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Por que a resistência popular na Cisjordânia não para de crescer?

Protestos em Beita no Monte Sabih, em 23 de julho de 2021 [Baraa Hussein]

As últimas semanas estão entre as mais turbulentas no passado recente da Cisjordânia ocupada, após enormes protestos em diversas partes do território palestino.

Das tensões esporádicas no bairro de Sheikh Jarrah, em Jerusalém Oriental, que levaram a uma escalada sangrenta em maio último, aos protestos semanais realizados desde junho na aldeia de Beita, a leste de Nablus, ou mesmo aos confrontos recentes que se deflagraram há dez dias na aldeia próxima de Burqa, a Cisjordânia vivencia protestos frequentes contra a ocupação ilegal e desumana perpetrada por Israel sobre suas terras.

Confrontos em Burqa eclodiram após um grupo de colonos israelenses organizar uma marcha ao monte localizado na aldeia, pertencente a residentes palestinos. Os nativos mobilizaram resistência aos avanços da ocupação, antes dos colonos decidirem lançar novos ataques para expropriar as terras. Do lado israelense, a mobilização foi recebida com apelos de ativistas palestinos a pessoas radicadas nas aldeias e cidades vizinhas para defender o local. Milhares de palestinos atenderam ao chamado e frustraram o ataque planejado.

Cenas de palestinos reunindo-se para proteger as propriedades sob ameaça levaram ativistas a recordarem os eventos da primeira e segunda Intifada, dado que os manifestantes de Burqa adotaram os mesmos meios utilizados em ambas as ocasiões: atirar pedras, queimar pneus, recorrer a coquetéis molotov e realizar convocatórias nos alto-falantes das mesquitas.

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Dessa forma, tais acontecimentos mostraram sobretudo o fato de que os palestinos radicados na Cisjordânia estão se mobilizando cada vez mais para confrontar os ataques de colonos e soldados israelenses contra suas casas e terras, o que pode culminar em uma situação quase análoga a uma nova Intifada, ao menos em protestos diários ou levantes duradouros.

Há diversos fatores que encorajaram a juventude palestina a conferir novo ânimo à resistência popular na Cisjordânia e reagir,  portanto, às agressões diárias perpetradas pelo exército israelense e seus 620 mil colonos judeus espalhados em mais de duzentos assentamentos e postos avançados ilegais nas terras ocupadas.

Grande Marcha do Retorno

Os protestos que duraram um ano ao longo da cerca de fronteira entre a Faixa de Gaza e Israel, então conhecidos como Grande Marcha do Retorno, assumiram um papel fundamental na restauração das modalidades populares de resistência em todo o território palestino, ao passo que os atos semanais representaram uma esperança aos palestinos de Gaza para superar seus 15 anos de cerco militar e seu subsequente sofrimento.

Desde 2006, o enclave costeiro permanece sob rigoroso bloqueio por ar, mar e terra, o que agravou a situação previamente precária imposta a seus dois milhões de habitantes. Ao se manifestarem por mais de um ano na cerca de fronteira, os palestinos de Gaza redescobriram que a resistência popular colhe resultados e que sua voz uníssona poderia encorajar um relativo processo diplomático para atenuar sua tragédia. A travessia de Rafah – único contato entre a Faixa de Gaza e o mundo exterior — foi reaberta graças aos protestos.

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Tais manifestações também forçaram Israel a permitir que recursos humanitários do Catar entrassem no território empobrecido de Gaza. Além disso, os protestos concederam vantagem aos palestinos para exercer pressão a Israel e mitigar medidas restritivas.

Os manifestantes da Cisjordânia encontraram inspiração no modelo de resistência civil adotado pelos palestinos de Gaza, com a esperança de que possa servir para enfrentar os ataques cotidianos conduzidos pelos colonos de Israel.

A guerra contra Gaza de 2021

O massacre israelense sobre Gaza, em maio de 2021, e os efeitos gravíssimos dos bombardeios, são outro fator importante por trás da mobilização contínua na Cisjordânia ocupada.

Os onze dias de ofensiva militar reuniram, pela primeira vez desde 1948, as comunidades palestinas na Faixa de Gaza, na Cisjordânia, na diáspora e nos campos de refugiados. Todos saíram às ruas em nome de um objetivo comum — proteger Al-Aqsa e Sheikh Jarrah.

As agressões israelenses contra fiéis desarmados na Mesquita de Al-Aqsa, durante o Ramadã, mês sagrado para os muçulmanos, não apenas indignaram as mais diversas comunidades palestinas, como voltaram a demonstrar as raízes do problema, isto é, a ocupação ilegal e suas políticas de apartheid adotadas contra a população árabe.

Al-Aqsa permanecerá no coração dos palestinos – Cartoon [Sabaaneh / Monitor do Oriente Médio]

A Mesquita de Al-Aqsa, em Jerusalém ocupada, representa o coração da identidade islâmica, árabe e nacional dos nativos palestinos. Tais ataques contra seus lugares santos também instigaram a juventude palestina a desconsiderar divergências supostamente geográficas para ressuscitar a retórica de resistência à ocupação.

O declínio da Autoridade Palestina

Todos esses eventos corroboram para a tese de um encolhimento da hegemonia da Autoridade Palestina (AP) na Cisjordânia ocupada, sobretudo após as eleições presidenciais e parlamentares serem canceladas sob pretexto de que Israel rejeitou realizá-las em Jerusalém.

A reputação do governo de Mahmoud Abbas erodiu ainda mais depois do hediondo assassinato de Nizar Banat, notório ativista palestino de oposição, espancado até a morte.

A paralisia absoluta no “processo de paz” e as políticas expansionistas de Israel sobre a Cisjordânia não somente enfraqueceram a legitimidade da Autoridade Palestina, mas também devastaram a imagem de suas forças policiais, ao emergir uma nova onda de veemente refutação popular à cooperação de segurança entre Ramallah e Tel Aviv.

Esta decadência levou muitos ativistas da Cisjordânia a buscar outras soluções para exercer pressão contra a ocupação e impedir os ataques diários conduzidos por colonos ilegais.

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Toda ação tem uma reação; logo, tais eventos mostram que a escalada na Cisjordânia continuará a crescer enquanto persistirem as agressões israelenses.

Tudo isso ocorre sob um governo de extrema-direita em Israel, que acredita que toda a Cisjordânia deveria ser “judaica”.

Ninguém sabe qual dimensão será alcançada por esses protestos, mas há uma verdade estabelecida de que toda uma geração de palestinos voltou a acreditar na resistência popular e, dessa maneira, continuará a mobilizá-la.

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.

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