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Egito mantém onda de execuções, com impunidade

Estudantes egípcios protestam contra o regime militar, 18 de fevereiro de 2015 [Amr Sayed/Apaimgaes]

Em 15 de julho de 2013, quatro homens deixaram o protesto sit-in na praça de Rabaa, entraram em um veículo e dirigiram para longe. Um deles foi ferido pela brutal repressão em curso, conduzida pelas forças de segurança do regime, e precisava chegar às pressas ao hospital mais próximo.

Ao tentar deixar a área, no entanto, foram interrompidos por um posto de controle policial e interrogados por soldados sobre suas atividades naquele mesmo dia. Um dos soldados revistou seus celulares e descobriu que dois dos homens, irmãos, eram parentes de um professor da Universidade de al-Azhar, reconhecido como suposto membro veterano da Irmandade Muçulmana.

Muhammad e Mustafa Al-Farmawi, Ahmed Mohamed e Haitham Mahmoud, jovens de cerca de vinte a trinta anos de idade, foram presos imediatamente e então condenados a três anos de prisão por suposta agressão contra civis e policiais.

Um mês depois de sua detenção, encorajado pela impunidade com a qual aplicaram tamanha violência contra manifestantes pacíficos, o exército egípcio orquestrou o mais hediondo massacre da história moderna do país. Tanques cercaram a praça de Rabaa, onde manifestantes contrários ao golpe militar se reuniam. Soldados dispararam contra civis, atearam fogo em barracas e atropelaram diversas pessoas com seus tanques de guerra.

Milhares foram presos durante a chacina e então torturados e condenados em julgamentos de massa. Cerca de mil pessoas morreram. Muitas foram executadas, mas nem as vítimas nem suas famílias obtiveram justiça à medida que os comandantes militares permaneceram impunes. Ao contrário, são as pessoas que saíram às ruas para denunciar a tirania e a opressão — e também seus parentes — que sofrem na prisão.

Não muito depois do massacre de Rabaa, o atual regime do presidente e general Abdel Fattah el-Sisi criminalizou a Irmandade Muçulmana, considerado o ápice de sua repressão implacável contra seus membros. Desde então, opositores na escala de milhares foram acusados de pertencer ao grupo e apoiar ou financiar uma “organização terrorista”, mesmo figuras notoriamente críticas ao movimento político ou até seguidores de outra religião.

Uma das formas mais violentas de opressão se manifestou no aumento aterrador nas penas de morte deferidas pelo regime. Em abril, a Anistia Internacional reportou um aumento de 300% nas execuções realizadas no Egito, de modo que o país tornou-se o terceiro mais frequente algoz em todo o mundo.

Como se ignorasse as inúmeras manchetes sobre a crise da pena capital no Egito e os apelos reiterados da comunidade internacional, na segunda-feira (14), foi anunciado que a mais alta corte de recursos do país manteve as sentenças de morte contra doze membros da Irmandade, no caso que tornou-se conhecido como “dispersão do protesto em Rabaa”.

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Entre os réus, estão líderes de longa data da oposição egípcia, mas também os quatro homens presos naquele posto de controle militar, oito anos atrás. Os dois irmãos e seus amigos chegaram a ser libertados em 2016; porém, no ano anterior — após dois anos de cadeia —, novas acusações foram registradas contra eles.

A Rede de Direitos Humanos do Egito (RDHE) destaca o caso dos quatro homens, em particular, ao descrevê-lo como “crime de estado”, dado que não é permissível legalmente que um indivíduo acusado seja punido duas vezes pelo mesmo crime.

A organização humanitária enfatiza que a segunda rodada de acusações contra eles reprisa o mesmo pretexto — uso de violência contra civis e policiais —, embora o caso seja identificado como “dispersão do protesto de Rabaa”. Não obstante, os quatro acusados já estavam em custódia há cerca de um mês quando ocorreu a manifestação.

A Anistia observa que o julgamento inicial em 2018 apresentou falhas no devido processo, à medida que 739 réus abarrotavam a sala de audiência simultaneamente. A organização Reprieve, que combate a pena de morte e a execução sumária e extrajudicial, descreveu a política do Egito como “complexo de julgamento em massa” — que permanece a todo vapor. Mais de duas mil pessoas foram condenadas à morte neste contexto desde 2011.

Em outubro e novembro do último ano, o Egito executou ao menos 57 pessoas, provável subnotificação, dado que estatísticas sólidas são difíceis de encontrar devido à falta de transparência do regime militar. Desde 2011, ao menos dezessete crianças receberam pena capital, o que contradiz a própria lei nacional sobre a infância e adolescência.

Em maio, o padre Isaiah foi enforcado pelo suposto assassinato de um bispo, após ser coagido a confessar sob tortura, um fenômeno alarmante e bastante comum.

Há ainda um elemento de crueldade em tais execuções, além do próprio enforcamento. Samuel, irmão do padre Isaiah, foi levado a vê-lo na prisão em uma manhã de sábado, sem saber que seria a última vez. No domingo, as autoridades penitenciárias o telefonaram para coletar o corpo. Não obstante, após fazê-lo, a família foi impedida de conduzir um enterro adequado para o religioso.

Segundo a RDHE, há atualmente no Egito ao menos 68 pessoas sob risco iminente de execução, incluindo os quatro jovens detidos pela polícia em julho de 2013. Todos têm o direito a um julgamento justo e certamente ninguém deveria perder sua vida por uma confissão feita somente para que a tortura encontrasse seu fim.

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.

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