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Relatora da ONU nota ‘apocalipse’ em Gaza, urge isolamento e embargo de Israel

3 de julho de 2025, às 13h18

Francesca Albanese, relatora especial das Nações Unidas para direitos humanos nos territórios palestinos ocupados, em Madrid, na Espanha, em 23 de junho de 2025 [Burak Akbulut/Agência Anadolu]

Israel é responsável por “um dos mais cruéis genocídios na história moderna”, reiterou Francesca Albanese, relatora especial das Nações Unidas para os direitos humanos nos territórios palestinos ocupados, nesta quinta-feira (3).

As informações são da agência de notícias Anadolu.

Para a advogada de direitos humanos, Israel explora Gaza como campo de teste a seus produtos armamentistas, de modo que é responsabilidade global agir para impedir tais violações, incluindo via embargo de armas e suspensão das relações de investimento e comércio com a ocupação.

“A situação nos territórios palestinos ocupados é apocalíptica”, reafirmou Albanese ao Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas, em relatório. “Em Gaza, palestinos continuam a sofrer para muito além de nossa imaginação. Israel é responsável por um dos mais cruéis genocídios na história moderna”

Albanese estimou em seu estudo mais de 200 mil palestinos mortos e feridos pelos 630 dias de campanha israelense. Advertiu, entretanto, que especialistas de saúde calculam que “as baixas sejam ainda muito mais altas”.

Seu relatório denunciou como “armadilha letal” a chamada Fundação Humanitária de Gaza (GHF, da sigla em inglês) — mecanismo supostamente assistencial imposto por Tel Aviv e Washington, em detrimento dos sistemas estabelecidos das Nações Unidas, cuja intervenção armada deixou centenas de mortos até então.

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Para a perita, trata-se de instrumento “projetado para matar ou coagir o deslocamento de uma população alvejada, bombardeada e faminta”.

Economia do genocídio

Albanese deu enfoque aos ganhos econômicos ao longo do genocídio, ao elucidar que, nos últimos 20 meses, fabricantes de armas obtiveram enormes lucros ao abastecer o exército da ocupação israelense com bombas utilizadas em Gaza.

“Corporações armamentistas atingiram quase recorde nos lucros ao equipar Israel com um arsenal de ponta, lançado na forma de 85 mil toneladas de explosivos — seis vezes mais do que Hiroshima — que destruíram Gaza”, observou.

Seu relatório denunciou ganhos flagrantes de cerca de 213% na Bolsa de Ações de Tel Aviv desde outubro de 2023, quando eclodiu o genocídio. “Enquanto alguns ficam mais e mais ricos, outros são apagados do mapa”, reiterou.

Ao acusar a ocupação colonial de explorar a guerra para “testar novas armas, aparatos de vigilância, drones letais e sistemas de radares”, Albanese alertou que civis palestinos indefesos foram convertidos em “laboratório ideal para o complexo industrial e militar de Israel”.

Albanese identificou 48 agentes corporativos implicados nos crimes de guerra e contra humanidade cometidos em Gaza, incluindo fabricantes de armas, bancos, companhias de tecnologia, gigantes do setor energético e instituições acadêmicas, que sustentam, na prática, a “economia da ocupação” e as ações de Israel.

Marcas mencionadas incluem a brasileira Petrobrás, a Amazon, Microsoft, Google, BNP Paribas, Booking.com, Airbnb, HD Hyundai, entre outras.

O documento ressaltou também que as empresas e seus executivos devem responder por crimes e violações de leis locais e internacionais.

“Armas e sistemas de dados não somente brutalizam como mantêm os palestinos sob vigilância”, documentou Albanese. “Colônias se disseminam, financiadas por bancos e seguradoras, alimentadas por combustíveis fósseis e normalizadas por plataformas de turismo, redes de supermercado e instituições acadêmicas”.

Em coletiva de imprensa em Genebra, Albanese confirmou ter notificado oficialmente todas as empresas citadas, ao compartilhar com suas sedes “os fatos que descobrimos, em clara transgressão da lei internacional”.

Albanese insistiu que seu trabalho “foi além do que foi feito em estudos similares”, ao explicar que “para cada uma das empresas, caso a caso, forneci uma análise detalhada em âmbito legal, onde revelamos não-conformidade com a lei internacional traduzida a violação dos direitos de autodeterminação, direitos humanos e crimes de guerra e lesa-humanidade, incluindo, a certa altura, envolvimento no crime de genocídio”.

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Segundo a advogada, dezoito empresas responderam às denúncias. Destas, observou, “apenas um pequeno número” entrou em contato “de boa fé”, à medida que a maioria decidiu negar suas infrações.

Sobre as negativas, comentou: “Essas companhias não entendem, de fato, com clareza, a lei internacional. Pensam que a lei internacional existe para dar desculpas”.

Responsabilidade de ruptura

Sob a lei internacional, apontou Albenese, mesmo o mínimo vínculo a este sistema de extermínio demanda responsabilização. “Há uma responsabilidade prima facie de todo Estado e entidade corporativa de se abster completamente ou encerrar suas relações com essa economia da ocupação”.

Em apelo direto aos Estados-membros das Nações Unidas, Albanese reivindicou ações contundentes e decisivas: “Todos devem impor total embargo de armas a Israel, assim como suspender todos os acordos comerciais e investimentos, aplicar responsabilidade e garantir que corporações enfrentem consequências legais por seu envolvimento nas mais graves violações da lei internacional”.

A relatora pediu ainda ação dos empresários: “Entidades corporativas devem também, com urgência, cessar todos os negócios e relacionamentos diretamente vinculados, ou que contribuam ou incorram em violações de direitos humanos ou crimes prescritos na lei internacional contra os palestinos”.

Para Albanese, não resta mais pretexto de ignorância ou ideologia para tamanha inação global: “Diante de um genocídio — tão evidente, transmitido ao vivo — qualquer uma dessas explicações simplesmente não basta”.

Sua denúncia concluiu com um amplo apelo à sociedade civil: “Sindicatos, associações de advogados, movimentos sociais e cidadãos comuns devem encorajar a mudança de comportamento tanto dos governos quanto dos negócios, ao pressionar por boicotes, desinvestimento, sanções e justiça. O futuro depende de todos nós”.

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