No domingo (22), alegou o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump: “Nossas forças militares Unidos realizaram ataques de precisão maciços contra as três principais instalações nucleares do regime iraniano: Fordow, Natanz e Isfahan. Posso informar ao mundo que os ataques foram um espetacular sucesso militar. As principais instalações de enriquecimento nuclear do Irã foram completamente e totalmente obliteradas.”
Após o ataque, o secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU), António Guterres, alertou que o uso da força contra o Irã constitui uma escalada perigosa em uma região já à beira do caos — e uma ameaça direta à estabilidade e segurança internacionais.
Em 13 de junho, Israel lançou uma série de ataques coordenados, aéreos e cibernéticos, visando infraestruturas nucleares e militares cruciais do Irã, matando cientistas e comandantes de alto escalão. O Irã retaliou com centenas de mísseis e drones contra instalações militares e de inteligência em Israel.
O principal objetivo de Israel nunca foi o programa nuclear iraniano. Desde o começo da década de 1990, o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu repete, ano após ano, que o Irã construiria, em um ou dois anos, uma bomba nuclear.
Essa mesma mentira foi repetida por mais de 30 anos. A verdade é que, ao atacar o Irã, o principal objetivo de Netanyahu é derrubar o governo, criar instabilidade e transformar o país — assim como Síria, Líbano e Líbia — em um Estado falido, para então fragmentá-lo.
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As consequências dos ataques militares dos Estados Unidos e de Israel assombrarão a região — e muito além — possivelmente por décadas. Aqui, destacarei os principais impactos de tamanha agressão.
A arapuca de Netanyahu
Não há dúvida de que Israel coordenou seu ataque ao Irã com Estados Unidos, Europa e OTAN — Organização do Tratado do Atlântico Norte —, e continuou sua guerra com apoio direto e indireto deles. Netanyahu tenta arrastar Washington para um conflito com Teerã desde os anos 1990, mas todos os presidentes americanos, até então, evitaram essa arapuca.
Sob pressão de Netanyahu, Trump acabou com o acordo nuclear iraniano — aprovado pela Resolução 2231 do Conselho de Segurança da ONU — ainda em seu primeiro mandato e lançou um ataque militar contra as instalações nucleares iranianas apenas alguns meses após retornar à Casa Branca.
Netanyahu elogiou a decisão de Trump de atacar o Irã: “Parabéns, presidente Trump. Sua corajosa decisão de atingir as instalações nucleares do Irã com o poder imenso e justo dos Estados Unidos mudará a história”.
Ironicamente, a agressão ocorreu pouco depois de emissário especial de Trump, Steve Witkoff, e o ministro das Relações Exteriores do Irã, Abbas Araghchi, concordarem que as três primeiras rodadas de negociações nucleares em Omã e Itália poderiam ser uma base razoável para um acordo.
Uma fonte iraniana informada sobre o assunto me relatou: “Os elementos-chave do acordo entre Witkoff e Araghchi foram definidos em três rodadas de negociações em Mascate e Roma. O acordo era o seguinte: Teerã aceitaria inspeções nucleares máximas e transparência, incluindo a implementação do Protocolo Adicional e do Código 3.1 de Arranjos Subsidiários — os mecanismos internacionais mais rigorosos para fiscalizar o programa nuclear de um país.”
“Segundo”, observou a fonte, “o Irã converteria ou exportaria seu estoque existente de urânio enriquecido a 60% — suficiente para construir dez bombas nucleares. Terceiro, suspenderia seu atual enriquecimento em níveis elevados — 60% e 20% — e o reduziria para índices considerados civis, ou seja, 3,67%. Por fim, cooperaria plenamente com a AIEA [Agência Internacional de Energia Atômica] para solucionar todas as ambiguidades técnicas”.
“Em troca”, acrescentou, “os Estados Unidos suspenderiam as sanções relacionadas ao programa nuclear. Ficou acertado que equipes técnicas de ambos os lados elaborariam o acordo final com base nesses quatro pontos. No entanto, subitamente, após uma ligação entre Netanyahu e Trump, o lado americano cessou o envio de sua equipe técnica a Mascate e, em uma reviravolta de 180 graus, exigiu o desmantelamento completo do programa pacífico de enriquecimento do Irã”.
“Essa mudança atrasou o acordo até que o prazo de dois meses de Trump expirasse — e, embora a sexta rodada estivesse marcada para o 63º dia, Israel atacou o Irã no 61º dia. Essa foi a armadilha de Israel: projetada para arrastar os Estados Unidos e Trump a uma guerra com o Irã”.
O fracasso de Israel
Os ministros das Relações Exteriores do Reino Unido, França e Alemanha, assim como a alta-representante da União Europeia para segurança e política externa, Kaja Kallas, reuniram-se com Araghchi na sexta-feira (20) e concordaram em novo encontro dentro de uma semana.
Os ministros do E3/UE se apressaram a reunir-se com o chanceler iraniano porque, em 19 de junho, Trump emitiu um prazo de duas semanas para a diplomacia.
“Na semana passada, estávamos em negociações com Washington, quando Israel decidiu sabotar essa diplomacia. Esta semana, dialogávamos com o E3/UE quando os Estados Unidos decidiram sabotar também essa diplomacia. Que conclusão vocês tirariam?”, escreveu Araghchi ao Reino Unido e à União Europeia.
A decisão dos Estados Unidos de atacar o Irã mostra que Israel não somente fracassou em sua operação militar de dez dias contra Teerã, como estava à beira da derrota. Por que a Casa Branca interviria se Tel Aviv não estivesse em crise?
Israel, o único país do Oriente Médio que realmente possui armas nucleares — com estimativas de até 400 bombas atômicas —, não pode afirmar com qualquer credibilidade que está combatendo a proliferação nuclear.
Além disso, todos os relatórios da AIEA e das agências de inteligência norte-americanas nos últimos 20 anos confirmam consistentemente que não há indícios de que o programa nuclear iraniano busque a militarização.
“Não temos, neste momento, se você me perguntar, qualquer prova concreta de que exista um programa ou plano para fabricar uma arma nuclear”, declarou o chefe da agência nuclear da ONU recentemente.
O ponto crucial é que não havia, nem nunca houve, uma ameaça imediata e grave. A alegação de que o Irã tem estoques enriquecidos suficientes para construir dez bombas em duas semanas é apenas meia verdade. A outra metade é que — mesmo que Teerã decidisse construir uma bomba — levaria de um a dois anos para desenvolver sistemas de entrega, como ogivas nucleares.
“Não havia uma ameaça iminente de que o Irã estivesse militarizando seu programa atômico, ao menos antes de começar os ataques de Israel”, corroborou a Associação Americana de Controle de Armamentos.
TNP: Uma ferramenta política
Esta é a primeira vez que dois países armados de bombas nucleares lançam um ataque militar contra um país não-nuclear.
Isso demonstra que o Tratado de Não-Proliferação (TNP), especificamente para Estados Unidos e Israel, é usado meramente como ferramenta política.
“Israel não foi atacado pelo Irã — foi ele que iniciou essa guerra; os Estados Unidos não foram atacados pelo Irã — foram eles que iniciaram este confronto neste momento”, destacou Trita Parsi, vice-diretor executivo do Instituto Quincy.
O ataque militar dos Estados Unidos ao Irã é uma clara violação da Carta das Nações Unidas. “Os Estados Unidos, membro permanente do Conselho de Segurança, cometeram uma grave violação da Carta das Nações Unidas, do direito internacional e do TNP ao atacar instalações nucleares pacíficas do Irã”, alertou o ministro das Relações Exteriores iraniano.
A equipe de segurança nacional de Trump ou falhou em avaliar adequadamente as consequências de um ataque militar ao Irã, ou foi incapaz de dissuadi-lo.
Uma nova estratégia nuclear
De qualquer forma, este incidente expôs ainda mais a extensão da influência de Netanyahu sobre a Casa Branca.
“Esta guerra foi provocada por Netanyahu para sua própria sobrevivência política, e Donald Trump voluntariamente lhe entregou o poder militar americano para prolongá-la”, comentou a parlamentar Bonnie Watson Coleman. “Os Estados Unidos não são uma força mercenária a serviço de ninguém, e nossas tropas não são moeda de troca”, denunciou a congressista.
Da perspectiva de Teerã, os ataques de ambos os países nuclearmente armados revelaram que o TNP não somente não tem qualquer valor real, como é efetivamente lesivo. Nações como Coreia do Norte, Índia, Paquistão e Israel, que rejeitaram o tratado e desenvolveram bombas atômicas, seguem imunes a eventuais ataques de forças nucleares.
É natural que, após o ataque militar de Israel e dos Estados Unidos, o Irã reconsidere sua estratégia nuclear, incluindo sua permanência no TNP.
O Irã pode ter sofrido danos irreparáveis, mas as consequências negativas deste ataque não se limitam apenas ao Estado persa — afetarão Washington e colocarão em risco a paz e a segurança regional. A guerra atual pode não ter um vencedor ou perdedor claro.
Em vez disso, tanto Irã quanto Israel, junto com os Estados Unidos, enfrentam a perspectiva de destruição mútua, desestabilização e trauma de longo prazo. Nesse cenário, todas as partes perdem muito mais do que ganham.
A comunidade internacional tem de agir decisivamente para desescalar a situação. O fracasso em fazê-lo corre o risco de mergulhar o Oriente Médio — e possivelmente além — em um conflito catastrófico.
Artigo publicado originalmente em inglês na rede Middle East Eye, em 22 de junho de 2025
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