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‘Agi por humanidade, porque sou palestino muçulmano’

Entrevista com o jovem herói Osama Jodeh que se arriscou para salvar um policial durante ataque em Viena

A cidade austríaca de Viena está se recuperando lentamente do trauma do ataque a uma sinagoga por um atirador austríaco de origem macedônia.

O ataque, ocorrido na noite de segunda-feira passada, matou 4 pessoas e deixou mais de 20 feridos, e poderia ter causado um número maior de vítimas,  não fosse a intervenção da polícia que matou o agressor nove minutos após o ataque.

Depois que os detalhes do ataque ficaram mais claros, o nome de um jovem chamado Osama Judeh (23 anos), muçulmano de uma família palestina, que veio da Faixa de Gaza para se estabelecer na Áustria há 7 anos, emergiu por ter resgatado um oficial austríaco ferido durante o ataque.

Nesta entrevista, Osama nos explica os detalhes do incidente e como arriscou a vida para salvar o oficial austríaco.

 Você pode explicar os detalhes do que aconteceu?

Quando aconteceu o acidente, meu colega e eu estávamos transportando mercadorias para o restaurante em que trabalhamos, e nós estávamos  exatamente no estacionamento quando, de repente, ouvimos dois tiros sendo disparados, e percebi a presença do terrorista a cerca de 30 metros de mim. Olhei para ele e imediatamente ele começou a atirar em mim e no meu colega. No mesmo instante, puxei meu colega rapidamente e nos escondemos em um local seguro, onde nenhum tiroteio pudesse nos alcançar. Me escondi atrás de uma árvore próxima, enquanto ele continuava atirando em nossa direção.

Comecei a falar com ele em voz alta, em árabe, esperando que ele entendesse o que eu dizia e o persuadisse a parar o que estava fazendo. Eu disse a ele que sou da Palestina, sou muçulmano como você, o que você está fazendo é errado. Ele não prestou atenção às minhas palavras e começou a atirar em nós diretamente.

Neste momento, um carro da polícia com dois policiais passou e o terrorista se escondeu. Os dois policiais desceram do carro e foram direto para o meu lado, carregaram suas armas e quiseram ir em direção ao terrorista, mas ele de repente começou a disparar fortemente, atingindo um deles no pé. Ele estava perto de mim, a 5 metros de distância, e eu ainda estava escondido atrás da árvore.

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Eu disse ao outro policial, você tem que me cobrir, atirar no terrorista e eu arrastarei seu amigo ferido para um lugar seguro longe do fogo. No começo, o policial se recusou e me disse para ir embora, o lugar é perigoso aqui, mas eu insisti no meu pedido. Então, ele concordou e colocou um colete à prova de balas, e eu imediatamente fui até o policial ferido e o arrastei para um lugar seguro. Ao segurá-lo, vi que seu pé estava sangrando muito, então tentei estancar o sangue com a mão de mais de uma maneira, mas não consegui. Minha preocupação era estancar o sangramento, para que o policial não desmaiasse. Então, tirei o paletó e a camisa, amarrei bem seu pé com a camisa e consegui estancar o sangramento.

As ambulâncias estavam a cerca de 60 metros de distância de nós e fui pedir-lhes ajuda, mas todos eles não me responderam por causa de seu medo extremo.

Neste momento, o terrorista estava a cerca de 200 metros de nós. Então, pedi ao policial que me cobrisse novamente, e disse a ele que levaria seu amigo ferido para a ambulância. O policial começou a me cobrir e eu o carreguei até a ambulância.

De repente, dois jovens turcos chegaram e me ajudaram a colocar o policial ferido na ambulância. Fiquei com o policial ferido, para orientar o paramédico na ambulância sobre o local do ferimento e depois saí do carro para agradecer aos dois jovens turcos pela ajuda, mas não os encontrei no local.

A polícia, a inteligência e a segurança interna me levaram e interrogaram por 5 horas para descobrir o que exatamente aconteceu. Depois disso, eles comemoraram comigo e me deram o distintivo dourado da polícia em homenagem ao que eu fiz e expressaram sua felicidade,  descrevendo meu ato como heróico e grandioso.

O que o levou a arriscar sua vida, em meio a um tiroteio, para salvar o policial?

Francamente, o que me levou a me arriscar durante o incidente foi o meu sentimento humano, antes de qualquer outra coisa, porque a humanidade está acima de tudo. Eu sou contra o terrorismo e contra esses atos criminosos. Mesmo que o perpetrador fosse um muçulmano, e se o alvo fosse um muçulmano, judeu, cristão ou qualquer outra pessoa, eu o ajudaria e tentaria salvá-lo. Outra coisa que me motivou a correr o risco é que eu sou um muçulmano palestino. Nasci e morei na Faixa de Gaza e vivi nela com muitas dores, e aprendi com minha experiência na Faixa que é meu dever defender qualquer oprimido, porque meu Islã e minha religião me incentivam a fazê-lo sem distinguir entre raça ou religião. Os muçulmanos não são terroristas e, quando qualquer muçulmano ou cristão comete um ato terrorista, representa apenas a si mesmo e não a sua religigão.

Aqui, eu digo que, como um muçulmano, eu e minha família e todos os muçulmanos na Áustria, em particular, e na Europa e no mundo, em geral, não apoiamos o terrorismo e o condenamos. Porque o Islã e o terrorismo não podem coexistir e jamais se combinarão.

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O que você sentiu depois que o acidente acabou?

Depois desta noite difícil, fiquei em estado de choque, e você pode notar pela minha fala que ainda estou um tanto sob sua influência, porque o que aconteceu não foi nada fácil. Porque estava no meio do que poderíamos descrever como um campo de batalha em todos os sentidos da palavra, mas também me senti muito orgulhoso de mim mesmo e de minha família, da minha religião, o Islã, e senti que tinha feito algo ótimo. Por outro lado, também me senti muito cansado e precisava descansar e dormir.

Acordei de manhã e fiquei surpreso com o volume de cartas que recebi de quase todos os meus conhecidos, austríacos e austríacas, inclusive aqueles que não conheço, todos expressando orgulho e gratidão pelo que fiz e todos eles me descrevenfo como um herói. Fui recebido até mesmo pelo embaixador palestino na Áustria.

A rede social mostra Osama Judeh sendo homenageado na embaixada palestina na Áustria e recebendo a Medalha da Coragem do presidente palestino Mahmoud Abbas.

Eu gostaria de salientar que não queria aparecer na mídia, pois fiz o que fiz por uma questão humanitária e não por fama, em absoluto. Contudo, após a insistência de meu pai e da minha família, apareci para a mídia, a fim de contribuir para a defesa do Islã e dos muçulmanos, em face do violento ataque que estão enfrentando na Europa.

Osama Jodeh falando a vários meios de comunicação após o acidente (Arquivo Especial)

Osama Jodeh falando a vários meios de comunicação após o acidente (Arquivo Especial)

Você começou a ver uma mudança no Islã depois do que você fez?

Digo-lhe desde o início que nós, como muçulmanos, fomos expostos no período recente na Europa, em geral, e na Áustria, em particular, a uma severa campanha racista. De forma que a imagem geral dos muçulmanos tornou-se má, e tudo isso é sistemático e planejado pelos partidos que lutam contra o Islã na Europa. Você pode notar isso logo no início do ataque quando as informações sobre o ataque ainda não eram claras. O primeiro-ministro austríaco Sebastian Kurtz afirmou que o que ocorreu foi um ataque terrorista islâmico, mas quando as coisas se desenrolaram pela manhã, e após minha apariçãoataque e a aparição de dois jovens turcos na mídia turca e austríaca, o assessor do primeiro-ministro concedeu uma entrevista dizendo que nós (austríacos) e os muçulmanos estamos em uma trincheira contra o terrorismo, e você pode ler a mudança notável na declaração.

Além disso, após minha aparição na ORF do Grande Canal da Áustria, o diretor e o apresentador, no estúdio, me disseram que o que eu fiz deixou uma marca positiva contra a guerra contra o Islã na Europa. E eles me explicaram que eles, como profissionais da mídia, veem esse efeito em vários veículos de comunicação, visuais, de áudio ou até mesmo nas redes sociais.

Além disso, após o incidente, um canal de televisão austríaco começou o seu noticiário citando um verso do Alcorão, da Surat Al-Ma’idah: “Quem mata uma pessoa, sem que esta tenha cometido homicídio ou semeado a corrupção na terra, será  considerada como se tivesse  assassinado toda a humanidade.”

Isso prova para a sociedade que o parlamentar sueco que disse há um tempo que “o Alcorão é mais perigoso do que o coronavírus”, é um falso parlamentar, cujo objetivo é lutar apenas contra o Islã.

Portanto, a mudança em relação ao Islã, em geral, e aos muçulmanos, em particular, passou a ser vista e observada mais claramente, após o incidente.

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