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Os mamelucos: Guerreiros escravos do Islã medieval

Autor do livro(s) :John Brunton
Data de publicação :Outubro de 2023
Editora :Amberley Publishing
Número de páginas do Livro :288 páginas
ISBN-13 :978-1398107342

Entre a queda do califado abássida e a ascensão do Império Otomano, um formidável sultanato mameluco tomou o poder. Ao se estender dos séculos XIII a XVI, essa potência regional alcançou Egito, Síria e Hijaz — isto é, a região do Golfo.

A mudança da autoridade política sunita de Bagdá aos otomanos, durante o período mameluco, tem importância histórica — muito embora seja pouco estudada. Apesar do papel essencial dos mamelucos em “salvar o Islã” da devastadora invasão mongol, que varreu o Oriente Médio, esse episódio nem sempre recebe a atenção que verdadeiramente merece.

Em The Mamluks: Slave Warriors of Medieval Islam — em português, Os mamelucos: Guerreiros escravos do Islã medieval —, John Brunton traz atenção ao fato de que esses soldados-escravos não apenas preservaram as reminiscências da civilização islâmica, após o incalculável saque de Bagdá, como seguiram de onde deixou o sultão aiúbida Salah Al-Din (Saladino), ao desmantelar enfim os últimos Estados cruzados ainda no Levante.

Sua batalha mais notável e importante, no entanto, culminou na vitória sobre o exército mongol em Ain Jalut (“A fonte de Golias”), no norte da Palestina, liderada pelo quarto sultão, Baibars al-Bunduqdari, considerado — podemos dizer — o verdadeiro fundador do sultanato mameluco. Embora o triunfo sobre os temidos mongóis tenha enorme importância, ao manter os invasores do outro lado do Rio Eufrates, a batalha dificilmente pode ser descrita como “grande conquista militar dos mamelucos [mas sim] uma vitória de números superiores, em um momento no qual a maior parte do exército mongol havia se retirado”. Segundo o estudo, o recuo mongol se deu sobretudo por matérias de política interna nas estepes ao leste, em vez de táticas excepcionais das forças islâmicas.

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Embora o sistema de usar escravos libertados como soldados — ou mamelucos — estivesse em vigor há séculos no mundo islâmico, primeiro para fornecer segurança pessoal aos califas, foi o governante aiúbida al-Salih Najm-ad-Din que adotou a “inovação de aumentar o contingente e usá-lo como força de elite” — algo não muito diferente dos janíçaros empregados pelo Império Otomano nos séculos seguintes. Entretanto, como os melhores guerreiros muçulmanos eram há muito considerados turcos, a maioria dos mamelucos vinha dessa origem antes de serem quase totalmente substituídos por circassianos no período derradeiro do Estado. Pelo menos em tese, estes eram conhecidos por sua rígida lealdade a seus patronos — embora isso nem sempre se concretizasse na prática, sobretudo quando lutas por poder estavam em jogo.

Brunton explica logo no início que, “por mais colorida que fosse a história mameluca, a mancha mais profunda era o vermelho-sangue”. Isso se deve aos recorrentes episódios de usurpação e golpes de Estado. De fato, a prevalência de tais práticas é tamanha que valeria ao livro detalhar uma contagem de “executados” e “estrangulados” ao longo de suas páginas. De fato, a narrativa se torna desnorteante, algo como ver as sucessivas temporadas de Game of Thrones, quando se introduz um personagem para logo matá-lo, aprisioná-lo ou bani-lo — ou quem sabe, um pouco dos três.

Ao conseguir ressuscitar os abássidas via parentes distantes na coroa, reduzidos a coadjuvantes como os seljúcidas e os buídas, os mamelucos “fizeram e desfizeram califas a seu bel-prazer”. Os califas não eram apenas marionetes, mas os verdadeiros detentores de poder e tomadores de decisão eram os vizires e regentes por trás dos sultões, por vezes menores de idade a caminho do trono. Dessa maneira, o sultanato marcou-se fatalmente por instabilidade política, embates internos e má-gestão econômica, com uma “dinastia” — se assim poderíamos descrevê-la — de fato caracterizada por uma “fila de carreiristas” em busca do poder. Ao sermos justos, contudo, devemos citar que os mamelucos também sofreram com um déficit populacional, causado por pestes e desastres naturais que tomaram a região.

The Mamluks: Slave Warriors of Medieval Islam é uma obra detalhada, envolvente e profunda, da história dessa peculiar dinastia. Brunton argumenta que, sem eles, “a região seria reduzida a um deserto, do qual não se recuperaria por eras e eras”. É interessante, no entanto, perscrutar além das cortinas das disputas políticas e do despotismo de então, para ver como os mamelucos ajudaram a preservar as artes e as ciências da gana destrutiva dos mongóis e de seus alguns de seus sucessores, como os timúridas, em uma era na qual o “pai da sociologia”, Ibn Khaldun, e o renomado viajante Ibn Batuta foram contemporâneos.

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Como se não bastasse, assim como Ibn Khaldun explorou em seus escritos a ascensão e a queda dos impérios, era inevitável que os mamelucos encontrassem seu fim nas mãos dos otomanos e diante das potências europeias que já se aproximavam. É impressionante, no entanto, como os mamelucos como instituição duraram três séculos, mesmo com o fim do sultanato, culminando, em último caso, na ocupação britânica do Egito.

De um ponto de vista histórico e civilizacional, os mamelucos exerceram, sem dúvida, um papel fundamental, como demonstra o autor de forma tão convincente. Não obstante, sua influência começou a minguar com a cessação da ameaça mongol à região. Resta uma sensação latente de que os sultões mamelucos poderiam ascender muito além, caso aderissem a uma governança deveras mais estável por meio de um regime dinástico. Ainda assim, como “guerreiros-escravos” por definição, seu enfoque primário era a proeza militar, algo notável, enquanto administração e diplomacia, embora cruciais, pareciam existir em segundo plano.

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