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Ódio e Intolerância religiosa não podem me calar

Entrevista com a candidata muçulmana a vereadora por Santo André, alvo de ataques nas redes sociais, Rihab Hammadeh
Rihab Hammadeh [ Foto arquivo pessoal]
Rihab Hammadeh [Foto arquivo pessoal]

Com o desejo de participar das políticas de sua cidade, Rihab Hammadeh se candidatou como vereadora na cidade de Santo André, na grande São Paulo. Até então, Rihab não havia sofrido preconceitos por sua escolha religiosa. A partir do momento em que começa sua campanha e cria páginas nas redes sociais com o objetivo de expor seus projetos, recebe  inúmeros ataques virtuais de cunho religioso.

O Brasil é um país laico e com uma enorme diversidade religiosa, no entanto, foi necessário criar uma  lei para proteger cidadãos de ataques gratuitos por causa de sua religião. É a lei 7.716/89 e seu artigo 20 diz  que praticar ou incitar a discriminação ou  preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional. A pessoa que cometer esse crime poderá sofrer a pena de reclusão por 2 até 5 anos.

Em entrevista ao MEMO, Rihab Hammadeh relata a importância de não se calar diante de ataques de ódio e defende maior presença da mulher na política.

Você prestou queixa à polícia denunciando intolerância religiosa, o que aconteceu?

Me candidatei a vereadora e criei uma página no facebook para poder debater propostas e expor meus planos políticos. Inicialmente recebi muito apoio, pessoas interagindo, querendo saber sobre os projetos para cidade. Após um tempo, começou uma onda de ofensas, de intolerância religiosa, discriminação e preconceito, com diversas frases de intimidação e xingamentos. No começo tentei explicar e ser educada, pois acredito que não se paga mal com mal. Porém, os ataques foram se intensificando e percebi que muitos perfis eram fake. Existe uma parte disso que é de cunho político e a outra é de gente que desconhece a religião islâmica. Me acusaram pela minha vestimenta, talvez se eu não estivesse usando véu na foto ninguém teria me atacado. Pessoalmente as pessoas não tem coragem de falar. Parece que a internet é terra de ninguém, as pessoas se sentem livres para colocar para fora tudo o que elas têm dentro de si. Os ataques de preconceitos só aumentavam e sei que preconceito é crime, assim como intolerância racial e religiosa também são. Resolvi não mais responder aos comentários e procurar meus direitos. Fiz boletim de ocorrência e na delegacia me informaram que eu estava sob ataques de dois crimes, um de intolerância racial e o outro de crimes praticados pela internet. O delegado me garantiu que eles tem ferramentas para chegar aos autores desses crimes e que eles responderão pelos dois crimes praticados. Foi a maneira que encontrei de me proteger e de lutar contra o preconceito. O ódio não vai me calar.

Esse fato pode estar interligado com o que aconteceu recentemente na França?

A questão da França só veio para disseminar mais intolerância. Me acusaram como se eu fosse culpada do que aconteceu lá. Por exemplo, se alguém comete um crime de uma determinada religião, então vamos julgar todas as pessoas que seguem essa religião por um ato de um dos praticantes? Existem pessoas presas com diversas religiões, então vamos prender todo mundo? Somos um país laico, eu respeito todas as religiões, respeito a posição de todo mundo. Eu posso discordar politicamente ou de alguma opinião sua, mas não posso te desrespeitar.

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Existe islamofobia no Brasil?

Não acho que tem. Porque é uma minoria de pessoas que exercem esses preconceitos. O povo brasileiro é muito querido. Neste momento de campanha, quando vou conversar com as pessoas, olho a olho, são sempre muito receptivas. O povo mais querido do mundo é o povo brasileiro. Não existe islamofobia, se existisse não seríamos tão bem recebidos nos lugares. O problema na internet é que existe uma minoria que não lê, não estuda e não conhece. O diferente assusta. Sinto que minha aparência incomodou muito e esse diferente que a pessoa não conhece acaba virando preconceito. Querem que seja tudo padrão e quando saímos do padrão, as pessoas entram no campo do desconhecido, não buscam informação, aí surgem essas destilações de ódio. Não deixarei que o preconceito vença, continuarei lutando contra essa minoria, seja pela minha religião ou por qualquer outra.

Na contra-mão desses preconceitos, existe uma grande onda de solidariedade ao povo palestino na América Latina, partindo de um grupo de parlamentares de vários países que formaram o Fórum Latino Palestino. Como você acredita que um parlamentar de uma cidade pode ajudar a Palestina?

Na conscientização contra o preconceito e no conhecimento. Só poderemos ajudar alguém quando conhecermos de fato o que acontece lá e ser solidário. Acredito que a conscientização faz com que as pessoas abracem a causa e tem o poder de fazer com que elas se coloquem no lugar do próximo. Por exemplo, o que aconteceu em Brumadinho, todo mundo viu e se solidarizou e com a Palestina é a mesma coisa. É preciso consciência de que não estamos falando de raça e sim de seres humanos. As pessoas acabam confundindo. Lá na Palestina são pessoas sofrendo. O mundo é um só e somos todos irmãos. Sobre qualquer fato que aconteça, seja em qualquer parte do mundo, somos irmãos.

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Como é ser mulher no meio de uma campanha política?

Sinto que a mulher não tem muita voz na política. Senti isso quando entrei como candidata, não tive o apoio como mulher.  Na verdade estou trabalhando por mim, pela minha campanha, estou fazendo boca a boca. Homens e mulheres podem até ter características diferentes, porém a capacidade nós temos igual sim. Em meio à campanha ouvi diversas vezes de homens que lugar de mulher não é na política, não é na Câmara Municipal. As mulheres não têm representatividade na Câmara. Precisamos nos unir para mudar isso, pois somos a maioria, temos que ter mais união. Sofremos muito preconceito simplesmente por sermos mulheres.

E como muçulmana teve um agravante maior?

Sim, o ser muçulmana está sendo mais pesado que ser mulher. Acredito que seja por causa de minha vestimenta, ou  o preconceito poderia ser somente por ser mulher. Muitos  escreveram em minha página coisas como: Volte para o seu país” e ” Mulher e muçulmana, sai fora!”

Recentemente foi denunciado que alguns partidos deixaram de repassar a verba para campanha eleitoral destinados à mulheres e negros. Isso aconteceu com você também?

Recebi uma quantia de R$ 3.000,00. Se me perguntar quanto chegou para outros candidatos, eu não sei. Aceitei e decidi trabalhar com essa verba do jeito possível. Com esse dinheiro fiz 20 bandeiras para podermos fazer carreatas. A minha equipe é toda voluntária, todos eles ajudam de coração, sendo a maioria mulher. Temos também homens na campanha que valorizam a mulher, isso para mim é muito importante. Do pouco de dinheiro que eu tive, fiz muito. Como dizem, do limão fiz a limonada.

* Denúncias para intolerância religiosa: Disque 100 ou procure uma delegacia mais próxima.

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