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Plano de Bin Salman sai pela culatra, trolls garantem sucesso do documentário sobre Khashoggi

Manifestante usa uma máscara com o rosto de Mohammad Bin Salman, príncipe herdeiro e governante de fato da Arábia Saudita, e exibe mãos vermelhas de ‘sangue’, em protesto contra o assassinato do jornalista saudita Jamal Khashoggi, em 25 de outubro de 2018 [Yasin Akgul/AFP via Getty Images]
Manifestante usa uma máscara com o rosto de Mohammad Bin Salman, príncipe herdeiro e governante de fato da Arábia Saudita, e exibe mãos vermelhas de ‘sangue’, em protesto contra o assassinato do jornalista saudita Jamal Khashoggi, em 25 de outubro de 2018 [Yasin Akgul/AFP via Getty Images]

Parece que Mohammed Bin Salman, príncipe herdeiro e governante de fato da Arábia Saudita, está preparado para ir aonde for necessário, tanto em casa quanto no exterior, para silenciar seus críticos. O assassinato bárbaro do jornalista dissidente Jamal Khashoggi, em outubro de 2018, provou sua força de vontade, mas suas tentativas de omitir a verdade sobre a execução sumária saíram pela culatra espetacularmente.

O paranóico príncipe saudita é bastante radical em seus esforços para se vingar dos inimigos. Não obstante, a indignação internacional nada afetou suas inclinações nefastas. Na pior das hipóteses, o tempestuoso Bin Salman tornou-se ainda mais propenso a reagir a qualquer crítica em nível pessoal.

Logo nesta semana, seus capangas inadvertidos foram expostos ao tentar destruir a reputação de um grande documentário sobre a morte do jornalista saudita, dirigido por Bryan Fogel, indicado ao Oscar pelo longa-metragem “Icarus”. Caso Fogel residisse na Arábia Saudita, certamente estaria agora na prisão, junto de milhares de prisioneiros políticos que ousaram criticar Bin Salman.

Fogel acredita que seu filme tornou-se “quente demais” até mesmo para alguns figurões da indústria cinematográfica dos Estados Unidos. Sua obra utiliza transcritos inéditos para mapear o fim brutal de Khashoggi dentro do Consulado da Arábia Saudita em Istambul, Turquia, onde foi executado por um esquadrão da morte sob ordens diretas do príncipe herdeiro. Retrata Bin Salman como governante de um regime sinistro, capaz de recorrer a violência e atos extremos para calar a crítica. O novo documentário revela as “moscas”, inúmeras pessoas que trabalham em nome de Salman para destacar notícias positivas sobre o príncipe nas redes sociais e varrer seus abusos para debaixo do tapete.

As mesmas moscas mantiveram-se ocupadas nos últimos meses promovendo os vaidosos projetos do príncipe herdeiro, como a cidade futurista e multibilionária de Neom. Quem sabe, você tenha visto alguma propaganda na televisão ou nas redes sociais sobre Neom, nas semanas recentes, e perguntou-se de que diabo trata-se isso. Como resultado desta e de outras iniciativas de relações públicas, alguns marqueteiros de fato conseguiram coagir elementos ingênuos da imprensa ocidental a representar Bin Salman como um perspicaz reformista moderno.

LEIA: Biden pretende tornar público relatório sobre assassinato de Khashoggi

A realidade, porém, é absolutamente o oposto. Mesmo antes do lançamento do documentário de Fogel, a fachada já ruía. Mulheres sauditas podem até dirigir nos dias de hoje, mas ativistas mulheres que atreveram-se a reivindicar tal igualdade de direitos continuam trancafiadas e violentadas nas cadeias do país. O ex-chefe de espionagem saudita Saad al-Jabri, exilado no Canadá, revelou que o príncipe herdeiro enviou um esquadrão da morte para executá-lo em outubro de 2018, apenas algumas semanas depois do assassinato de Khashoggi. A inteligência canadense, por acaso, frustrou a tentativa. Há pouca ou nenhuma dúvida de que há cada vez mais receios internacionais sobre o comportamento volátil de Bin Salman.

Quando “The Dissident”, documentário dirigido por Fogel, estreou no Festival de Sundance, foi logo consagrado com cinco estrelas por críticos profissionais, que descreveram a obra como “urgente, arrebatadora, essencial”. O diretor esperava lançá-la em um festival de tamanho prestígio para então garantir sua distribuição global e utilizou o cenário de glamour para vender o projeto a estúdios e serviços de streaming e enfim conquistar seu devido sucesso.

“Nos sonhos dos meus sonhos, distribuidores não teriam medo de garantir ao filme a estreia global que tanto merece”, declarou Fogel sob aplausos em Sundance, diante de celebridades notórias, incluindo a ex-primeira-dama e ex-Secretária de Estado dos Estados Unidos Hillary Clinton, crítica contumaz do regime saudita.

Como resultado, o influente website de cinema Rotten Tomatoes foi atingido por uma avalanche de críticas falsas para difamar “The Dissident”, que deve ser lançado no Reino Unido no próximo mês. Um dos “críticos” alegou que o filme foi produzido por terroristas, enquanto outro descreveu Khashoggi como traidor que teve bem o que mereceu. A aprovação da obra desabou drasticamente de 95% a apenas 68% no fim de semana. O surto de notas negativas refletiu-se também no website IMDb, no qual o documentário recebeu 1.175 críticas de somente uma estrela, nota mais baixa da avaliação.

Dois anos após o assassinato de Jamal Khashoggi e Mohammed Bin Salman não tem nada a temer [Sabaaneh/Monitor do Oriente Médio]

Dois anos após o assassinato de Jamal Khashoggi e Mohammed Bin Salman não tem nada a temer [Sabaaneh/Monitor do Oriente Médio]

Das críticas postadas no IMDb, mais de mil foram enviadas de fora dos Estados Unidos, apesar de ser o único lugar no qual o filme foi exibido. Thor Halvorssen, presidente da ong Human Rights Foundation, produziu “The Dissident” e denunciou enfaticamente: “Esta trollagem é sem dúvida obra do regime saudita … Assim como fizeram com Jamal, tentam silenciar seus críticos no exterior”.

O longa-metragem é baseado na transcrição de um registro de áudio até então secreto, compartilhado pelo serviço de inteligência da Turquia com colegas internacionais e com a Organização das Nações Unidas (ONU). A evidência aterradora capturou risadas e piadas dos assassinos, diante do complô para executar e esquartejar o pai de quatro filhos com uma serra para ossos. Khashoggi foi visto pela última vez em um vídeo de câmera de segurança, ao adentrar no consulado saudita em Istambul, a fim de obter documentos para casar-se com sua noiva, Hatice Cengiz.

Bin Salman era basicamente protegido por Donald Trump e deve estar temeroso neste instante, pois Avril Haines, nova Diretora de Inteligência Nacional indicada pela gestão de Joe Biden, já sugeriu que há planos para divulgar publicamente a investigação da CIA sobre o assassinato. O inquérito foi mantido em segredo pelo então presidente republicano e provavelmente incrimina Mohammed Bin Salman no crime hediondo .

O recém-empossado Presidente dos Estados Unidos Joe Biden já demonstrou anseios de distanciar-se da relação íntima estabelecida entre Riad e Washington na era Trump. Por exemplo, logo nas primeiras semanas de seu mandato, suspendeu a venda de armas à monarquia rica em petróleo, ao citar receios relacionados a direitos humanos como justificativa.

O Rotten Tomatoes confirmou ter detectado “tentativas deliberadas de manipular a pontuação [do documentário]”. O IMDb, pertencente à gigante Amazon, declarou monitorar atividades subversivas em curso, cujo alvo são certos títulos em seu banco de dados.

Como muitas outras ações corruptas do reino, sem dúvida ordenadas por Bin Salman, suas recentes tentativas atabalhoadas de suprimir a liberdade de expressão saíram novamente pela culatra de modo épico. Os trolls sauditas tentaram destruir a reputação de “The Dissident”, mas apenas o tornaram um dos filmes obrigatórios de 2021. Peça sua cópia ainda hoje.

LEIA: O que o Presidente Biden não fará no Oriente Médio

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.

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