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Soldados israelenses em Gaza ostentam má conduta

Sionismo, Nacionalismo e Messianismo

Placas apontam direções ao parlamento israelense (Knesset), em Jerusalém ocupada, 6 de julho de 2021 [Mostafa Alkharouf/Agência Anadolu]

Ao longo da história a religião foi utilizada para justificar e legitimar ações práticas terríveis que vão desde a tentativa de legitimar a escravidão – argumentando que os povos colonizados não possuiriam alma e, portanto, seriam uma espécie de classe subalterna de humanos – passando pelas experiências coloniais – nas quais a religião foi utilizada para justificar a opressão de alguns sobre outros – e por fim, as experiências em que a religião é utilizada para justificar o genocídio de uma população, como acontece na Palestina. Apesar disso, o uso do discurso religioso nunca foi tão bem usado para defender e desumanizar o outro, uma vez que, ao longo da história, o uso político da religião apoiou-se em interpretações fragmentárias dos textos sagrados carecendo de unidade teológica que unificasse todo um sistema de signos e símbolos de morte sob um verniz religioso. Testemunhamos, contemporaneamente, o nascimento de uma nova tecnologia capaz de subverter a lógica da tradição de “amor, caridade e perdão” sob o viés de uma nova teologia constituída para exterminar o outro, a teologia da dominação. Essa nova exegese dos textos sagrados vincula-se com a forma em que os líderes sionistas articularam esse discurso no seio da sociedade israelense, que está se radicalizando cada vez mais, e exportaram isso para o resto do mundo.

O slogan central dos sionistas para o genocídio de Gaza é “Juntos venceremos” e que vem sistematicamente com a expressão “com a ajuda de Deus”, conferindo uma dimensão religiosa ao conflito com o Hamas. O mesmo fez Benyamin Netanyahu, em uma carta aos soldados do IDF, parabenizando-lhes pela “luta contra os assassinos do Hamas” citando Deuteronômio (25:17-19): “Lembrai-vos do que vos fez Amalec. Como te saiu ao encontro no caminho, e te aferiu na retaguarda todos os fracos que iam após ti, estando tu cansado e afadigado; e não temeu a Deus. Acontecerá, pois, que, quando o Senhor teu Deus te tiver dado repouso de todos os teus inimigos em redor, na terra que o Senhor teu Deus te dará por herança, para possuí-la, então a apagarás a memória de Amaleque de debaixo do céu; não te esqueças”.

Mas se o uso desta retórica que visa dar um verniz divino ao genocídio, não está vinculado com os eventos mais recentes que desembocaram no genocídio de Gaza. De fato, as autoridades sionistas utilizam esta retórica há vários anos, embora de forma mais discreta. O testemunho n.º 482683 de um oficial da brigada de infantaria Golani, publicado pela Breaking the Silence – uma organização não governamental (ONG) que reúne antigos militares que se opõem à ocupação dos territórios palestinianos – aponta que “Durante a operação “Chumbo Fundido”, em 2008-2009, o rabino-chefe do exército, Avichai Rontzki, ordenou aos soldados do “exército de Deus” que fossem implacáveis com o inimigo, referindo-se às guerras de conquista de Canaã, a Terra Prometida”. Em 2014, durante a Operação Margem Protetora, ainda em Gaza, o general Ofer Winter, comandante da brigada de infantaria de Givati, proclamou: “A História escolheu-nos para liderar a luta contra o inimigo terrorista de Gaza que insulta e amaldiçoa o Deus das guerras de Israel“.

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Hoje em dia, com o aprofundamento da radicalização da sociedade israelense e o aprofundamento do apartheid e o desejo de concretização dos objetivos geopolíticos dos sionistas – isto é, a limpeza étnica e a expulsão dos palestinos da Palestina histórica – essas atitudes tem se tornado menos chocantes. O discurso nacionalista-religioso tornou-se um lugar-comum. Os ministros de extrema-direita utilizam-no – Itamar Ben-Gvir, um supremacista judeu à frente da segurança nacional, ou Bezalel Smotrich, chefe das finanças – tal como outros membros do governo e deputados filiados no Likud, o partido de Netanyahu. Também se ouve no exército, sobretudo nos escalões inferiores, bem como nas unidades de combate, onde o número de oficiais oriundos de academias religiosas pré-militares está aumentando.

Ministro de Segurança Nacional de Israel, Itamar Ben-Gvir, em Beersheba, em 25 de abril de 2023 [Gil Cohen-Magen/AFP via Getty Images]

Dois vídeos tornaram-se virais nas redes sociais. No primeiro vídeo, do início de novembro, Amichai Friedman, rabino do centro de formação da brigada de Nahal, afirma que a guerra deve permitir o restabelecimento dos colonatos de Gush Katif, desmantelados durante a retirada israelita em 2005, na Faixa de Gaza e muito para além dela. “Este país é nosso, incluindo Gaza, incluindo o Líbano, é a Terra Prometida”, afirma o capitão, aplaudido de pé pelos soldados. Inicialmente repudiado pelo comando militar e suspenso durante trinta dias, foi-lhe depois atribuído um novo posto de rabino militar no mesmo regimento.

No outro vídeo, gravado no mês seguinte, durante uma cerimónia que se seguiu à devastação da cidade palestina de Beit Hanoun, o Major Yair Ben David, oficial na reserva do Batalhão 2908, apela não só à erradicação do Hamas, objetivo oficial da campanha israelita, mas também à aniquilação de Gaza. Com base no Antigo Testamento, estabeleceu um paralelo entre a destruição desta cidade no nordeste do enclave e a terrível vingança dos filhos do patriarca Jacob, Levi e Simeão, contra os habitantes de Siquém (nome hebraico da atual Nablus, na Cisjordânia), depois de a sua irmã Diná ter sido violada pelo filho do rei da cidade. A Bíblia relata que os dois irmãos tinham passado à espada todos os homens da cidade, apesar da promessa de os deixar viver (Génesis 34). O oficial continua: “Simeão e Levi compreenderam que a honra conta acima de tudo no Próximo Oriente. Fizeram em Siquém o que nós fizemos em Beit Hanoun. Mas a tarefa ainda não terminou”, adverte o comandante. Toda a Faixa de Gaza deve sofrer o mesmo destino de Beit Hanoun (…) Com a ajuda de Deus, Siquém ou qualquer outra cidade que ouse erguer-se contra Israel assemelhar-se-á a Beit Hanoun”. No entanto, não menciona o resto da história e a reprovação de Jacob a este massacre e perjúrio. No seu leito de morte, está escrito na Bíblia, ele “amaldiçoou a ira” que se apoderou dos seus dois filhos “porque era má” e apelou aos seus outros filhos “para que não se juntassem aos seus desígnios” (Génesis 19,6).

O Discurso da Vingança – A teologia do domínio.

Os sionistas não fazem qualquer distinção entre o Hamas e o resto da população palestina, acusada de o apoiar, uma amálgama mortífera feita em nome de uma visão pretensamente ética. “A guerra não é um julgamento. Não se mata um inimigo porque ele é culpado e não o poupamos porque ele é inocente. É um confronto de um coletivo contra outro, de uma nação contra outra”, defende uma das figuras mais populares deste movimento, o carismático rabino Oury Cherki, originário da Argélia. Ao aliarem-se ao mal, ao trabalharem para a destruição do povo de Israel como os nazis, os palestinianos de Gaza perderam, diz este autor de numerosas obras sobre o alcance universal do judaísmo, o direito de fazer parte da “comunidade das nações”. Para ele, a ação do exército israelita em Gaza é, portanto, “perfeitamente ética”; a exigência de poupar civis a todo o custo, pelo contrário, não o é.

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No dia 28 de janeiro, em Jerusalém, perante milhares de apoiantes entusiastas, a extrema-direita, liberta das restrições linguísticas impostas pela unidade nacional do início da guerra, lançou uma campanha a favor do recomeço da colonização da Faixa de Gaza e de uma “transferência de população” para o Egipto – que as autoridades do Cairo recusam – ou para qualquer outro país, um eufemismo para expulsão em massa, limpeza étnica. As formações ultra-ortodoxas (que representam 12% da população judaica israelita), o partido Shas (tradicionalmente sefardita) e o Judaísmo da Torá (partido ashkenazi), pedras angulares da coligação governamental, não mostram qualquer interesse em restabelecer os colonatos em Gaza. Concordam tacitamente com o desmantelamento dos colonatos em 2005 e os seus rabinos desconfiam dos excessos messiânicos dos ultranacionalistas… sem os denunciarem em plena luz do dia, dada a popularidade crescente da extrema-direita entre os seus rebanhos.

Palestinos realizam um protesto do lado de fora do complexo da Mesquita de Al-Aqsa depois que colonos judeus fanáticos invadiram o complexo da mesquita de Al-Aqsa durante Rosh Hashaná, o Ano Novo judaico na Cidade Velha de Jerusalém em 26 de setembro de 2022. [Mostafa Alkharouf – Agência Anadolu]

Esse discurso extremamente desumanizador é o que fundamenta aquilo que se convencionou chamar de teologia do domínio. A teologia do domínio, também denominada dominionismo, é um conjunto de ideologias políticas que buscam submeter a vida pública ao domínio religioso dos cristãos (notadamente neopentecostais), e da interpretação que estes fazem da lei bíblica. Um exemplo de dominionismo na teologia reformada é o reconstrucionismo cristão, que se originou nos ensinamentos de R. J. Rushdoony nas décadas de 1960 e 1970. Sua teologia concentra-se na teonomia, no governo da Lei de Deus e em sua crença de que toda a sociedade deveria ser ordenada de acordo com as leis que governavam os israelitas no Antigo Testamento. Suas ideias sobre a lei bíblica no governo civil são expostas de forma mais abrangente em The Institutes of Biblical Law, mas ele escreveu muitos outros livros que tratam do assunto.

Neste sentido, ao buscar as práticas que ordenavam o pretenso antigo reino de Israel, o atual regime ganha centralidade no imaginário dos cristão que fundamentam seu pensamento nesse tipo de ideário. A radicalização religiosa que acontece no mundo é fruto de uma experiência que se inicia em Israel e liderada pelos líderes sionistas ao mobilizarem todo o aparato religioso a sua disposição para justificar a política colonial e de apartheid, além de desumanizar o outro.

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As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.

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