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Protestos no Irã se encaminham para o terceiro mês

Baran/@clickwhenwordsfail
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No dia 13 de setembro de 2022, a História do Irã sofreu uma reviravolta popular. A jovem curda Mahsa Amini, uma mulher de 22 anos, presa pela polícia da moralidade de Teerã, teve seu óbito decretado. Logo em seguida, a população curda saiu às ruas em protesto. Na sequência, persas, árabes e outras etnias residentes no país tomaram as ruas, inclusive na capital, para protestar contra os 40 anos de prisões e execuções arbitrárias cometidas pelas autoridades da república.

A diáspora também se mobilizou ao redor do mundo e chamou a atenção do cenário internacional, como da Organização das Nações Unidas (ONU) e da mídia estrangeira. A hashtag #iranprotests ganhou destaque no Twitter e pessoas se apossaram dela para mostrar os vídeos das manifestações também no Instagram. As manifestações se encaminham agora para o terceiro mês quase que consecutivo e voltaram a ganhar repercussão durante a Copa do Mundo de Futebol, realizada no Catar. Para explicar melhor sobre os acontecimentos, a doutoranda da Universidade Federal Fluminense (UFF), Ana Maria Raietparvar, especializada em Irã, conversou com o Lab Dicas de Jornalismo.

LEIA: Copa do Mundo: Seleção do Irã fica em silêncio durante o hino, apoia protestos

“A respeito de um futuro para o Irã, acho que está bastante em aberto. Vai depender muito dos próximos acontecimentos. É difícil prever se haveria uma mudança de governo, uma mudança de organização do Estado iraniano. Depende de como vai se dar os próximos passos. Existe um cenário colocado em aberto sobre o que acontece quando revoltas, protestos deste tipo, permanecem a longo prazo com regimes autoritários. Por enquanto, o governo aponta que não quer ceder. Mas veja bem: esses métodos já são muito conhecidos pela população iraniana. Prisões e até execuções. Então se a população foi às ruas, isso mostra que possivelmente alguns perderam o medo disso.  Mas não há como prever um futuro.”, declarou Raietparvar.

Protestos no Irã [A./@clickwhenwordsfail]

De acordo com o Iran Human Rights Watch, ong que monitora a violação de direitos humanos no país, o dia 19 de novembro contou com ao menos 380 mortes entre os manifestantes. Outras três mortes teriam acontecido no Curdistão iraniano, alertou a entidade. Já as autoridades iranianas disseram que, no dia 25 de novembro, pelo menos 50 policiais morreram durante os protestos. No dia 13 de novembro, a mídia estatal anunciou que o primeiro manifestante havia sido oficialmente sentenciado a morte.

Sobre a escalada na repressão aos protestos, Raietparvar comentou: “Pode sim se tornar uma tendência. É algo que a república faz nos últimos 40 anos. Ela tem um histórico de presos políticos, execução de presos políticos. Eles já deram sinais de que podem ir por esse caminho. E acho que também vai depender um pouco de como a comunidade internacional vai responder a isso. Está todo mundo de olho no que está acontecendo. Não sei se ir por esse caminho passaria despercebido… Se eles forem por esse caminho, eles terão que lidar com essas consequências diante da comunidade internacional”.

Silêncio nos estádios

Torcida iraniana levanta cartaz em protesto durante partida entre Inglaterra e Irã, pela Copa do Mundo FIFA, no Estádio Internacional Khalifa, em Doha, Catar, em 21 de novembro de 2022 [Alexandre Brum/Agência Enquadrar]

No dia 21 de novembro, durante a estréia do Irã na Copa do Mundo, contra a Inglaterra, os torcedores resolveram se manifestar. Uma bandeira com as cores da república e os dizeres “Woman, Life, Freedom” foi estendida nas arquibancadas. Os jogadores também resolveram demonstrar seu apoio à causa, mantendo silêncio durante a execução do hino nacional.

Seleção iraniana na estreia da Copa do Mundo FIFA, no Estádio Internacional Khalifa, em Doha, Catar, em 21 de novembro de 2022 [Alexandre Brum/Agência Enquadrar]

As consequências chegaram. Antes da partida contra o País de Gales, na sexta-feira (25), objetos de dois torcedores foram confiscados. E foi divulgado que o jogador Voria Ghafouri, apoiador da causa curda e um dos jogadores mais famosos do Irã, teria sido preso pela polícia do país, após se manifestar na Copa do Mundo.

“São 40 anos de disputas e conflitos internos [no país]. Geralmente as pessoas entendem o Irã como uma grande hegemonia do xiismo islâmico político. Porém, na verdade, é um país com muitas visões de mundo. Existe uma tradição secular muito forte, tanto mais progressista, quanto pela volta do Xá – que também é um secularismo mais autoritário… Quando teve a revolução de 1979, foi uma revolução de muitas forças políticas: progressistas, comunistas, islâmicas, islâmicas de esquerda, seculares liberais… E houve um ganho de um projeto político que é o atual. Então essas forças não desapareceram – por mais que tenha tido muita perseguição, muitos se exilaram. Pois então a diáspora iraniana tem uma tradição secular muito forte, uma contestação muito forte do que são os rumos da política iraniana atual. E isso reflete também nas disputas internas. Então eu diria que chegou nesse ponto por um fruto de 40 anos de disputas e de tensões internas. Dentro e fora, em relação com a comunidade iraniana que mora principalmente na Europa, nos Estados Unidos, na Austrália, por exemplo, e nos países do entorno, como a Turquia.”, observou a professora Raietparvar.

LEIA: Irã posiciona mais forças na região curda à medida que mais protestos surgem

O Irã enfrenta os Estados Unidos, nesta terça-feira, dia 29 de novembro, às 16 horas (horário de Brasília), pela última rodada da fase de grupos da Copa do Mundo, após vencer o País de Gales por 2×0. A presença do Irã no popular campeonato de futebol segue usada pelo povo iraniano como meio de protestar e tentar dar voz e projeção internacional ao que acontece em seu país.

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.

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