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Al Janiah, um canto cultural palestino no coração de São Paulo

Solidariedade à Palestina, na porta do Restaurante Al Janiah, em São Paulo
Solidariedade à Palestina, na porta do Restaurante Al Janiah, em São Paulo

Em 2016, um pequeno restaurante foi aberto em São Paulo chamado Al Janiah.

O lugar se diferenciava dos demais pelas bandeiras palestinas, keffiyehs, música e comida árabe palestina e, se o visitante verificasse um pouco mais, descobriria que a maioria dos frequentadores do local pertenciam a partidos de esquerda brasileiros. E também que entre os  trabalhadores  havia uma maioria de palestinos que não dominavam bem a língua portuguesa, porque tinham vindo recentemente do mundo árabe.

Alguns anos depois, o local tornou-se um marco da cultura árabe em São Paulo e suas atividades ganharam dimensões políticas e culturais, transformando-se em um grande centro de atividades palestinas e brasileiras.

Uma iniciativa cultural

Para saber como o restaurante Al Janiah. foi criado e lançado, a Al Jazeera Net procurou seu proprietário e fundador, Hassan Zarif, um palestino nascido no Brasil após a ocupação da Cisjordânia e de Gaza em 1967.

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Zarif diz que desde cedo se preocupa com questões políticas e acrescenta: Nós estabelecemos aqui um grupo de trabalho que chamamos de “Todos por Palestina”, e sabíamos que haveria muitos problemas que os refugiados palestinos vindos da Síria depois de 2011 enfrentariam, principalmente as questões de moradia e trabalho. Por esse motivo pelo qual tivemos que buscar um dos prédios abandonados no centro de São Paulo, e nele recolhemos os refugiados palestinos recém-chegados após o reparo.

“No segundo passo”, continuou Zarif, “tivemos que garantir empregos para eles, e foi isso que me levou a tomar a iniciativa de abrir este lugar. Há muito tempo eu sonhava que poderia reunir a esquerda brasileira, por um lado, e os ativistas palestinos por outro, em um só lugar, e isso era o que acontecia anteriormente na minha casa.” Mas hoje tomou outra forma, e conseguimos dois objetivos, juntar a esquerda e garantir trabalho para um bom número de refugiados, e aos poucos este lugar foi tomando outro rumo com uma dimensão cultural que apresenta nossas questões às pessoas de diferentes formas, seja através das pinturas artísticas que aqui são apresentadas, seja através de seminários, palestras e audiovisuais”.

Ele acrescenta: “Na verdade, nosso objetivo era apoiar os refugiados e a causa palestina, mas percebemos depois que não é possível separar nossa causa da realidade brasileira, que é solidária ou hostil”.

Presença diversa

Sobre o grau de entrelaçamento entre vários assuntos dentro deste lugar, Hassan Zarif diz que nas últimas disputas presidenciais, 25 deputados europeus chegaram ao Brasil para acompanhar as eleições, e eles fizeram questão de acompanhar os debates realizados dois dias antes das urnas entre os candidatos Lula da Silva e Bolsonaro, na TV, a partir do Al Janiah.

“Há muitos candidatos de partidos de esquerda brasileiros para o Parlamento ou para vereadores que lançaram suas campanhas eleitorais aqui também, e isso foi um motivo de orgulho para nós”, diz Zarif. “Costumávamos abrir este centro 24 horas por dia durante as eleições e grandes eventos no Brasil.”

O proprietário conta muitos membros da esquerda brasileira conseguiram cristalizar uma visão equilibrada da causa palestina e das questões árabes por meio do acompanhamento constante das atividades organizadas pelo restaurante. ” Nesse campo, temos nos empenhado ao longo dos últimos anos em trazer apresentações que abordam questões políticas e culturais relacionadas à Palestina, e algumas delas relacionadas ao Brasil, todos os domingos e terças-feiras em um telão no salão principal.

Brasileiros e Árabes

Sobre a natureza das atividades organizadas pelo Al Janiah, o gerente do restaurante, Bilal Jaber explica que já foram promovidas muitas atividades relacionadas a árabes e brasileiros, como cursos de ensino de árabe e português, alguns de artes, história e causa palestina, além de alguns cursos na área de filosofia. E outro sobre a história do surgimento das forças de direita na América Latina. Alguns desses cursos duraram cerca de dois meses.

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“Também trazemos várias apresentações musicais de diferentes civilizações, incluindo música árabe, ocidental e africana, quase diariamente, apresentando bandas locais”, diz ele.

As atividades não se limitam a este restaurante, e muitas manifestações a partir dali aconteceram em apoio à Palestina, ao Brasil, ou mesmo a causas justas em outras partes do mundo. Pelo apoio a essas atividades, Bilal conta que alguns grupos de extrema direita atacaram o local mais de uma vez, especificamente durante o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro.

Bilal lembra que bombas de gás lacrimogênio e garrafas vazias foram lançadas contra o restaurante em um desses ataques. “Isto, claro, não levou aos resultados que os autores desejavam, porque há uma enorme campanha de solidariedade com o local que começou desde o dia seguinte ao ataque, seja através dos meios de comunicação e redes sociais, ou mesmo ao comparecer pessoalmente para expressar solidariedade, o que contribuiu para atrair novas turmas de jovens brasileiros com os quais não tínhamos contato antes.”

Sobre a clientela de fora de São Paulo, Bilal diz que o local recebe “muitos ativistas palestinos, árabes e estrangeiros solidários com a Palestina, que vêm ao Brasil para participar de conferências ou atividades, e sempre nos preocupamos em apresentá-los à comunidade brasileira e apresentá-la a eles, e isso contribuiu para a fama deste lugar. Pessoas no Brasil, na América Latina, ou mesmo no exterior, nos conhecem bem, e algumas fazem questão de se comunicar conosco,  nos acompanhar através de nossas páginas nas redes sociais. Já recebemos aqui a ex-presidenta do Brasil, Dilma Rousseff, e de muitos ministros e deputados de esquerda”.

Zarif diz que, entre os intelectuais árabes ou interessados ​​na causa palestina, o Al janiah  teve “a honra de receber o lançamento do livro “Limpeza Étnica na Palestina” em sua versão em português, do escritor Ilan Pappe, o cartunista brasileiro em solidariedade com a Palestina Carlos Latuff, o diretor palestino Elia Suleiman e muitos outros intelectuais”.

Mas o restaurante Al-Janiya também serve comida palestina para seus clientes? Nour Al-Sayed, um dos trabalhadores do Al Janiah  responde: “Certamente, todas as comidas servidas aqui são comidas palestinas que representam parte da nossa cultura, que é do que os visitantes do lugar gostam. Também temos um canto que vende roupas e moda palestina, muito popular entre mbrasileiros interessados”.

Pontes de comunicação

Durante a elaboração desta reportagem para Al Jazeera Net, entrevistei Zuhair Saeed, um estudante palestino que veio da Síria há alguns anos, que estava no local para preparar sua formatura na Faculdade de Administração de Empresas da Universidade de São Paulo, e perguntei-lhe por que ele escolheu o restaurante para sua festa.

Zuhair disse: “Este lugar expressa tudo o que é palestino nesta cidade para mim. Na verdade, sinto aqui que estou em casa com minha família, e visito este lugar permanentemente e conheço todos os seus visitantes e todos os seus trabalhadores, e esta é uma razão suficiente para escolhê-lo como um lugar para comemorar.”

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Quando perguntado sobre o que os fundadores do Al Janiah mais se orgulham, o Hassan Zarif, responde: “Uma das coisas de que nos orgulhamos nos últimos sete anos é nossa realização de cerimônias de lançamento para 190 livros. de diversos países como Espanha, Índia, Chile e Argentina, além, é claro, da Palestina e de alguns países árabes.”

Ele continua: “Agora estamos tentando construir pontes de comunicação com a juventude palestina que chegou do Iraque, Síria e outros, para trabalhar juntos na construção de uma visão unificada. Um de nossos principais objetivos agora ,como um encontro palestino contra o seu opressor, é enfrentar o lobby sionista dentro do governo e centros de decisão no Brasil.”

Zarif considera  que “o que mais assusta Israel é a consciência e reunião dos palestinos em estruturas políticas, e que estes não esqueceram sua causa nos países da diáspora.

Artigo publicado originalmente em árabe no site Al Jazeera Net.

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.

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