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Estudantes judeus desmentem alegações de antissemitismo nos atos pró-Palestina

Protestos contra o genocídio em Gaza tomaram as universidades dos Estados Unidos, incluindo judeus antissionistas. Apesar do caráter pacífico das manifestações, polícia recorreu à violência, prendendo estudantes em Nova York, Los Angeles e Texas

Estudantes judeus refutaram alegações de antissemitismo postas por deputados sionistas dos Estados Unidos e membros colaboracionistas das gestões universitárias, à medida que protestos contra o genocídio israelense em Gaza tomaram corpo no país.

Declarações recentes de políticos democratas e republicanos, desde deputados a governadores, insistiram na tese de “comportamento antissemita” nos acampamentos espalhados por todo o território, com início na Universidade de Columbia na última semana.

Nesta quarta-feira (24), o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, ecoou as alegações, por meio de um pronunciamento em inglês divulgado online, no qual difamou os manifestantes como “turbas antissemitas que estão tomando as universidades”.

Mike Johnson, deputado republicano e presidente do Câmara dos Deputados, visitou Columbia sob escolta policial, a fim de repetir acusações de que os ativistas são “agitadores fora da lei” e “antissemitas”. Jonhson sugeriu intervenção da Guarda Nacional.

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Vinte e seis deputados enviaram uma carta ao procurador-geral Merrick Garland para instá-lo a “restaurar a ordem nas universidades, efetivamente fechadas por gangues antissemitas [sic] que atacam estudantes judeus [sic]”.

Em nota, o prefeito de Nova York, Eric Adams, do partido Democrata, declarou estar “enojado e horrorizado pelo antissemitismo” nos campi.

Todavia, estudantes judeus que participam dos protestos, em boa parte organizados por grupos emergentes de judeus antissionistas e pró-Palestina, refutam as acusações.

Ativistas vestiram camisetas como “Somos judeus que dizem chega de guerra” e realizaram ritos da Páscoa judaica (Pessach) em meio a bandeiras palestinas, congregando com colegas árabes e palestinos.

Na praça matriz de Columbia, centenas de pessoas sentaram-se em torno de um cartaz circular simbolizando o Sêder, tradicional banquete de Páscoa. Dentre as faixas, lia-se “Pratos vazios de Sêder, basta de fome em Gaza” e “Mais um judeu pela Palestina livre”.

Os alimentos foram preparados em uma cozinha kosher. Estudantes e professores se uniram ao ato, que reuniu ativistas com o tradicional lenço palestino (keffieyh) e jovens com quipás. Preces em hebraico foram realizadas, conforme a tradição.

Como adendo, melancias foram distribuídas no jantar, ao representar a bandeira palestina. Em vez de vinho, suco de uva, em respeito às prerrogativas não alcoólicas do acampamento.

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Os jantares de Páscoa efetivamente desafiaram a repressão que segue desde a semana passada. Ao capitular a políticos sionistas, reitores instruíram intervenção policial e suspenderam alunos. Os protestos, no entanto, seguiram ao sexto dia consecutivo.

Em Columbia, quinze dos estudantes suspensos são judeus.

Na Universidade de Yale, em Connecticut, centenas se reuniram no pátio principal e repetiram a ação em celebração da Páscoa. Entre os grupos organizadores estão Jews for Ceasefire, formado por alunos, e o ramo local do Jewish Voice for Peace (JVP).

A polícia, porém, invadiu o acampamento e prendeu 47 estudantes. Ainda assim, manifestantes ocuparam um cruzamento local por nove horas seguidas, pedindo que Yale revogasse contratos com fabricantes de armas, sobretudo que abastecem o exército da ocupação israelense.

“Hoje à noite, demonstramos solidariedade ao povo palestino e não apesar de nosso judaísmo, mas por conta dele”, destacou Miriam Levine, de 22 anos, estudante de Yale. “Hoje, reforçamos que nossa libertação está interligada”.

Em discurso à multidão, Levine fez referência às dez pragas do Velho Testamento e pediu a seus colegas que identificassem as mazelas no campus. A multidão respondeu: “ataques à liberdade de expressão”, “policiamento”, “apatia”, “desinformação”, “ignorância” e “capitalismo”.

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Os atos pró-Palestina se espalharam por todo o país, desde a costa leste, do Oceano Atlântico, até o Pacífico, se estendendo à Universidade do Sul da Califórnia (USC) e à Universidade Brown, de Rhode Island, segundo informações da agência Anadolu.

Em Brown, estudantes pediram cessar-fogo em Gaza e fim dos contratos com companhias que lucram com o genocídio e a ocupação nos territórios palestinos.

A prestigiosa Universidade de Harvard, também tomou parte, assim como Berkeley, na Califórnia, e o Instituto de Tecnologia de Massachussets (MIT), entre outras, segundo reportagem da rede de notícias Al Jazeera.

Protestos de solidariedade a Gaza na Universidade de Michigan, em Ann Arbor, Estados Unidos, em 24 de abril de 2024 [Katie McTiernan/Agência Anadolu]

Na Universidade de Dallas, no Texas, um protesto sit-in tomou o salão de acesso ao escritório da reitoria, na noite de terça-feira (23).

Um dos maiores protestos ocorreu na Universidade do Texas, em Austin, com a participação de centenas de alunos. A reitoria chamou a polícia, que chegou a cavalo no campus com particular hostilidade. Trinta e quatro pessoas foram presas, segundo autoridades locais. Entre os detidos, um fotógrafo da rede Fox 7, que cobria a situação.

Sobre os manifestantes, Greg Abbott, governador de extrema-direita do Texas, insistiu que “seu lugar é a cadeia” e que os estudantes devem ser expulsos.

Jeremi Suri, professor judeu da cátedra de História em Austin, confirmou à Al Jazeera que “não há nada de antissemita” nos protestos.

“Esses estudantes estão dizendo ‘Palestina livre’, só isso”, comentou Suri. “Não dizem nada que possa ser visto como ameaça. Todavia, vimos a polícia — a polícia do estado, a polícia municipal, a polícia do campus —, um exército de policiais quase, sobretudo armados, atacando os alunos em questão de minutos”.

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Em Los Angeles, sob gestão democrata, as prisões foram ainda mais numerosas, com 93 alunos detidos. Do campus da USC, o correspondente da Al Jazeera Rob Reynolds, corroborou o caráter pacífico da manifestação — “sem qualquer confrontação ou assédio”.

Segundo Jody Armour, professor de direito na instituição, autoridades recorrem às acusações de antissemitismo para silenciar os protestos.

“Temos judeus, muçulmanos e palestinos e católicos, como eu, protestantes também, que vem de todas as gerações, unidos aqui”, explicou Armour. “Todos rechaçamos o antissemitismo, mas se opor aos massacres israelenses em Gaza, não quer dizer ser antissemita. Precisamos parar de usar o antissemitismo como arma contra protestos genuínos”.

A Jewish Voice for Peace reafirmou: “Sabemos que nossa segurança e liberdade andam juntas … Como judeus comprometidos com a liberdade do povo palestino, somos contrários às décadas de ataques do governo israelense contra a vida, a terra e os direitos palestinos e manifestamos apoio aos bravos estudantes que reivindicam de suas universidades que retirem investimentos do regime de apartheid”.

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A organização denunciou em nota tratamento discriminatório da reitoria de Columbia a alunos antissionistas, sobretudo palestinos e judeus, ao “criar um clima de repressão a estudantes que protestam pacificamente pelo fim do genocídio israelense contra os palestinos de Gaza”.

“Estudantes têm enfrentado ataques a sua integridade física no campus e expostos a assédio na imprensa e a discursos de ódio por parte de professores”, advertiu a JVP. “Columbia têm criado ativamente um ambiente hostil a alunos palestinos ou pró-Palestina e as ações da administração tornaram o campus muito menos seguro também aos estudantes judeus”.

Israel mantém ataques indiscriminados a Gaza desde 7 de outubro, em retaliação a uma ação transfronteiriça do braço armado do grupo Hamas, que capturou colonos e soldados. De acordo com o exército israelense, cerca de 1.200 pessoas morreram na ocasião.

Entretanto, reportagens do jornal Haaretz mostraram que parte considerável das mortes se deu por “fogo amigo”, sob ordens gravadas de comandantes militares de Israel para que suas tropas atirassem em reféns e residências civis.

Em Gaza, são 34.262 mortos e 77.229 feridos, além de dois milhões de desabrigados, até então.

Apesar de uma ordem do Tribunal Internacional de Justiça (TIJ), radicado em Haia, deferida em 26 de janeiro, Israel ainda impõe um cerco militar absoluto a Gaza — sem comida, água, energia elétrica, medicamentos ou combustível.

As ações israelenses são punição coletiva, crime de guerra e genocídio.

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