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Os Benjamins parecem não ter a mesma força para coagir os EUA a abonar Israel

Primeiro-Ministro de Israel Benjamin Netanyahu discursa no 5° Fórum Global contra o Antissemitismo, no Centro de Convenções Internacionais de Jerusalém, em 12 de maio de 2015 [Menahem Kahana/AFP via Getty Images]
Primeiro-Ministro de Israel Benjamin Netanyahu discursa no 5° Fórum Global contra o Antissemitismo, no Centro de Convenções Internacionais de Jerusalém, em 12 de maio de 2015 [Menahem Kahana/AFP via Getty Images]

Como jornalista que frequentemente reporta as maquinações do lobby sionista, uma das alegações mais comuns que encontro é que de fato ele não existe. Como fenômeno quase único aos regimes do Oriente Médio alinhados a Estados Unidos e Grã-Bretanha, nos dizem que Israel não possui qualquer lobby em sua defesa nos círculos políticos do Ocidente.

Tamanha negação deve ser esperada, porém. As redes de lobby costumam trabalhar nos bastidores e corredores do poder e não gostam que suas atividades escusas sejam expostas ao escrutínio público.

O lobby pró-Israel tem uma estratégia única, ao acusar seus adversários de antissemitismo. Os críticos de Israel, dizem, não são motivados por preocupações decorrentes dos flagrantes crimes de guerra e lesa-humanidade do estado sionista, mas apenas pelo caráter judaico de Israel. Temores relativos a direitos humanos, insistem, são apenas fachada.

É tudo uma falácia, é claro, e nada original. Defensores da brutal monarquia na Arábia Saudita também são notórios por alegarem que os críticos do regime são motivados por islamofobia. Contudo, a difamação do antissemitismo empregada contra palestinos e seus apoiadores ainda detém uma magnitude muito maior.

Os alvos primordiais desta calúnia são os próprios palestinos e outros árabes. Os palestinos, dizem, são antissemitas que não se importam verdadeiramente com o fato de sofrerem limpeza étnica perpetrada por um violento projeto colonial europeu, embasado no sionismo; incomodam-se apenas pelo fato deste projeto ser judaico. O falecido Presidente do Egito Gamal Abdel Nasser era “Hitler no Nilo”, alegavam os sionistas. Novamente, mentiras.

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É de se esperar que o lobby sionista aja desta forma, dado que o faz há décadas. Contudo, o que podemos dizer daqueles que ostentam posturas liberais, progressivas ou de esquerda que também tentam mascarar os crimes de Israel sob o mesmo método? Abordá-los pode ser ainda mais frustrante. Alguns deles apelam a níveis extraordinários de negação sobre a mera existência do lobby israelense e alegam não haver nenhum ou pouquíssimo efeito na política efetiva dos Estados Unidos.

Uma destas pessoas é David Wearing, professor da Faculdade de Estudos Orientais e Africanos da Universidade de Londres. Em um artigo lamentavelmente deturpado que escreveu à rede Nova Media, em 2019, Wearing argumentou que o impacto do principal grupo de lobby sionista nos Estados Unidos, o Comitê de Assuntos Públicos Israelo-Americano (AIPAC), é apenas “marginal”. Com certa afetação bastante comum a figuras prepotentes da esquerda liberal, ao longo de seu texto, Wearing recusa-se sequer a utilizar o termo “lobby israelense” ou “lobby sionista”, senão um terrorismo retórico para denunciar a “tese do lobby israelense”.

Protestos em frente à sede da Executiva Nacional do Partido Trabalhista do Reino Unido, em Londres, Inglaterra, 4 de setembro de 2018; no cartaz: “Antissionismo não equivale a antissemitismo” [Dan Kitwood/Getty Images]

Protestos em frente à sede da Executiva Nacional do Partido Trabalhista do Reino Unido, em Londres, Inglaterra, 4 de setembro de 2018; no cartaz: “Antissionismo não equivale a antissemitismo” [Dan Kitwood/Getty Images]

Não é necessário um doutorado para reconhecer a existência empírica do lobby sionista e sua enorme influência. Em fevereiro, uma entrevista com um ex-oficial de alto escalão do governo americano de Barack Obama demonstrou este fato mais outra vez. Ben Rhodes era assessor-adjunto de segurança nacional e conversou com o jornalista Peter Beinart. Rhodes destacou que, como funcionário da Casa Branca, tinha de encontrar-se com representantes do lobby israelenses mais vezes do que qualquer outro grupo de interesse. De fato, relatou, o número de reuniões que teve com o lobby sionista equivale ao total de audiências com os outros grupos combinados.

Como pode ser isso um fator “marginal”?

“Você se reúne mais com grupos estrangeiros e eleitorados organizados sobre Israel do que qualquer outra questão de política internacional”, constatou Rhodes, ao expor uma situação de décadas, tanto sob presidentes democratas quanto republicanos. “Tenho certeza de que é algo constante em todos os governos … Você tem essa comunidade incrivelmente organizada a favor de Israel, bastante habituada a ter acesso ao Congresso, ao Departamento de Estado, à Casa Branca. Costumamos subestimá-la, é como as coisas são, como as coisas são feitas”.

Prosseguiu ao afirmar que outros lobbies agem da mesma maneira – “mas não com tamanha eficiência, honestamente”.

Por exemplo, Rhodes citou a disputa entre o lobby sionista e a gestão Obama em torno do acordo nuclear iraniano de 2015. Membros do Congresso sentiram pressão de grupos vinculados a Israel para agir de acordo com os interesses do estado colonial nesta questão. O episódio não foi marcado apenas por pressão política ou discursos de persuasão, mas sim por veemente demonstração de força em termos financeiros.

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Muitos dos políticos americanos têm seus eventos de doação de campanha organizados pelo próprio lobby sionista. Segundo Rhodes, membros do Congresso o contactavam como forma de pressão: “O AIPAC divulgou uma nota à imprensa prometendo US$40 milhões em propaganda sobre isso ou aquilo. A questão do dinheiro se tornou crítica”. Em seguida, relatavam: “O AIPAC afirmou que cancelaria minhas doações caso eu vote [a favor do acordo]”. E estes são políticos democratas. Quanto aos republicanos, pouquíssimos sequer precisam ser pressionados, dado que sempre se mantiveram “em total sintonia com o que quer que Netanyahu andava fazendo”.

O ex-oficial de Obama ainda observou: “Nós jamais devemos falar abertamente da questão do dinheiro” – provavelmente porque o lobby sionista criou o hábito de acusar seus críticos de “antissemitismo” e qual político desejaria isso?

Contudo, a alegação de que opôr-se a Israel ou seu lobby equivale a preconceito antijudaico é, ironicamente, antissemita por definição. A falácia de fato vincula todos os judeus ao Estado de Israel, algo efetivamente antissemita. Desta maneira, todos os judeus americanos e britânicos, por exemplo, seriam responsáveis pelos crimes cometidos pelo estado sionista.

Sobretudo, Israel e seu lobby em nada se importam com o verdadeiro antissemitismo. Preocupam-se somente em defender o estado de apartheid doa a quem doer e fabricam acusações de “antissemitismo” como forma de ataque, embora o estratagema seja desmentido hoje, pouco a pouco. Como declarou um lobista israelense: “O termo antissemitismo já não é mais o que costumava ser”.

O jornalista americano Andrew Cockburn reagiu à entrevista de Rhodes com ironia, ao tuitar: “Oficialmente confirmado, é tudo sobre os Benjamins”.

‘Oficialmente confirmado, é tudo sobre os Benjamins’, ironiza o jornalista americano Andrew Cockburn

O comentário sarcástico de Cockburn referiu-se ao furor causado em 2019 sobre comentários feitos no Twitter pela congressista democrata e progressista Ilhan Omar. Tudo começou com um breve comentário do jornalista Glenn Greenwald: “É chocante o tempo gasto por líderes políticos dos Estados Unidos para defender uma nação estrangeira [Israel], mesmo que signifique atacar a liberdade de expressão dos americanos”. Omar retuitou, ao utilizar uma gíria para notas de US$100, impressas com a imagem de Benjamin Franklin: “… é tudo sobre os Benjamins, baby”.

O que Omar criticou – e foi subsequentemente difamada sem pudor por seu comentário – é o fato de que o grupo de lobby sionista AIPAC utiliza recursos financeiros para promover sua agenda pró-aparthied na vida política dos Estados Unidos. E ela estava certa. A entrevista de Rhodes confirma – é tudo sobre os Benjamins.

A conclusão ficou bastante óbvia pela forte campanha do lobby israelense contra o acordo com Teerã. Para muitos membros do Congresso: “Quando a situação tornou-se crítica, enquanto a AIPAC investia enormes somas e ameaçava políticos de cancelar eventos de doação de campanha, então subitamente tínhamos de lidar com essa conversa sem sequer poder aludir a ele” – ou seja, o dinheiro.

Rhodes foi categórico sobre este ponto: “Em todos aqueles assuntos, pressão externa, interesses legislativos, interesses de mídia, sempre há um foco muito maior em qualquer coisa vinculada a Israel, em comparação com todo o resto. Inevitavelmente, isso pesa na cabeça dos políticos e tomadores de decisão. Você não pode agir como se não existisse”.

Não apenas isso, mas Rhodes reiterou ainda que oficiais de destaque no governo americano são coagidos na prática a participar da conferência política anual da AIPAC: “É algo esperado para cada oficial sênior do governo dos Estados Unidos e é quase certo que compareçam ao evento da AIPAC. Ninguém espera que você vá ao evento da NIAC [Conselho Nacional Iraniano-Americano]”.

É importante observar que o acordo nuclear iraniano de fato avançou, como indicativo de que Israel não possui controle absoluto sobre a política externa de Washington. Todavia, ainda possui hegemonia efetiva sobre a política americana para Israel e Palestina ocupada. Não obstante, esta conjuntura aparentemente está mudando.

Quem sabe, os Benjamins perdem pouco a pouco sua capacidade de persuadir políticos dos Estados Unidos a abonar Israel sem questionamento. Qualquer um que alega preocupar-se com a alma da democracia americana tem de guardar esperanças de que é este o caso.

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As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.

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