos seis casos exumados — coopera com a Universidade de Ariel, situada dentro de um assentamento na Cisjordânia ocupada, denunciada como ilegal, portanto, por acadêmicos e estudantes em Israel, na Palestina e internacionalmente.

Três aspectos são de interesse aqui, já que a cooperação viola tanto o direito internacional quanto a posição do governo alemão, que classifica os assentamentos como contrários ao direito internacional. No entanto:

  • A TUM oferece vagas de doutorado em parceria com a Universidade de Ariel, incluindo habitação no campus. O estudo destaca quão profunda é a colaboração entre as partes, ao citar atividades como uma oficina conduzida pela TUM dentro do assentamento ilegal israelense, além de um plano de pesquisa conjunta publicado em 2024;
  • A TUM participa ativamente de um projeto de pesquisa avançada para a companhia de armas israelense Rafael;
  • A TUM colabora com pesquisa militar para o Instituto de Tecnologia de Israel‎ (Technion), em Haifa, sob as orientações do professor Ben-Asher, um especialista em mísseis balísticos e teleguiados. Ben-Asher é um expert de renome em tecnologia militar, que trabalha há décadas para diversas fabricantes de armas israelenses.

A excelente TUM, como demonstram essas colaborações, não se importa nem um pouco com o direito internacional, e nem mesmo os 200 mil civis palestinos massacrados são suficientes para que a instituição encerre sua colaboração vexatória com universidades israelenses, parte integral de um regime de extermínio.

Muito embora as ações da administração da TUM possam ser chocantes, após a resolução do Bundestag, suas práticas podem em breve se tornar parte do cotidiano de estudantes e professores nas universidades de todo o país, que ousem se opor ao apoio incondicional da Alemanha à limpeza étnica e ao genocídio sionistas na Palestina ocupada.

Contudo, a união do establishment político, da extrema direita à esquerda alemãs, para apoiar incondicionalmente essa resolução autoritária seria impossível sem a devida repressão e a fabricação de consentimento público.

Os sumo-sacerdotes do antissemitismo

Nos últimos anos, sob o pretexto de combater o antissemitismo, a Alemanha implantou uma nova casta na sociedade alemã conhecida como Comissariado para o Antissemitismo (Antisemitismusbeauftragte), cujos representantes agora estão presentes em quase todas as instituições estatais, administrações públicas, instituições culturais, organizações e universidades.

Esses comissários são poderosos e, obviamente, sabem muito bem o que é antissemitismo. Sua principal tarefa, no entanto, é acusar de “antissemitismo”, de forma infundada e difamatória, qualquer pessoa que se oponha à posição oficial alemã sobre as ações do regime colonial sionista. Seu julgamento tem o efeito de destruir carreiras e planos de vida de cidadãos, retirar o financiamento das instituições culturais ou organizações da sociedade civil e criar um clima social de medo.

Tudo isso mostra que o termo “Comissariado para o Antissemitismo” é completamente enganoso, pois se tratam, na verdade, de sumo-sacerdotes pró-sionismo.

Em vez de proteger os judeus na Alemanha, defendem um regime colonial de extermínio; em vez de apoiar os judeus quando estes declaram que o genocídio na Palestina não deve acontecer em seu nome, tais comissários os submetem a campanhas de difamação e fazem de tudo para silenciá-los, a fim de proteger o Estado sionista de apartheid colonialista de assentamento ilegal.

E, em vez de considerar que em mais de 80% dos casos de crimes antissemitas na Alemanha os perpetradores são alemães de extrema-direita, essa nova casta fomenta fantasias sobre o que chamam de “antissemitismo importado”, ao disseminar propaganda a favor do genocídio e colocar qualquer opinião dissidente sob o veredito fatal de “antissemitismo”.

É claro, foram também agentes fundamentais em um processo político no qual a crítica legítima às políticas do Estado israelense foi redefinida como “antissemitismo relacionado a Israel”, que a Alemanha agora considera um crime antissemita e que —como pressuposto —, ao ampliar de maneira enviesada o escopo de escrutínio legal e político sobre os crimes de ódio.

Além disso, junto com a “Sociedade Israelo-Alemã” ou o “Conselho Central de Judeus”, os mais poderosos grupos de lobby sionistas na Alemanha, que buscam legitimar o genocídio nos territórios ocupados, essa nova incita na prática sentimentos antimuçulmanos, antiárabes e especialmente antipalestinos, ao marginalizar e mesmo criminalizar migrantes do Oriente Médio e, assim, encobrir verdadeiros crimes de ódio da emergente extrema-direita alemã.

Neste contexto, todos esses agentes sionistas não apenas se integram, na prática, à política e aos anseios da extrema-direita alemã, como, na verdade, servem de facilitadores e catalisadores a sua ascensão em todo o país.

O consenso fatal da Alemanha

Nem a supressão de qualquer crítica ao sionismo e seu regime colonial, nem o clima de medo que assola a Alemanha hoje seria possível sem a propaganda pró-Israel promovida pela grande imprensa alemã, que, ao longo dos anos, exerceu um papel decisivo em transformar o país em uma sociedade na qual a oposição à defesa do genocídio por seus governantes seria vista como um insulto, em vez de uma virtude de caráter democrático.

Os avanços da Alemanha rumo a um sistema autocrata certamente ecoam nos piores momentos do país. Em 2023, o jornal alemão Die Zeit publicou uma reportagem investigativa chocante, baseada em e-mails vazados de Mathias Dopfner, diretor executivo (CEO) da rede Springer. Em um dos e-mails, Dopfner sumariza suas crenças políticas, que se encerram com uma frase extraordinariamente elusiva e assustadora, que descreve também o consenso político que tomou a Alemanha nas últimas décadas: “Zionism über alles”.

Tamanha confissão por um alemão — uma das figuras mais poderosas da mídia europeia — é alarmante, dado que seu “Sionismo acima tudo” fatalmente nos ressoa como o hino nacional da Alemanha nazista: “Deutschland über alles”.

A ressonância, no entanto, não é coincidência, mas sim expõe Dopfner como um militante radical de uma ideologia de supremacismo branco, cujos vieses repressivos e racistas estão impregnados nas páginas de seus chamados “jornais de qualidade”, como o tabloide Bilt e o Die Welt.

Os jornais da corporação Springer, incluindo os dois exemplo supracitados, de fato, continuam a disseminar o ódio contra árabes e muçulmanos e árabes e passaram os 15 meses de genocídio israelense em Gaza desumanizando sistematicamente os palestinos, de tal maneira que relembra a qualquer leitor minimamente inteligente dos dias mais sombrios do jornalismo na Alemanha.

Tanto a repressão e o controle do discurso público por comissários sionistas quanto a incitação racista da corporação Springer abriram espaço para uma derrocada da Alemanha rumo ao autoritarismo em nome do suposto combate ao racismo antijudaico. Com a adoção de mais uma resolução enviesada, facciosa e deplorável, a favor dos crimes israelenses contra o povo palestino, os parlamentares alemães avançam a passos largos nesse processo.

A Alemanha — como antes — parece perdida em seu próprio caminho.

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As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.

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