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Jornalismo no Brasil: Graduação e obstáculos profissionais

Polícia Militar do Rio de Janeiro agride jornalista durante protesto em 2014 [Reprodução/Mídia Ninja]

No Brasil, existem 300 faculdades de comunicação públicas e privadas em todos os estados do país, nas quais se formam anualmente cerca de seis mil alunos. Destes, estima-se que 25,2% estejam inscritos no Sindicato dos Jornalistas, conforme levantamento de 2012 da Federação Nacional dos Jornalistas (FENAJ). O restante, contudo, trabalha sob contratos individuais, sem qualquer garantia trabalhista com jornadas de trabalho abusivas que podem chegar entre 10 e 12 horas por dia.

Doze milhões de brasileiros (5,9% da população) vivem abaixo da linha da pobreza, com menos de US$1,25 por dia; cerca de 18% vivem em situação de pobreza, segundo estudo da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL), de meados de 2015. O índice, no entanto, subiu exponencialmente nos governos de Michel Temer e Jair Bolsonaro. Neste ambiente, a violência avançou enquanto seis famílias próximas ao poder detêm controle de 70% da mídia brasileira, em violação do Artigo 220 da Constituição, que proíbe o monopólio de imprensa, seja direta ou indiretamente.

O advento da mídia no Brasil

A marcha da mídia brasileira remonta a mais de duzentos anos. Em 1808, foi fundado o Correio Brasiliense, primeiro jornal do país, embora publicado pela primeira vez do exterior, devido à oposição de seu editor, Hipólito José da Costa, ao rei Dom João VI. O monarca português havia se mudado ao Rio de Janeiro por medo das ambições de Napoleão Bonaparte. Em 1822, o Brasil declarou-se independente a imprensa passou a operar pouco a pouco de dentro do país.

A primeira emissora de rádio brasileira foi inaugurada em 7 de setembro de 1922, no primeiro centenário da Independência, na cidade do Rio de Janeiro, por iniciativa da Academia Brasileira de Ciências. Nos anos seguintes, o novo meio se difundiu a Bahia, São Paulo, Rio Grande do Sul e outras regiões do país.

Em 1950, foi criada a primeira emissora de televisão em São Paulo, o Canal 3. Um ano depois, surgiu no Rio de Janeiro o Canal 6, que assim como seu antecessor transmitia sua programação por cerca de 18 a 22 horas diárias, sobretudo noticiários diversos.

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Em 1959, o Ministério da Justiça promulgou a primeira legislação para regulamentar a televisão no Brasil. A Ditadura Militar avançou conforme seus interesses e impôs rigorosa censura no violento período entre 1964 e 1985. Em meio à redemocratização, programas de televisão foram reavaliados e temas antes proscritos voltaram às manchetes, como política, cultura e liberdades em geral.

A primeira faculdade de jornalismo do Brasil surgiu em 1947, por orientação do testamento do jornalista Cásper Líbero, editor-chefe do jornal A Gazeta, que chegou a ser o maior periódico da América Latina de 1940. A universidade particular que se instalou na Avenida Paulista, em São Paulo, recebeu seu nome. A intenção era lecionar ciências humanas e formar profissionais a uma rede de rádio, televisão e mesmo semanários esportivos sob a fundação homônima e a marca Gazeta.

Em 1958, foi criado o curso de jornalismo da Universidade Federal de Juiz de Fora, em Minas Gerais, por iniciativa do governo federal. Em 1966, foi criada a Escola de Comunicação e Artes (ECA) da Universidade de São Paulo (USP).

O caminho da faculdade de jornalismo

O aluno que deseja ingressar em faculdades de jornalismo, públicas ou privadas, precisa prestar vestibular – alguns dos mais difíceis nas instituições públicas e gratuitas. O curso é semestral, dividido em 2.370 horas de sala de aula e 3.240 horas de aplicação prática. Há matérias de economia, fotografia, filosofia, linguística, história e outros. A graduação se dá por um projeto de conclusão de curso, que pode variar conforme a instituição: programa de televisão ou rádio, estudo acadêmico, produção de jornais ou livros.

A questão do diploma

Até 17 de junho de 2009, o exercício do jornalismo exigia certificado de uma das faculdades de jornalismo espalhadas pelo país, além de registro junto ao Sindicato dos Jornalistas ou algum veículo de comunicação. Conforme recurso do Sindicato das Empresas de Rádio e Televisão no Estado de São Paulo (Sertesp) e do Ministério Público Federal (MPF), o Supremo Tribunal Federal (STF) enfim deferiu a extinção da obrigatoriedade do diploma.

Ainda assim, o Artigo 4º da Resolução n°1 de 27 de setembro de 2013, emitida pela Câmara de Educação Superior do Ministério da Educação enfatiza a necessidade de preparar e treinar os profissionais de imprensa. A precarização do ofício gerou um intenso debate e um verdadeiro turbilhão de protestos. Francisco José Karam, professor da Universidade Federal de Santa Catarina, reafirma: “Ainda há necessidade do estudo acadêmico para que o aluno compreenda a ética da profissão e adquira experiência e capacidade para distinguir entre os meios”.

Ao aludir ao tema do jornalismo especializado, Denise Odorissi, repórter do canal Record, dá um exemplo: “Trinta porcento dos jornalistas que trabalham na Folha de São Paulo não estudaram jornalismo. A questão é complexa … Existem economistas que trabalham na área de jornalismo econômico e são mais capazes de falar sobre o temo do que outras pessoas”.

Violência contra a imprensa

“O Brasil é considerado um dos países mais violentos e perigosos da América Latina para os jornalistas, na falta de um mecanismo nacional para protegê-los em um clima de impunidade alimentado pela corrupção em todos os espaços”, alerta a rede Repórteres Sem Fronteiras em seu website.

Segundo a organização independente Article 19 – cujo nome se inspira no artigo referente à liberdade de expressão da Declaração Universal dos Direitos Humanos – reportou em 2013 que cerca de metade dos ataques contra jornalistas no Brasil tiveram agressores condenados; o restante permanece impune. O grupo atribui o problema à estreita relação entre forças políticas e econômicas e membros do judiciário e seu envolvimento com corrupção e atos ilícitos.

O legado da ditadura 

Historicamente, restrições aos jornalistas se agravaram em 13 de dezembro de 1968, com o advento do Ato Institucional n° 5 (AI-5), imposto pela Ditadura Militar. Dentre as prerrogativas, estava a ideia de “censura prévia”, restrição à liberdade de imprensa sob risco de prisão, tortura e assassinato. Taxas de perseguição chegaram a atingir 34% dos jornalistas, sobretudo no eixo Rio de Janeiro-São Paulo. Cerca de 10% destes foram submetidos a cassação de seus direitos políticos, 23,3% foram presos e 12% foram torturados. Dezenas foram mortos, os mais famosos Vladimir Herzog e Jayme Miranda.

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Apesar do fim da Ditadura Militar, o Estado brasileiro ainda demonstra um legado sombrio da perseguição aos jornalistas. Em 2013, a jornalista Lúcia Rodrigues, que trabalhava para a rádio Brasil Atual, tornou-se alvo de Paulo Telhada, coronel da Polícia Militar do Estado de São Paulo (PMESP) e então vereador da capital, acusado de executar 36 pessoas. Hoje deputado estadual, pelo partido Progressistas, Telhada processou a jornalista por difamação, após reportagem na qual foi exposto por contratar parentes e financiadores a cargos na Câmara. Contudo, perdeu o processo. Ainda assim, manteve o assédio para removê-la do quadro de profissionais da rádio Brasil Atual, em uma série de ações que evidenciam ecos da ditadura até hoje.

João Braga Arêas, doutor em História pela Universidade Federal Fluminense (UFF), comentou ainda sobre a relação público-privada neste legado, em artigo de 1º de abril de 2015 ao site Capitalismo em Desencanto. Em seu texto, Braga destacou que Roberto Marinho, presidente do Conselho Executivo da Rede Globo – rádio e jornal até então; mais tarde, a maior emissora de televisão do país – apoiou os militares no golpe de estado de 1964, contra o presidente João Goulart. Sua empresa, nos anos seguintes, tornou-se um império, beneficiária de adiantamentos financeiros do Estado, cuja contrapartida era promoção do discurso do regime e vista grossa às violações.

A rede Globo e outros meios de comunicação que mantinham boas relações com a autoridade militar foram usados ​​também para atacar organizações de esquerda, incluindo o Partido dos Trabalhadores (PT), que mais tarde chegou ao poder. É notório como os meios da grande mídia agiram para prejudicar a campanha de Lula em 1989, contra Fernando Collor de Melo – que depois sofreu impeachment –, na primeira eleição aberta do país em quase trinta anos.

O que vale para a gigante rede Globo vale para os outros conglomerados de mídia, concentrados em poucas famílias, em clara violação da Constituição sobre o monopólio de imprensa. Veículos da elite tendem ainda a negligenciar padrões éticos, sob editoria de interesses particulares.

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O caminho da reforma sobre a imprensa brasileira, podemos dizer, exige sim uma mudança na sociedade, para refletirmos adequadamente sobre a realidade do país. A derrubada de Dilma Roussef, com amplo apoio da imprensa privada, demonstra boa parte dos problemas. Sob seu sucessor Michel Temer, diversos jornalistas que trabalhavam no setor público foram demitidos ou cassados arbitrariamente, por causa de sua solidariedade à ex-presidenta. Ataques a esses mesmos profissionais ainda têm espaço hoje nos grandes veículos de imprensa, como o jornal Folha de São Paulo, após o retorno de Lula ao centro de poder.

Artigo publicado originalmente em árabe pela rede Instituto de Mídia Al Jazeera 

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.

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