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Mesmos criminosos, outra máscara: 54 anos desde o ataque incendiário a Al-Aqsa

Protesto em defesa de Al-Aqsa em Khan Younis, na Faixa de Gaza, em 25 de agosto de 2023 [Ahmad Hasaballah/Getty Images]

Desde o advento da ocupação na Cisjordânia e em Jerusalém, em 1967, autoridades israelenses lançaram esforços concentrados para alterar o caráter da cidade, em particular ao conduzir ataques contra a Mesquita de Al-Aqsa. Desde os primórdios da ocupação, o exército colonial demoliu partes do bairro magrebino para dar lugar aos acessos do chamado Muro das Lamentações. Ao longo dos anos, a mesquita sofreu danos extensivos a móveis, paredes, teto, carpetes, raríssimas peças de decoração, edições históricas do Alcorão e outros itens inestimáveis. O processo de restauração é ininterrupto desde então.

Quando um incêndio eclodiu em Al-Aqsa, em 1969, era responsabilidade da potência ocupante proteger o complexo religioso e seus arredores. Contudo, autoridades israelenses cortaram o suprimento de água e atrasaram a chegada de caminhões de bombeiros, portanto, ao frustrar deliberadamente esforços para conter as chamas. Em um primeiro momento, alegou-se curto-circuito. No entanto, engenheiros árabes apresentaram evidências de que o incêndio seria criminoso. Dennis Michael Rohan, cristão australiano, foi identificado como o criminoso. Apesar de promessas de justiça, o judiciário ocupante decidiu absolvê-lo sob pretexto de instabilidade mental.

Os anos provaram que o crime em questão é parte de esforços sistemáticos para apagar a identidade árabe-islâmica do país em nome da supremacia judaica. Como parte das movimentações para tanto, no ano 2000, o então primeiro-ministro israelense, Ariel Sharon, invadiu Al-Aqsa, evento que radicalizou colonos ilegais e deflagrou a Segunda Intifada palestina. O tempo passou e tais invasões se tornaram cada vez mais audaciosas.

Apesar da assinatura do tratado de Wadi Araba em 1994 – acordo entre Jordânia e Israel que confere ao reino a tutela dos locais religiosos de Jerusalém –, Tel Aviv erodiu meticulosamente os termos acordados, incluindo ao empregar câmeras de vigilância, portões eletrônicos, checkpoints policiais e violência contra os palestinos. Tamanha brutalidade é evidente nos ataques a fiéis no mês do Ramadã, além de prisões que violam as leis internacionais. Ações como essas naturalmente levam a atos de resistência.

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Sob o atual governo de extrema-direita de Israel, chefiado pelo premiê Benjamin Netanyahu, tais esforços para alterar o status quo de Jerusalém ocupada tomaram uma dimensão inédita. A Corte de Magistrados de Israel emitiu uma decisão para permitir colonos ilegais a realizar “preces silenciosas” nos pátios de Al-Aqsa, além de revogar mandados de deportação de indivíduos violentos e fundamentalistas que conduziram ritos religiosos dentro da mesquita em setembro de 2021. As medidas culminaram em novo aumento nas incursões coloniais ao santuário, com a presença até mesmo de deputados de Israel.

Projetos cujo objetivo é alterar a identidade de Jerusalém e transformar Al-Aqsa em um templo judaico são de conhecimento público. Israel declara aos quatro ventos suas intenções neste sentido. Quando colonos tomaram o controle da atual coalizão de governo, duas escolas de pensamento se destacaram: a primeira representada pelo ministro de Segurança Nacional, Itamar Ben-Gvir, que reivindica a imposição imediata de um novo status quo; a segunda, ligeiramente mais cautelosa, do ministro das Finanças, Bezalel Smotrich, para quem a mudança na identidade local deve ocorrer ao limpar gradualmente o perímetro de suas “impurezas”, para que enfim se torne uma sinagoga.

Sob as profecias adotadas por Smotrich – chefe do partido Sionismo Religioso – o chamado Instituto do Templo estabeleceu um programa de biotecnologia cujo intuito é criar um rebanho de “vacas vermelhas”. Sua missão é encontrar um espécime perfeito para prerrogativas messiânicas. Segundo a interpretação religiosa, o animal deve ser abatido em um ritual de sacrifício; suas cinzas, misturadas com uma fonte local e derramadas àqueles esperam a “purificação”. Desde 1997, cinco anúncios foram feitos sobre um eventual espécime capaz de cumprir os critérios; porém, sem nunca chegar às vias de fato.

A disputa entre autoproclamados sionistas “moderados” – fundamentalistas religiosos – e extremistas coloniais não se refere, no entanto, a conceitos e princípios, mas sim à velocidade com a qual sua agenda será implementada. Trata-se da verdadeira diferença entre ambas as correntes. Alguns querem acelerar o extermínio da chamada solução de dois Estados, incluindo ao anexar a Cisjordânia; outros preferem avanços mais graduais.

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A escalada em curso do extremismo sionista é encorajada pela falta de reação genuína em âmbito internacional e regional – incluindo países árabes e islâmicos. Tamanho silêncio decorre sobretudo de uma mentalidade imediatista que prioriza interesses de governo sobre questões centrais – como a causa palestina –, além de posições de cumplicidade com o projeto sionista por parte da comunidade internacional. Não é segredo algum a anuência de líderes ocidentais, como o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, que declarou orgulhosamente em viagem aos territórios ocupados: “Sou um sionista e não é preciso ser judeu para ser sionista”.

Fundamentalmente, o sionismo é um movimento racista que promove a exclusão e discriminação de um grupo em favor de outro, como definido até mesmo pela Organização das Nações Unidas (ONU). Enquanto sua mentalidade e suas políticas coloniais perseverarem na região, a paz será elusiva e a Mesquita de Al-Aqsa – patrimônio de toda a humanidade – continuará como alvo de violentas agressões.

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.

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