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Refugiados de Jenin: Deslocados ontem, resistindo hoje e amanhã

Ruas destruídas de Jenin, após ofensiva militar de Israel, na Cisjordânia ocupada, em 4 de julho de 2023 [Issam Rimawi/Agência Anadolu]

Jenin chegou às manchetes nesta semana, sobretudo seu campo de refugiados. A cidade fica na parte norte da Cisjordânia ocupada, com profundas raízes palestinas que antecedem em eras a mera existência do Estado de Israel.

O campo de refugiados nasceu em 1953, em uma pequena porção de terra, não mais do que 1 km² a cerca de um quilômetro de distância do centro da cidade homônima. Lar, contudo, de quase 18 mil palestinos em uma das áreas mais densamente povoadas do planeta.

Criado há sete décadas para abrigar algumas centenas de refugiados expulsos de suas terras na ocasião da Nakba – ou “catástrofe”, quando foi criado Israel, mediante limpeza étnica –, o campo de Jenin sempre guardou a esperança de ser um lar apenas provisório. A população atual, contudo, tem média de idade inferior a 20 anos – isto é, composta majoritariamente por refugiados de terceira ou quarta geração, ainda à espera do direito de retorno.

Em 1967, o projeto expansionista de Israel tomou controle de toda a Cisjordânia, incluindo a cidade de Jenin, forçando muitos dos residentes ao deslocamento pela segunda vez. Após os infames Acordos de Oslo de 1993 derem à luz a Autoridade Palestina, a área – seu campo de refugiados incluso – recaiu sob controle da nova gestão. A vida, no entanto, pouco mudou. O campo de refugiados de Jenin – como outros 52 campos na Cisjordânia – carece de serviços básicos e possui uma das mais altas taxas de desemprego de toda a região.

O campo se tornou uma pedra no sapato do exército da ocupação israelense, em particular, durante a Segunda Intifada. Em 2002, Israel travou uma batalha sangrenta por dez dias em Jenin, ao destruir casas, assassinar civis e criar uma nova onda de deslocados. Desde então, o campo de Jenin é associado à firme resistência contra a ocupação israelense. Os palestinos lhe deram o apelido de Capital dos Mártires à medida que Israel passou a acreditar que mais da metade das ações da resistência palestina, consagradas pelo direito internacional, contra colonos e soldados, partiram de Jenin. Mais recentemente, a ascensão das Brigadas de Jenin – uma frente unida de resistência armada – parece ter mudado a forma como os palestinos veem e travam sua defesa contra a ocupação e a colonização.

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A este ponto, poderíamos concordar que a melhor solução para encerrar o ciclo de violência em Jenin e no restante da Palestina histórica é simples: permitir que os palestinos retornem a suas casas e terras, como diz o direito internacional. Campos de refugiados e os problemas subsequentes desapareceriam do dia para a noite.

Israel se afoga em crimes [Sabaaneh/MEMO]

Sensatez, no entanto, não faz parte da mentalidade de Israel: o Estado ocupante se mantém obstinado em se expandir, ao agarrar mais e mais terras não somente da Palestina, mas dos países a seu redor. Israel é o único Estado-membro da Organização das Nações Unidas (ONU) que jamais declarou onde estão suas fronteiras. O resultado é evidente: o exército israelense regularmente invade cidades e aldeias palestinas – como vimos em Jenin nos últimos dias –, com o objetivo aguerrido de deslocar centenas de milhares de civis pela segunda ou, quem sabe, terceira vez em suas vidas, o que torna a resistência a única opção viável.

O que é mais notável sobre a invasão israelense a Jenin desta semana foi o número de forças de infantaria mobilizadas, assim como o uso de helicópteros e drones militares – algo raro na Cisjordânia ocupada por quase duas décadas. A imprensa israelense estimou ao menos mil soldados enviados às vielas superlotadas de Jenin, para oprimir a população. Fatos sugerem que o Estado de apartheid está realmente preocupado com o que os palestinos de Jenin são capazes de alcançar. À medida que as tropas começaram a recuar, Tel Aviv alegou desmontar oficinas de fabricação de bombas, confiscar armas e destruir centros de comando. O mesmo foi dito antes e a resistência, contudo, sobreviveu.

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Israel pode declarar sua vitória sobre o campo de Jenin, mas será um triunfo constrangedor ao considerarmos um dos exércitos mais bem equipados do mundo contra um punhado de combatentes da liberdade sem experiência ou treinamento. Como já vimos uma e outra vez, as amplas capacidades militares de Israel não são capazes de matar a “síndrome de Jenin”, da qual a ocupação teme sofrer. A vontade de resistir somente aumenta e jamais será morta por completo enquanto houver ocupação.

A agressão desta semana não será a última, como prometeram os líderes israelenses antes mesmo de suas tropas deixarem a região. De acordo com o contra-almirante Daniel Hagari: “O exército israelense terá de voltar a operar na área futuramente”. Qualquer suposta vitória em Jenin é efêmera e será em breve esquecida – a próxima batalha espera apenas o apertar de um gatilho.

As políticas agressivas de Israel tornaram Jenin célebre pelas piores razões. O mundo não se esquecerá de Shireen Abu Akleh, jornalista da Al Jazeera, executada no campo de refugiados enquanto cobria outra invasão israelense em 11 de maio do ano passado.

A “síndrome de Jenin” deve se disseminar também no âmago do território designado Israel – ocupado durante a Nakba em 1948 –, sob os esforços de seu atual governo, considerado o mais extremista e fascista em sete décadas, para perpetuar seu poder. A coalizão do premiê Benjamin Netanyahu abarca alguns dos políticos mais abertamente racistas jamais vistos na política mainstream do Estado sionista, como Itamar Ben-Gvir, ministro de Segurança, e seu colega das Finanças, Bezalel Smotrich. Tais figuras clamam abertamente pela limpeza étnica do povo palestino; expropriação de mais e mais terras; e ampliação de postos coloniais em enormes assentamentos ilegais. Extremistas no poder chegam ao ponto de prometer criar e desenvolver milícias para cometer seu expurgo.

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No topo da agenda de Netanyahu está a expansão dos planos coloniais sobre a Cisjordânia. Seu governo aprovou a construção de milhares de unidades habitacionais para colonos que vivem ilegalmente em terras palestinas. Israel e seus parceiros – incluindo Estados Unidos e Reino Unido – sabem muito bem que é ilegal impor sua estrutura aos territórios ocupados. Não obstante, o Estado clandestino continua a operar com absoluta impunidade em franco detrimento de normas humanitárias, do direito internacional e de incontáveis resoluções da ONU que pedem o fim da ocupação brutal da Palestina.

Com evidente desdém ao protocolo diplomático, o embaixador americano em Israel surgiu em vídeo, supostamente gravado em 30 de junho perto da fronteira libanesa, desejando ao exército ocupante “Shabbat Shalom” – expressão aparentemente inofensiva salvo o fato de que ser enunciada às vésperas de um massacre.

O apoio incondicional de Washington à ocupação não é novidade, mas nem isso mudará o fato de que os palestinos deslocados ontem continuarão a lutar, não importa a força de seus inimigos. Quando Israel e seus asseclas compreenderão a realidade?

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.

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