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Sionismo e o rabo que abana o cão e toda matilha em favor de Israel

28 de junho de 2025, às 19h51

O primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, durante uma conferência da AIPAC em Washington, EUA, em 6 de março de 2018 [Chip Somodevilla/Getty Images]

Trump pediu nesta semana a anulação ou perdão aos crimes de Netanyahu por corrupção  porque comparou-o a si mesmo, que já fugiu de condenações que pareciam incontornáveis,  a partir de uma campanha fartamente financiada para levantar os sentimentos de raiva, revanche e paranoia supremacista, um coquetel que ao final o redimiu e elegeu.  

Tivesse Kamala Harris sido eleita pela retórica oposta, apelando ao sentimento de que os justos devem vencer, ela também não se afastaria do compromisso com os mesmos financiadores, da defesa do aliado sionista em pleno genocídio do povo palestino.

Foi Obama em seu livro Terra Prometida quem explicou a política perene da Casa Branca para Israel: quem decide a relação é a AIPAC. E esse Comitê de Assuntos Públicos Americano-Israelenses é decisivo no  financiamento de campanhas republicanas e democratas, organiza e controla  lobbies no Congresso e trabalha nos gabinetes do poder  – inclusive o presidencial -, dando as cartas. 

Netanyahu nem ocupava altos cargos quando, em 2010, foi gravado em conversa com colonos dizendo “Eu sei o que são os Estados Unidos. A América é algo que você pode mover com muita facilidade, mova-a na direção certa. Eles não vão atrapalhar.” Mais do que isso, trabalham para Israel.

No início deste ano, a ONG americana Democracia para o Mundo Árabe Agora (DAWN) encaminhou um relatório de 172 páginas ao Procurador do TPI, Karim Khan, detalhando um padrão de decisões deliberadas e propositais constatados no governo Biden para fornecer apoio militar, político e público para facilitar os crimes israelenses em Gaza. “Esse apoio incluiu pelo menos US$ 17,9 bilhões em transferências de armas, compartilhamento de inteligência, assistência para direcionamento de alvos, proteção diplomática e endosso oficial a crimes israelenses, apesar do conhecimento de como esse apoio havia e permitiria substancialmente abusos graves”.

Biden, e antes dele Obama, Trump I, Bush pai e Bush  filho, movidos pelo sionismo doméstico e internacional, enviaram ininterruptamente as armas e o dinheiro  que Israel precisa para expandir seu projeto colonial sobre a cultura profunda de autopreservação do povo árabe. O Estado sionista atua por cima, nos acordos de normalização com governantes dependentes do humor dos EUA, ou por baixo, em operações para sangrar a resistência –  na Palestina, no Líbano, no Irã, fazendo o sangue jorrar e movendo os Estados Unidos em seu socorro e patrocínio. 

Bernie Sanders, senador que foi pré-candidato  derrotado, não à toa, à presidência dos EUA,  escreveu um artigo de opinião para a Fox News esta semana, afirmando que o presidente Trump não tinha poder legal para ordenar ataques contra o Irã sem autorização do Congresso, uma ação que não interessava aos Estados Unidos onde “ninguém acredita seriamente que o Irã seja uma ameaça militar” à América. 

Sanders lembra que Netanyahu instou os EUA a invadir o Iraque no início dos anos 2000 e hoje destrói sistematicamente o povo palestino enquanto envolve os EUA em uma guerra sem razão com o Irã. “Netanyahu não deveria ditar a política externa e militar dos EUA”, escreveu o senador americano.

Assim como no caso do Iraque, as alegações israelenses que empurraram os EUA ao Irã foram tão enganosas quanto os efeitos prometidos pelos mísseis americanos, que não interromperam o programa nuclear iraniano nem derrubaram o regime dos aiatolás – mesmo com a simbologia das bombas israelenses contra os portões da prisão de Evin onde estão trancafiados os presos políticos dissidentes do regime. 

Ainda que Trump use a força para eliminar o líder supremo, existe uma rede xiita disposta a reagir dentro e fora do Irã, o que no mínimo daria causa a mais dinheiro e armas para a narrativa de autodefesa de Israel.  O caos por encomenda que já foi provado por países como Iraque, Síria, Líbia, Líbano e Sudão interessa aos planos de controle militar do “novo Oriente Médio” sonhado por Israel.. 

O risco de escalada corrido com os mísseis americanos, que desviaram os olhos do genocídio em Gaza para as fotos das montanhas rasgadas do Irã,  não ocorreu certamente  a serviço dos americanos. Mas apesar da incongruência, há uma maioria que sustenta a vocação absolutista de Trump, empurrada por uma extrema direita que avança no Ocidente com o mesmo discurso pronto, misturando política, militarismo, revanche, religião. E a bandeira de Israel. 

Judeus não sionistas são reprimidos por gritarem “não em nosso nome”, estudantes apanham da polícia em escolas e protestos, e a mídia ocidental reduz a números os jornalistas mortos em Gaza – não se permite reagir ao fato de que é parte de si mesma que está sendo mutilada.

O Espaço Literário Marcel Proust  de Carlos Russo reproduziu esta semana uma análise do ganhador de um Pulitzer, Chris Hedges, para concluir que Trump  “entretém a sociedade enquanto a conduz ao abismo”. O presidente americano é comparado a líderes de impérios moribundos  que, na promessa de recuperar  a glória e poder perdidos, nada criam  – apenas aceleram o colapso. Tais figuras  emergem quando as sociedades adoecem. Citado no texto, o filósofo político Eric Voegelin afirma que os alemães apoiaram Hitler não porque foram “hipnotizados” por seu talento e oratória, mas porque ele personificava as patologias de uma sociedade doente, assolada pelo colapso econômico e pela desesperança.

 Seja como for, ninguém é inocente na plateia mundial atenta ao genocídio. Mesmo o teatro montado para dissimulá-lo também é montado para acelerar a matança.  Trump, que havia cortado recursos da UNRWA de socorro aos palestinos, aprovou esta semana US$ 30 milhões para financiar a organização americana Gaza Humanitarian Foundation (GHF), que está sendo  acusada de atrair palestinos famintos ao que se tornou um campo de tiro ao alvo contra suas vidas. Cerca de 600 pessoas foram mortas enquanto buscavam comida nesses centros de distribuição e mais de 4 mil ficaram feridas, de acordo com o Ministério da Saúde de Gaza.

A ONU afirma que a GHF é uma armadilha mortal contra os palestinos e se recusa a trabalhar com ela, ao passo que sua agência, a UNRWA, é impedida de entrar para fazer seu trabalho de forma independente. 

O adiamento do julgamento de Netanyahu foi negado pelo procurador de Israel, o que ainda é apenas um constrangimento para o primeiro-ministro que responde à justiça duvidosa israelense com mais bombas sobre os palestinos . Trump promete mais uma vez que vai acabar com a guerra em Gaza, enquanto Israel segue matando mais e mais palestinos famintos a cada dia. 

Os cães foram soltos contra o Direito Internacional e a dignidade humana. Em todos os organismos multilaterais, o genocídio  já deu causa a mobilizações e até ordens de prisão. Mas o sionismo que move os EUA, como um rabo com poder de abanar o cão,  também obstrui, por tabela,  a possibilidade de ação dessas instâncias mundiais, a começar pela ONU e suas agências e comissões. O Tribunal Internacional de Justiça (TIJ)  e o Tribunal Penal Internacional (TPI) emitem decisões para não serem cumpridas. Os vetos americanos às resoluções contra o genocídio no Conselho de Segurança da ONU e o desprezo pelos mandados  judiciais contra Netanyahu estendem o controle sionista à toda comunidade internacional. 

 

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.