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Perfil: Edward Said (1° de novembro de 1935 — 25 de setembro de 2003)

Professor e escritor Edward Said em seu escritório na Universidade da Colômbia em Nova York, 2003. [Jean-Christian Bourcart/Getty Images]

Durante uma palestra na Universidade de Massachusetts-Amherst em 1997, Edward W. Said fez o seguinte comentário sobre a maneira como Europa e Estados Unidos enxergam a religião islâmica: “O que se descreve como Islã pertence ao discurso do Orientalismo, uma construção artificial para alimentar sentimentos de hostilidade e antipatia contra uma parte do mundo que, por acaso, tem importância estratégica por seu petróleo, sua proximidade com o cristianismo e sua história formidável de competição com o Ocidente”.

Isso é parte do que Said chama de “choque de ignorâncias”, em resposta aberta ao conceito de “choque de civilizações” enunciado por acadêmicos como Samuel P. Huntington e Bernard Lewis, que pressupõem diferenças essenciais entre Ocidente e Oriente e, portanto, conflitos quase intrínsecos entre ambas as regiões do planeta. A teoria de Said, em contraste, observa que a retórica ocidental representa o chamado Oriente como “corrupto”, “indolente” e “monolítico”, ao exaltar a si mesma como “superior” e “progressista”, a fim de manter uma hegemonia cultural e imperial sobre países emergentes.

Esta noção de nós contra eles, com base na divisão intelectual do mundo, é o tema da obra de Edward Said. Seu livro mais famoso sobre o assunto é Orientalismo, publicado originalmente em 1978, que abriria caminho à formação da disciplina acadêmica de Estudos Pós-coloniais.

Edward W. Said nasceu em Jerusalém sob Mandato Britânico, mas se mudou para o Cairo, no Egito, com sua família durante a Nakba ou “catástrofe” de 1948, quando se tornaram refugiados da limpeza étnica que culminou na criação do Estado de Israel. Said reconhecia que seus primeiros anos de formação ocorreram em “escolas coloniais de elite”, ao descrever o Colégio Victória no Cairo como “uma instituição criada para instruir as classes dominantes árabes e levantinas sobre o que fazer ao tomar o poder, após os britânicos deixarem a região”. Entre seus colegas estavam nomes notáveis, como o ator egípcio Omar Sharif e o futuro rei da Jordânia, Hussein bin Talal.

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Mais tarde, Said se mudou novamente aos Estados Unidos para concluir seus estudos. Formou-se bacharel em Princeton e doutor em Harvard, tornando-se professor de Literatura Comparada na Universidade de Columbia, em Nova York. Ao longo de sua carreira, deu  palestras a mais de 150 universidades e instituições de ensino e escreveu dezenas de livros, muitos dos quais traduzidos a diversos idiomas. Said contribuiu com artigos ao The Guardian, New York Times, Le Monde Diplomatique, Counterpunch, New Left Review, London Review of Books, Al-Ahram, Al-Hayat e The Nation — para a qual escreveu numerosas resenhas sobre música clássica. A revista The Nation o descreveu como “um dos principais acadêmicos dos Estados Unidos”.

Além de pesquisador e escritor prolífero, Said se tornou conhecido por seu comprometido ativismo político. Em entrevista ao MEMO em 2013, sua irmã, Jean Said Makdisi, deu destaque ao ano de 1967 como um divisor de águas. “Foi o que fez ele se voltar ao ativismo, porque foi um momento horrível para os árabes nos Estados Unidos”, relatou Jean, ao descrever a imprensa americana de então como “cruel e ignorante”.

Said costumava escrever sobre as injustiças enfrentadas pelo povo palestino e se tornou um crítico eloquente dos Acordos de Oslo assinados pela Organização pela Libertação da Palestina (OLP) com o Estado ocupante de Israel. “Sobre o ‘processo de paz’, com início em 1993, este simplesmente trouxe um novo verniz à ocupação, oferecendo um prêmio simbólico de 18% das terras expropriadas em 1967 à Autoridade corrupta e colaboracionista de Arafat, cujo mandato é basicamente policiar e tributar seu povo em nome de Israel”.

Em 2002, uma série de ensaios foi compilada no livro The End of the Peace Process: Oslo and After (O fim do processo de paz: Oslo e depois), nos quais critica o falecido líder Yasser Arafat: “A ideia é que a Palestina contemplada por Arafat é uma que o deixa absolutamente sozinho para governar a bel-prazer, em troca de se tornar dependente do que Israel lhe deixa fazer com impunidade”. Said chegou a denunciar a parceria entre Israel e a Autoridade Palestina como “dupla ocupação”.

Suas críticas se estenderam a outras figuras proeminentes do mundo árabe. “Que líderes que podemos admirar, ter como modelo?”, questionou na antologia. “O número é extremamente ínfimo. Com metade da população árabe composta hoje por jovens abaixo de 16 anos, o vácuo na liderança ética é gravíssima”. Said rechaçou os Estados árabes pelo comércio armamentista, a militarização das sociedades, o declínio nas liberdades democráticas e a queda nas taxas de ensino e até mesmo produção agrícola.

Said propunha paz pela coexistência, autodeterminação e igualdade; sua defesa era de um Estado único binacional na Palestina histórica. Said era inflexível em reafirmar que a Palestina não poderia ser tratada como uma causa exclusivista e nacionalista — “isso é meu e quero de volta”, como disse sua irmã. Para ele, todos poderiam ser abraçados caso o quisessem. Said faleceu de leucemia em 2003 aos 67 anos. Desde então, duas décadas se passaram, mas sua obra e seus pontos de vista permanecem atemporais.

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Palestina: quatro mil anos de história
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