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A segunda intifada e os avanços sobre a linha vermelha de Al Aqsa

Colonos israelenses, sob proteção da polícia israelense, são vistos atacando o complexo da mesquita de Al-Aqsa em Jerusalém em 2 de junho de 2019 [Ahmad Gharabli/ AFP/ Getty Images]
Colonos israelenses, sob proteção da polícia israelense, são vistos atacando o complexo da mesquita de Al-Aqsa em Jerusalém em 2 de junho de 2019 [Ahmad Gharabli/ AFP/ Getty Images]

O uso político de símbolos religiosos por Israel tem se repetido desde a sua instalação em terras palestinas, com a simbiose entre estado militarista e a religião judaica. Também tem sido prática colonial a judaização e profanação de locais muçulmanos, estopim de confrontos com o povo palestino ocupado.

Dentro do Estado de Israel, pelo  menos quinze mesquitas foram transformadas em sinagogas, quarenta foram destruídas, fechadas ou abandonadas e dezessete destinadas a outras finalidades, conforme um levantamento do Alto Comitê de Acompanhamento dos Cidadãos Árabes em Israel

Na Palestina ocupada, um dos casos mais traumáticos antecedeu a divisão e apropriação da maior parte da Mesquita Ibrahimi, em Hebron, por Israel. Em 25 de fevereiro de 1994, 29 pessoas foram mortas por um colono extremista enquanto oravam na mesquita, e quase outras tantas foram mortas pelo exército durante os protestos naquele dia, com cerca de 250 feridos. A repressão após a violação é uma constante.

Nenhuma provocação, no entanto, tem tamanho potencial sísmico quanto as violações à Al-Aqsa, complexo do Nobre Santuário (Haram al-Sharif), onde se encontra a Mesquita AlAqsa e terceiro local sagrado para o islã, depois de Meca e Medina.

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Al-Aqsa está localizada em Jerusalém Oriental, ocupada por Israel em 1967. Em 1980, Israel anexou toda cidade, reivindicando-a como capital do estado judeu, em violação ao direito internacional. Al Aqsa simboliza a Jerusalém palestina, que resiste, a despeito de toda força de guerra empregada por Israel para manter sua ocupação.

Foi ao invadir o complexo a Al-Aqsa, escoltado por armas, em 28 de setembro do ano 2000, o então líder da oposição israelense, Ariel Sharon, cruzou um limite proposital. As acumuladas frustrações palestinas somavam-se com suas alternativas de resistência, que inclusive incluíam martírios.

Levantes na  Cidade Velha de Jerusalém se espalharam pelos territórios ocupados da Cisjordânia e da Faixa de Gaza. Começou assim a segunda Intifada Palestina, à qual Israel reagiu com extrema violência, mas não pode conter.

A Anistia Internacional relata que, no primeiro ano da intifada, a “ampla maioria dos casos de assassinatos e agressões ilegais em Israel e nos Territórios Palestinos Ocupados deram-se por excessos cometidos pela Força de Defesa de Israel (FDI). Por exemplo, a FDI utilizou helicópteros concedidos pelos Estados Unidos em ataques punitivos, onde não havia antes qualquer perigo iminente de vida”

A invasão de  Al Aqsa foi o estopim para o início de  cinco anos de confrontos, com um saldo de cerca de quatro mil palestinos e mil israelenses mortos,  além de milhares de feridos e mais de sete mil palestinos aprisionados.

No plano político, os protestos eclodiram após o com o fracasso  da Cúpula de Camp David – entre o Primeiro-Ministro de Israel Ehud Barak e o Presidente da Autoridade Palestina Yasser Arafat. Nela teoriacamente deveriam ser tratados um fim à ocupação de territórios, o retorno de refugiados palestinos, a definição do status de Jerusalém e a garantia do próprio Estado Palestino.

Israel  sempre quis responsabilizar os palestinos por não aceitar os termos de Camp David, narrativa desmentida pelo jornalista que acompanhou as negociações do período, Charles Enderlin, no livro Sonhos Despedaçados – O Fracasso do Processo de Paz no Oriente Médio de 1995 a 2002.

A provocação ostensiva de Sharon, que já carregava na ficha criminal o massacre de Sabra e Chatila no Líbano, ao invadir Al-aqsa, não acarretou prejuízo à sua carreira política. Pelo contrário, em um ano foi tornado primeiro-ministro de Israel, após a chegada do direitista Likud ao poder, e que assim se manteve.

LEIA: Israel explora normalização para escalar violações contra Al-Aqsa

La se vão 20 anos desde o início da Segunda Intifada. 

Até hoje, Al-Aqsa é considerada uma linha vermelha que a ocupação tensiona insistentemente sobre a resistência palestina. Os judeus se referem à área como o “Monte do Templo”, e a reivindicam judaica, estimulando profanações e ataques extremistas.

Em 13 de setembro de 2015, a cena protagonizada por de Ariel Sharon se repetiu, O ministro da Agricultura de Israel. Uri Ariel, entrou no complexo de Al Aqsa escoltado por soldados israelenses armados. O esperado protesto palestino novamente foi usado por Israel para uma pesada repressão e execuções condenadas internacionalmente.

Uma bandeira israelense foi hasteada na frente da mesquita Dome of the Rock perto do complexo da mesquita al-Aqsa na Cidade Velha de Jerusalém, em 24 de agosto de 2020. [Ahmad Gharabli/ AFP via Getty Images]

Uma bandeira israelense foi hasteada na frente da mesquita Dome of the Rock perto do complexo da mesquita al-Aqsa na Cidade Velha de Jerusalém, em 24 de agosto de 2020. [Ahmad Gharabli/ AFP via Getty Images]

No última dia 19, sábado, véspera do Ano Novo Judaico, um colono israelense tentou tocar um shofar dentro do complexo, mas foi expulso pelos guardas. No dia seguinte,  76 colonos apoiados pela polícia israelense entraram no complexo para celebrar a data, segundo um comunicado do Departamento de Awqaf de Jerusalém

A pressão de Israel para cruzar a linha vermelha, na disputa por uma Jerusalém “indivisa” aparece nas entrelinhas dos acordos forjados com outros países.

O “Acordo do Século” proposto pelo presidente dos EUA Donald Trump este ano incluía abrir a outras religiões o uso do Santuário Nobre, incluindo a Mesquita de Al-Aqsa, o Domo da Rocha e todos os lugares dentro do complexo, alterando acordos anteriores com os palestinos.

O acordo de normalização dos laços entre Emirados Árabes Unidos e Israel também tratam de Al-Aqsa e , segundo o centro de estudos israelense Terrestrial Jerusalém, trazem “sutilezas” que podem reduzir a área de Al Aqsa ao prédio da mesquita e não a todo complexo.

Nesse caso, o avanço sobre Al-Aqsa teria, pela primeira vez, a complacência de um país muçulmano.

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As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.

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