Muitas daquelas almas que marcharam para Jesus no último 10 de junho, dia de Corpus Christi, provavelmente não estão cientes da crueldade promovida contra inocentes em Gaza. Se testemunhassem o que o professor israelense Yoel Elizur, ex-presidente do Conselho de Psicólogos e professor emérito da Universidade Hebraica de Jerusalém, relatou sobre como os soldados de Israel se comportam diante das crianças, o mais razoável é que ficassem horrorizadas.
Pode ser também que muitas, com ou sem religião, não se abalem pelo relato dos crimes que se repetem até virar rotina, muito por não entenderem quem está matando quem do outro lado do mundo – uma confusão proposital vendida por nossa imprensa, que dá a entender que o alvo na morte dos inocentes é o terrorismo e não a terra que palestinos herdaram dos últimos milênios.
Do modo como a humanidade vai ficando menos humana, incapaz de barrar a bestialidade do genocício, há aqueles que tapam os ouvidos e dão de ombros. Pior é quando tentam justificar e aceitar a matança de inocentes, porque seu partido ou igreja tem interesses mundanos e negócios com Israel. Senão, o que estavam fazendo as bandeiras israelenses na marcha cristã, especialmente envolvendo a figura do governador de S. Paulo? Não há explicação possível para o símbolo ligado a um genocídio ser usado como estandarte religioso. E, no entanto, até a fé é corrompida pela política oportunista.
O interesse maior vem do capital, das grandes empresas que negociam com os assentamentos judaicos em terras palestinas, com a guerra e as demolições e querem mais. Querem Gaza e Cisjordânia e onde mais seus negócios possam avançar. A relatora especial da ONU para os Direitos Humanos Palestinos, Francesca Albanese, produziu um relatório chamado de “Da economia da ocupação para a economia do genocídio” em que da nome aos bois. Quem está lucrando com o genocídio são empresas de tecnologia e armas e equipamentos, entre as quais a Amazon, a Microsoft, a Alphabet, não por acaso vendedoras da narrativa pró-Israel nas mídias mundiais, e daí as informações não chegam do modo como deveriam aos públicos mais vulneráveis à manipulação. Protegendo os grandes negócios, Trump acaba de pedir a cabeça de Francesca.
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Voltando ao professor israelense e aos vários casos que ele relatou e publicou no jornal israelense Haaretz, um deles é sobre o comandante que encontra uma criança palestina de 4 anos e “de repente começa a correr, agarra o menino e quebra seu braço no cotovelo e a perna aqui. Pisou em sua barriga três vezes e foi embora” O comandante, quando questionado, respondeu: ˜Essas crianças precisam ser mortas desde o dia em que nascem.”
Os vídeos do influencer Hamzah Saadah mostram que esse não é um crime isolado de um psicopata infanticida. O tik toker convida aleatoriamente pessoas em Israel, grava e divulga alguns diálogos que revelam o sadismo declarado dos jovens soldados enviados para destruir Gaza. O coletivo Mídia Ninja, no Brasil, legendou e divulgou várias dessas conversas de poucos segundos atordoantes: – Quantas crianças você matou hoje? – o influencer pergunta, como se fosse algo normal de se perguntar. E as respostas chocam pela tranquilidade com que alguns enumeram suas vitímas – 2, 3, ou ainda prometem matar todos os palestinos.
Desde o início da guerra contra Gaza, em outubro de 2023, o MEMO vem divulgando uma coletânea de registros perturbadores de que há algo profundamente macabro com os militares adestrados por Israel. Nos vídeos, muitos feitos pelos próprios soldados, eles ferem e humilham pessoas, torturam e matam inocentes, destroem suas casas e animais – e se divertem com os espólios das chacinas.
Por conta desses crimes, a Fundação Hind Rajab, com sede na Bélgica e atuação em todo o mundo, passou a recolher provas e a monitorar os criminosos que – em férias do Exército israelense- tentam viajar para outros países. A organização tem parceria com advogados que acionam a justiça desses países para que detenham, expulsem ou deportem os soldados turistas. O Brasil já testemunhou um desses casos. O soldado investigado e denunciado fugiu antes que fosse detido.
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Para quem não lembra, Hind Raja, é o nome da menina que pedia socorro dentro de um carro onde viu seus familiares serem mortos, até sua irmã um pouco maior e última ainda sobrevivente, morrer ao seu lado. Quando socorristas, após pedido de licença a Israel, tentaram alcançar a apavorada Hindi, foram mortos junto com ela. Todos os corpos, dentro do carro e da ambulância, foram encontrados vários dias depois.

Hind Rajab [Arquivo familiar]
Esses casos não falam tanto dos desvios de conduta na guerra quanto falam de um projeto político de Estado ocupante e xenofóbico que precisou animalizar seu Exército e desumanizar sua população para concretizar seu assalto à terra palestina. Israel fez de seus jovens e colonos bestas insaciáveis transformadas em armas humanas que se destroem por dentro enquanto devoram o sofrimento e o sangue derramado de um povo inteiro.
Os planos israelenses de limpeza étnica foram alimentados desde a escolha da Palestina pelo movimento sionista, no final do século XIX, para o que seria um lar judeu, juntamente com os mitos vendidos aos próprios imigrantes europeus e ao resto do mundo sobre o direito a uma terra despovoada. A narrativa desconexa da realidade de uma terra que, na verdade, sempre teve dono, obrigou a criar e vender outra realidade mitológica de algum tipo de direito divino de assaltar, expulsar e tomar posse da casa alheia. A violência sempre fez parte do projeto Israel, propagada pelas gangs Haganá e realimentada ano a ano de ocupação e apartheid, e agora de genocídio, com a promessa de um futuro supremacista em expansão. Seu fundamentalismo tanto orienta a extrema direita quanto recruta o fanatismo religioso para replicar seus mitos e negar o que os olhos deveriam ver .
A cada vídeo que escapa de Gaza consumida pela fome, doença, tortura e assassinatos, vemos soldados que se divertem com vidas humanas destruídas. Já são mais de 56 mil desde outubro de 2023. Nada mais contraditório, aliás, com a máxima cristã do amor ao próximo. Enquanto a humanidade se debate contra a própria degeneração, homens alucinados comemoram suas façanhas covardes e rastejam armados pelo inferno genocida ao qual foram condenados – uma promessa do sionismo sendo cumprida.
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