O protagonismo das mulheres palestinas se dá em todos os aspectos da vida. O pioneirismo da fotógrafa Karimeh Abbud é parte dessa história.
Jogar luz sobre a atuação feminina e contar a história das que desbravaram caminhos é parte da memória como resistência de um povo sob constante ameaça de apagamento – e ganha ainda mais relevância em meio a seis meses de genocídio em Gaza, na busca por “solução final” de Israel.
Além disso, voltar os olhos ao protagonismo histórico feminino é fundamental à desconstrução de estereótipos que servem para desumanizar o povo palestino e justificar a colonização, apartheid, limpeza étnica e genocídio sionistas há mais de 75 anos. Justificar a contínua Nakba, catástrofe cuja pedra fundamental é a formação do Estado racista de Israel em 15 de maio de 1948.
LEIA: Mulheres que fizeram e fazem a história palestina
São mulheres cujo legado tem sido reivindicado e servido de inspiração para as jovens que seguem a ecoar suas vozes e direcionar suas câmeras para denunciar os contínuos e cada vez mais brutais crimes contra a humanidade cometidos por Israel. Caso das heroicas jornalistas palestinas que, neste momento, seguem a documentar e expor ao mundo o genocídio em Gaza e a avançada limpeza étnica na Cisjordânia.
Retratada no portal Palestinian Journeys – projeto desenvolvido em parceria do Instituto de Estudos Palestinos e The Palestinian Museum –, a história da fotógrafa palestina Karimeh Abbud é, portanto, parte desse legado. Antes dela, essa profissão não só na Palestina como em todo o Oriente Médio era exercida por estrangeiros.
Nascida em Bethlehem (Belém) em 1896, na Palestina, e formada em Literatura Árabe pela Universidade Americana de Beirute, no Líbano, ela teria aprendido o ofício com um fotógrafo armênio em Jerusalém e seu pai, o reverendo As´ad Abbud, então lhe deu uma câmera para registrar imagens de cidades, natureza e monumentos históricos.
O ano era 1913. Em artigo de sua autoria publicado no portal do Instituto de Estudos Palestinos, o pesquisador e diretor do Projeto Arquivo de Nazaré, Ahmad Mrowat, afirma que a primeira foto assinada de Karimeh Abbud que encontrou data de outubro de 1919. No início dos anos 1930, ela se tornou fotógrafa profissional e abriu um estúdio. Segundo o portal Palestinian Journeys, seu trabalho se tornou tão conhecido que “mulheres de Gaza, Jerusalém, Yafa e Haifa começaram a procurá-la para tirar fotos”. Ela trabalhou em várias outras cidades da Palestina, incluindo Tiberias e Cesareia, além de Haifa. Todas essas objeto da limpeza étnica que culminou na Nakba em 1948.
Para se deslocar livremente, sem depender de ninguém, aprendeu a dirigir – fontes árabes informam que Karimeh foi a primeira mulher a conduzir um automóvel na região. Casou-se com um libanês, Youssef Taya, no início dos anos 1930, com quem teve um filho, Samir, mas se separou em 1936. Reportagem especial publicada na Al Jazeera menciona que ela chegou a viver no Brasil, pelo curto período de dois anos, retornando então para sua terra natal, a Palestina.
Seu papel foi importante não apenas para a aceitação das famílias da “estranha invenção”, mas sobretudo pelo registro de centenas de imagens que refletem estilo de vida à época, além de lugares e belas paisagens que viriam a ser destruídos e radicalmente transformados com a Nakba.
LEIA: Sobre Fatima Bernawi, a luta das mulheres e a solidariedade entre negros e palestinos
Karimeh faleceu em Nazaré, no ano de 1955, e ficou esquecida por muito tempo. Somente em 2000 seu trabalho foi redescoberto. Como descreve Ahmad Mrowat, no ano de 2006, um colecionador de antiguidades israelense chamado Boki Boazz colocou um anúncio nos jornais árabes locais perguntando sobre a coleção de Karimeh Abbud. Descobriu-se que ele havia obtido várias fotos dela em uma casa no bairro de Qatamon, em Jerusalém, cujos proprietários foram obrigados a abandonar durante a Nakba.
O diretor do Projeto Arquivo de Nazaré presume que Karimeh Abbud tenha morado nessa casa de 1930 a 1948. Boazz tinha em mãos cerca de 400 fotografias, muitas delas assinadas por Abbud. Incluíam retratos de estúdio de mulheres, crianças e famílias, bem como fotos de paisagens de localidades palestinas e jordanianas. Ahmad Mrowat comprou a coleção, agora preservada em seu projeto. Ele acredita, contudo, que deva haver ainda milhares de fotos dessa pioneira perdidas. Karimeh Abbud não poderia prever que seu trabalho seria fundamental para resgatar a memória da Palestina.
LEIA: A morte de mulheres palestinas e o silêncio das feministas e da academia
As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.