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Chegar à Gaza sob as bombas de Israel

Entrevista com Basel Anbar, palestino que vive no Brasil e que, após dez anos tentanto, conseguiu visitar a família, três dias antes das bombas de Israel
Basel Anbar [Foto arquivo pessoal]
Basel Anbar [Foto arquivo pessoal]

A Faixa de Gaza é considerada a maior prisão do mundo a céu aberto, com uma população estimada em dois milhões, que vive há treze anos sob um rigoroso bloqueio econômico, marítimo e aéreo. É também considerada o local com maior densidade populacional. Com 360 quilômetros quadrados,  equivale a um quarto do município de São Paulo.

Segundo a UNRWA, cerca de 1,4 milhão dos habitantes de Gaza são refugiados, a maioria expulsa de suas casas em 1948, quando o Estado de Israel foi criado e quando se deu início a Nakba palestina, que significa catástrofe palestina, que se estende até hoje, com as expulsões contínuas de palestinos.

Basel Anbar e sua família fazem parte desses refugiados que foram expulsos e tiveram sua cidade destruída para que colonos vindos de outras partes do mundo tomassem suas casas e suas terras.

Ele deixou a família em Gaza e partiu para a Venezuela, depois para o Brasil, e passou dez anos tentando voltar para ver os pais.

Nesta entrevista ao Monitor do Oriente Médio, Basel Anbar fala de lá. Finalmente conseguiu abraçar a mãe, mas não pôde mais sair de casa. Três dias depois, começaram os  bombardeios israelenses.

Quando você e sua família chegaram à Gaza?

Meus avós foram expulsos de sua terra e sua aldeia foi destruída, na Nakba, em 1948. Eles moravam em uma vila que hoje está dentro do que chamam Israel, o nome da minha cidade original era Julis. Minha avó estava grávida de meu pai e como muitos palestinos expulsos naquela época, foram para Gaza.  Devido à situação de como meu pai nasceu, meus avós deram o nome dele de Harb, que representa o massacre e a expulsão que eles passaram naquela época e seu significado é guerra.

Meu pai se casou aqui em Gaza e teve 8 filhos. É formado em biomedicina pela  universidade do Cairo, onde ganhou bolsa e depois disso, foi trabalhar na Líbia e Arábia Saudita, onde nasci.

Após os Acordos de Oslo, em 1993, retornamos à Gaza e restabelecemos nossa vida aqui. Meus irmãos são todos formados, se casaram e hoje tenho mais de 20 sobrinhos. Eu me formei em medicina.

Você e seus irmãos estudaram em Gaza?

Estudamos todos em Gaza, meus irmãos fizeram faculdade aqui também, menos eu, que estudei apenas o 1° e 2° grau e depois ganhei bolsa e fiz faculdade na Venezuela.

Sai de Gaza em 2011 para estudar, tentei voltar em 2012 para visitar minha família, depois da guerra. Tentei mais duas vezes e infelizmente não consegui. Em uma das vezes, cheguei a ficar preso no aeroporto da Alemanha por cinco dias, até que a polícia do aeroporto disse que eu teria que voltar para Venezuela, pois a fronteira com Gaza estava fechada.

Assim viveu Basel Anbar por 5 dias, preso no aeroporto de Frankfurt, impossibilitado de rever sua família em Gaza [Foto arquivo pessoal]

Assim viveu Basel Anbar por 5 dias, preso no aeroporto de Frankfurt, impossibilitado de rever sua família em Gaza [Foto arquivo pessoal]

Voltei para Venezuela e me formei em medicina. Como a situação estava complicada também por lá, decidi fazer minha especialização no Brasil, em São Paulo, na cidade de Botucatu, e gostei muito do Brasil. Tentei validar meu diploma no Brasil, mas não foi possível devido a pandemia do covid-19. Percebi que nesse momento seria impossível validar meu diploma e então resolvi tentar mais vez visitar meus pais em Gaza, já que, até então, a situação estava tranquila.

E como foi seu retorno à Gaza?

Foi uma viagem difícil. Como já é conhecido, não é nada fácil chegar em Gaza pela fronteira do Egito. Há uma série de complicações. Porém, Allandudilah (graças a Deus), após dez anos fora de minha terra, consegui entrar.

Combinei com meu irmão de fazer uma surpresa para meus pais, estávamos ainda em Ramadã e como cheguei a noite, pedi para meu irmão levar meus pais no restaurante para quebra do jejum. Sem eles saberem que eu já estava em Gaza.

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Quando faltava dez minutos para encontrar minha família, pedi ao meu irmão para preparar minha mãe para a minha chegada e assim, enviei uma foto para ela, eu já dentro de Gaza. Quando cheguei ao restaurante foi só emoção e muito amor, nosso reencontro, após tanto tempo longe, foi maravilhoso.

 

Como foi rever sua cidade após tanto tempo fora?

Cheguei em Gaza três dias antes dos intensos bombardeios israelenses, não consegui ver a cidade antes dos bombardeios, pois estava em casa descansando da viagem e recebendo meus familiares que não via há muito tempo e com os bombardeios não pude sair, então, não consegui nem ver a cidade, meu bairro e meus amigos antes dos ataques.

Como os bombardeios afetaram você e sua família?

É complicado, muito difícil descrever isso, só quem vive essa guerra sabe como é extremamente pesada essa situação. Infelizmente perdi meu primo, ele saiu de casa de moto para ir à fazenda alimentar as galinhas, como sempre fazia, e quando estava voltando um míssil atingiu sua moto, fazendo um grande estrago em suas pernas, ele perdeu muito sangue e morreu quando chegou ao hospital.

Aqui, normalmente, a energia elétrica dura apenas quatro horas e aí ficamos as dezesseis horas seguintes sem energia. Com os bombardeios, a falta de energia se intensificou e também foi cortada nossa comunicação, pois os primeiros ataques israelenses visaram os principais provedores de serviço da internet. Ficamos apenas com os serviços de internet 2G, que é bem lenta e sem força. Durante os bombardeios ficamos todos dentro de casa.

Como está Gaza agora?

Muita destruição, as ruas, os prédios, tudo. Sinceramente, é muito difícil descrever, vendo famílias inteiras que perderam suas casas ou que foram mortas, como a família de um médico, o dr. Ayman Abu Elouf, que em um único bombardeio, ele e 22 membros de sua família foram mortos, crianças, adultos, idosos, todos…

Após o cessar-fogo, fui a um bairro na cidade de Gaza, que é considerada a área nobre e o bairro está completamente destruído.  Em apenas em uma rua, 44 pessoas foram  assassinadas pelos bombardeios, todas civis.

Como a população está vivendo após os bombardeios?

A vida segue, na verdade, não podemos parar nossa vida, ficar sem fazer nada. Não tem como fingir que nada aconteceu, se nota os efeitos da guerra em todos os lugares, muita destruição. Não temos nem lugares para levar nossas crianças, único espaço que temos para distrair e onde levamos as crianças de nossa família é na praia.

Qual a expectativa com o cessar-fogo?

O sentimento é de que haverá mais bombardeios, mais guerra. Pelo que vemos aqui, não acabou totalmente, foi apenas um cessar-fogo. Israel não se conforma em não conseguir destruir o poder da resistência em Gaza.

Qual o papel do Hamas em Gaza?

Como a maioria dos palestinos aqui, estamos defendendo a resistência, independente de sua ideologia política. O Hamas é uma consequência da ocupação israelense na Palestina. Além do Hamas, temos outros movimentos de resistência também, esses movimentos são considerados a forma dos palestinos se defenderem das agressões e ataques de Israel.

Não é somente aqui em Gaza, na verdade, tudo isso que aconteceu aqui, teve origem nas expulsões de Jerusalém e à agressão à Mesquita de Al-Aqsa.

Israel vende a imagem de que Gaza foi quem atacou primeiro, mas não foi justamente isso. Gaza respondeu aos despejos ilegais que Israel está fazendo em Jerusalém.

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Qual sua opinião sobre os governantes árabes? Pode-se esperar alguma atitude ou posição dos líderes árabes em relação às agressões de Israel?

Pessoalmente, não acredito. Porque já temos mais de 70 anos da ocupação israelense em cima de nossa terra e o mundo árabe somente condena e ativamente não faz nada de concreto para bloquear os  ataques de Israel à Gaza, ou frear os assentamentos na Cisjordânia, os roubos das terras, dos terrenos em Jerusalém e em outras partes da Cisjordânia. Os líderes árabes não fazem ativamente o mínimo do que deveriam fazer.

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Palestina: quatro mil anos de história
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