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Farinha com oxicodona não é “ajuda humanitária”, é bioterrorismo

2 de julho de 2025, às 16h42

Milhares de palestinos causam tumulto em um ponto de distribuição de ajuda humanitária controlado pela “Fundação Humanitária de Gaza” no sul de Gaza, em 27 de maio de 2025. [Hani Alshaer/ Agência Anadolu]

Inundar Gaza com oxicodona escondida em pacotes de farinha e distribuída sob o falso pretexto de intervenção “humanitária” parece quase certo em termos dos níveis de depravação que esperamos do “exército mais moral” do mundo.

Em um nível básico, a controvérsia em torno da criação de Centros de Assistência EUA-Israel para distribuir ajuda continua a crescer. Até o momento, sabe-se que aproximadamente 549 civis palestinos foram mortos nesses locais de distribuição enquanto aguardavam por ajuda, um número que cresce a cada hora. Mais de 4.000 ficaram feridos desde que entraram em operação em maio de 2025. Além do extermínio em massa daqueles que aguardavam na fila pelas mais escassas esmolas, cerca de 39 palestinos desapareceram dos centros, uma questão que parece ter passado despercebida globalmente.

Testemunhos das próprias Forças de Ocupação Israelenses revelaram que militares receberam ordens para atirar deliberadamente contra palestinos que aguardavam na fila, enquanto os Médicos Sem Fronteiras descreveram o esquema de distribuição de alimentos como “um massacre disfarçado de ajuda humanitária”.

Conforme relatado pelo Middle East Eye, a recente revelação de que os centros de distribuição de “ajuda” apoiados pelos EUA e por Israel estão inserindo narcóticos em pacotes de farinha humanitária, embora profundamente alarmante, não surpreenderá muitos. Se matar uma população faminta enquanto ela tenta receber alimentos é a mentalidade dos responsáveis ​​por sua distribuição, a inclusão de oxicodona na ajuda fornecida é inteiramente lógica.

A disseminação de opiáceos em Gaza pela ocupação israelense não é uma alegação nova. O governo israelense foi acusado diversas vezes nas últimas duas décadas de “inundar” Gaza com drogas, especificamente Tramadol, na tentativa de pacificar a população e alimentar o vício na região. A questão foi posta em evidência em um documentário de 2010 que destacou o uso de Tramadol em Gaza após a “Operação Chumbo Fundido” israelense. O então chefe da Força-Tarefa Antidrogas, Jamil Al Dahshan, observou que as drogas eram fornecidas principalmente por Israel e trazidas para Gaza indiretamente via Egito.

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Acusações semelhantes foram feitas em 2017 por Ahmed Kidera, chefe de uma Unidade Antidrogas da polícia local em Gaza, que argumentou que as autoridades israelenses “fazem vista grossa” aos narcóticos quando estes entram em Gaza escondidos dentro de mercadorias comerciais.

Fornecer farinha com oxicodona em concentração desconhecida a uma população civil faminta só pode ser visto como uma forma de bioterrorismo. Trata-se da liberação deliberada de um analgésico altamente viciante, em quantidades desconhecidas, escondido em pacotes de farinha para ser consumido por uma população faminta e desesperada. O perfil de efeitos colaterais dos opiáceos inclui náuseas, vômitos, alucinações, constipação, tontura e sedação, sendo os jovens, idosos e gestantes particularmente vulneráveis. Estudos sugerem ainda uma associação entre a exposição à oxicodona durante a gravidez e um risco aumentado de alterações no crescimento fetal e parto prematuro, enquanto a depressão respiratória é mais provável em idosos ou pessoas com doenças respiratórias subjacentes.

Chamando o suposto ato de “crime hediondo”, o Escritório de Mídia de Gaza destacou que a inclusão da oxicodona foi uma tentativa de minar não apenas a saúde pública em Gaza, mas também a própria estrutura da sociedade palestina. Da mesma forma, o médico palestino Khalil Mazen Abu Nada, em uma publicação no Facebook, referiu-se à presença de oxicodona como um “meio para obliterar nossa consciência social”.

Mesmo em quantidades menores, aqueles que foram expostos podem se sentir emocionalmente embotados ou demonstrar entorpecimento, um fato com o qual as autoridades israelenses apostam na tentativa de quebrar o ânimo da população palestina que se recusa firmemente a deixar sua terra. A inclusão de oxicodona em pacotes de farinha vem diretamente do manual colonial dos colonos, com a ajuda sendo mais uma vez manipulada como uma arma, neste caso uma que desorienta, enfraquece e tem o potencial de subverter uma população já fraca e sitiada.

O “entorpecimento” social coletivo que pode ser gerado pelo colapso sistemático da força física, mental e comunitária dos indivíduos é uma tentativa desesperada de um exército de ocupação em decadência para sufocar a resistência palestina, que não conseguiu derrotar militarmente nos últimos 21 meses. Tais táticas são tão antigas quanto o próprio Estado de Israel, que anteriormente recorreu ao bioterrorismo na tentativa de completar a limpeza étnica dos palestinos em 1948, envenenando os recursos da população palestina com febre tifoide.

Além disso, esta não é a única maneira pela qual as autoridades israelenses transformaram medicamentos em armas, principalmente analgésicos, ao longo dos últimos 21 meses. Medicamentos essenciais e analgésicos continuam proibidos de entrar na Faixa de Gaza, o que significa que muitos que tiveram que passar por amputação de membros tiveram que vivenciar o horror da cirurgia sem anestesia.

Portanto, esconder Oxicodona em sacos de farinha rotulados como “ajuda humanitária” é profundamente perturbador e perfeitamente lógico quando comparado às tentativas israelenses de décadas de erradicar o povo palestino em Gaza.

Mais uma evidência, se alguma vez necessária, das tentativas dos governos dos EUA e de Israel de maximizar o sofrimento da população civil de Gaza, ao mesmo tempo em que induzem o resto do mundo a pensar que sua “distribuição de ajuda” é um sinal de altruísmo. Os governos estrangeiros certamente devem entender que já passou da hora de palavras cautelosas de condenação. É necessária uma intervenção urgente, começando primeiro com a reinstalação completa da UNRWA e o fim completo do bloqueio a Gaza.

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As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.