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Fora Sisi!

Presidente do Egito Abdel Fattah el-Sisi em Abidjan, 11 de abril de 2021 [ISSOUF SANOGO/AFP via Getty Images]

A última semana foi marcada por novos apelos de “Fora Sisi!”

O que espera o presidente egípcio Abdel Fattah el-Sisi quando resolve discursar ao público, com sua notável falta de carisma, e prometer a todos que deixaria o cargo caso o povo lhe pedisse?

Já aconteceu antes; acontece agora; e será assim no futuro enquanto permanecer no poder — uma mentira atrás da outra, como se simplesmente respirasse, a fim de ludibriar a opinião pública e tranquilizar os ânimos no Ocidente, com frases de efeito sem sentido algum; por exemplo: “Vocês vão amar nosso povo mais do que nós mesmos ou o quê?”

“Fora Sisi!” não representa apenas uma hashtag compartilhada por milhões de cidadãos egípcios em todo o mundo, para exigir que o pior general da história nacional, sobretudo em termos de direitos humanos, deixe seu posto e dê fim a políticas repressivas adotadas contra seu próprio povo. Ao contrário, trata-se de um reflexo contundente da dolorosa realidade imposta pelo regime de Sisi à sua população, não importa etnia ou religião.

No início de 2006, o então presidente Hosni Mubarak, destituído cinco anos depois, comemorava a vitória de sua seleção nacional de futebol no Campeonato Africano das Nações, no estádio do Cairo; naquele mesmo momento, centenas de famílias velavam seus filhos mortos no naufrágio do MS al-Salam Boccaccio. Em um episódio que se tornou infame, Mubarak chegou a zombar da catástrofe, ao questionar: “É o barco daquela gente que se afogou?”

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“Quem deixa um sucessor não está morto”, diz um famoso ditado egípcio, que se aplica a Sisi e Mubarak. O ex-diretor de inteligência militar e atual presidente insiste em vangloriar-se de trilhões de dólares que supostamente gastou desde a revolução de janeiro de 2011. Sisi também faz piada e pouco caso ao comentar as diversas tragédias nacionais, como ficou claro em seu recente discurso proferido no Fórum Mundial da Juventude. Neste entremeio, ao menos nove menores de 15 anos de idade também se afogaram em Monsha’et el Kanater.

Crianças continuam a se afogar no Egito enquanto tentam meramente sobreviver. Sisi, entretanto, alega que todos aqueles que criticam a situação no país não estão tão preocupados quanto ele com a população. Uma representante da União para o Mediterrâneo (UFM) confrontou o presidente egípcio sobre a deterioração das condições entre os prisioneiros no Egito, além da má gestão do coronavírus. Quando questionou Sisi sobre a prática de desaparecimento forçado imposta por autoridades do regime, o general mostrou-se enfurecido e descreveu suas palavras como contrárias à realidade e aos interesses nacionais.

Um correspondente da agência Monte Carlo também mencionou a completa deterioração dos direitos humanos no estado norte-africano e perguntou a Sisi sobre o grave aumento na população carcerária, apesar de uma suposta estratégia de direitos humanos, instituída sob pressão internacional. Sisi indignou-se mais outra vez; contudo, denunciou sua própria inépcia: “Se o povo não tem o que comer, porque o Ocidente não os ajuda?”

Prisões de Sisi – Charge [Sabaaneh/monitor do Oriente Médio]

O presidente afirma ainda que está pronto para permitir que os egípcios se manifestem nas ruas e praças, além de promover eleições executivas — porém, sob a condição irrestrita de apoio financeiro suficiente por parte das potências no exterior. De fato, poderia haver algum êxito caso fosse verdade, mas Sisi é comprovadamente um tremendo mentiroso. A comunidade internacional deveria, portanto, pressioná-lo a cumprir suas “promessas”, ao permitir eleições presidenciais sob supervisão direta de fóruns e países responsáveis, sem interferência do exército, da polícia ou dos serviços de inteligência aparelhados por Sisi. Seria o caso se o mundo pudesse constatar a falsa popularidade promovida pela própria ditadura no Egito, ao compreender a verdadeira imagem que o regime militar desfruta aos olhos da população.

Sisi descreveu este ano como o ano da sociedade civil. Todavia, vale perguntar: quantas organizações foram fechadas e perseguidas desde o golpe militar de julho de 2013? Somente na última semana, uma das mais antigas e bem-sucedidas entidades civis do país, a Rede Árabe para Informações de Direitos Humanos (ANHRI), anunciou o fim de seus trabalhos devido à escalada nas violações de direitos humanos e perseguições policiais, em franco detrimento do estado de direito. Pois de qual sociedade civil Sisi tanto fala afinal? Será ele capaz de nos surpreender com novas organizações, cuidadosamente selecionadas pelo exército e seus serviços de inteligência, como fez nos últimos anos com o próprio parlamento? Ou Sisi ordernará que seus agentes desenvolvam associações à sua própria maneira?

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Sisi mente como respira. Recentemente, respondeu a críticas de alguns convidados do Fórum Mundial da Juventude ao ostentar uma suposta preocupação com seu povo, enquanto seus policiais e soldados continuam a prender jovens opositores sob operações maliciosas, nas quais autoridades sudanesas e mesmo uma empresa aérea do país vizinho estiveram envolvidas. Neste contexto, Hossam Salam, que fugiu da violência em seu país natal e se instalou no Sudão, decidiu viajar à Turquia, mas foi surpreendido quando seu avião mudou de percurso e realizou uma parada no aeroporto de Luxor — onde foi detido imediatamente. Após o incidente, a aeronave prosseguiu seu voo em direção a Istambul.

Perseguir oponentes na diáspora, matá-los ou aprisioná-los em seu país natal, e então aparecer na mídia com uma imagem de bom moço — como no Fórum Mundial da Juventude — é uma política notavelmente dissimulada, conduzida por um general do exército que merece nada mais que a frase que reverbera entre milhões de vozes egípcias: Fora! Fora Sisi!

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.

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