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Israel planeja aumentar influência do Golfo em Jerusalém, em detrimento da Turquia

Raio de luz reflete no Domo da Rocha, enquanto uma nuvem de poeira cobre Jerusalém, em 17 de dezembro de 2009 [Gali Tibbon/AFP/Getty Images]
Raio de luz reflete no Domo da Rocha, enquanto uma nuvem de poeira cobre Jerusalém, em 17 de dezembro de 2009 [Gali Tibbon/AFP/Getty Images]

Diante da onda em curso de normalização entre estados árabes e a ocupação, Israel tenta seduzir os governos do Golfo, sobretudo Emirados Árabes Unidos e Arábia Saudita, com um papel em potencial na gestão dos lugares sagrados de Jerusalém, portanto, ao concorrer com a Jordânia e os próprios palestinos sobre o domínio de tais elementos cruciais.

O avanço israelense nesta direção despertou tensões políticas entre as partes envolvidas, à medida que busca encobrir seu plano real, isto é, conceder a tais países um novo papel estratégico e uma oportunidade para contestar a gradativa influência da Turquia entre os árabes de Jerusalém – parte de uma campanha que impõe dúvidas sobre o sucesso ou fracasso do empreendimento sionista.

Parece que o plano de normalização entre Emirados Árabes Unidos e a ocupação vivencia uma corrida contra o tempo para impor uma nova realidade em campo, após o rabino Rafi Peretz – Ministro de Assuntos de Jerusalém do Estado de Israel – anunciar um projeto para atrair milhares de turistas emiradenses à cidade ocupada. O esquema pretende amplificar o status de Jerusalém como “capital israelense”, como alega Peretz.

Tornou-se claro ainda que o plano de Israel para promover o turismo proveniente dos Emirados e atrair até dois milhões de muçulmanos a Jerusalém anualmente está de acordo com os esforços da ocupação conduzidos ao longo dos últimos dez anos. Trata-se de parte de esforços para submeter Jerusalém e a Mesquita de Al-Aqsa à soberania israelense e esvaziá-las de sua identidade árabe para impedir os palestinos de desenvolver um promissor setor nacional de turismo religioso, para então controlar o complexo sagrado e seus arredores.

O plano israelense projeta-se diretamente no texto do acordo israelo-emiradense, de modo a garantir aos muçulmanos somente o direito à Mesquita de Al-Aqsa, enquanto nega a reivindicação islâmica ao restante do complexo como um todo – chamado pela ocupação de Monte do Templo. Tudo isso ocorre sob veemente repúdio político e religioso por parte dos palestinos, diante de eventuais visitas de representantes emiradenses, árabes ou mesmo muçulmanos a Al-Aqsa, conforme anuência de Israel, como parte do pacto supracitado.

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Os jerusalemitas foram os primeiros a condenar o acordo de normalização entre Emirados Árabes Unidos e Israel, dado que estipula o direito a Al-Aqsa a todas as religiões monoteístas, removendo a exclusividade islâmica. Este termo levou à indignação entre os palestinos, que expressaram seu repúdio ao pendurar enormes cartazes por toda Jerusalém.

A proposta israelense de fato omite a profundidade dos acordos de normalização entre as partes. A ideia de patrocinar viagens religiosas à Mesquita de Al-Aqsa é mero artifício para encobrir a normalização da ocupação colonial, mesmo embora orar em Jerusalém não dependa de qualquer acordo. Ao contrário, trata-se de um direito legal e religioso estabelecido, dado que Al-Aqsa permaneça sob gestão islâmica, conforme documentos internacionais e consensos religiosos. Mais notavelmente, a Unesco – Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura – reconhece a Mesquita de Al-Asa como propriedade absoluta dos muçulmanos, sem qualquer filiação ao judaísmo. Os Emirados, porém, escolheram conceder a Israel este pressuposto, via normalização – um direito que não lhes cabe.

Os árabes de Jerusalém preparam-se para receber aqueles que visitarão a cidade sob o manto da normalização, da forma melhor apropriada. Isto é, nenhum palestino permitirá aos emiradenses e outros representantes árabes a violar a santidade de Al-Aqsa sob pretexto de fé, com o verdadeiro intuito de legitimar seu pacto indolente com Israel. Desta forma, o povo de Jerusalém não poderá acolher tais visitas, diante de receios de que a cidade e a Palestina como um todo se submeta a um número cada vez maior de turistas muçulmanos, especialmente do Bahrein e Arábia Saudita, provenientes da pressão do Golfo e das tentações de impor a normalização.

O novo plano caminha de mãos dadas com o acordo israelo-emiradense para receber dois milhões de turistas anuais nas terras ocupadas, a maioria dos quais visitará Al-Aqsa sob o véu da chamada “paz religiosa”. Na realidade, 98.000 turistas muçulmanos visitaram Jerusalém no ano de 2018, mas Israel começou agora a propagandear arranjos para a chegada de novos turistas dos Emirados e outros estados do Golfo, para orar na Mesquita de Al-Aqsa.

Os palestinos acreditam que o esquema israelense deverá fracassar, ao passo que poucos emiradenses realizam a viagem, talvez devido à divergência entre as posturas do governo e de seu povo, diante da normalização com Israel. Os turistas do Golfo provavelmente não deverão exceder os milhares ou mesmo as centenas esperadas. Entretanto, a iniciativa dos Emirados em Jerusalém poderá preceder de um plano saudita para comunicar-se com lideranças locais, a fim de assegurar uma base na cidade. Em contrapartida, haverá recusa dos árabes de Jerusalém para viajar ao reino.

Além do anúncio do plano israelense para trazer turistas emiradenses à cidade sagrada, a ong israelense Terrestrial Jerusalem revelou que a monarquia do Golfo concordou pela primeira vez em alterar o status quo de Al-Aqsa, ao permitir cultos judaicos no local e simultaneamente restringir acesso aos muçulmanos somente à mesquita, excluindo o restante do complexo religioso. É este o texto apresentado pelo recente acordo israelo-emiradense sobre a Mesquita de Al-Aqsa, o que desperta receios e temores sobre os recursos palestinos e jordanianos em Jerusalém. Tudo isso decorre do objetivo de conceder aos Emirados um novo papel em Al-Aqsa, capaz de contestar a presença jordaniana e palestina como gestores responsáveis pelos lugares sagrados da cidade.

Quem sabe, o principal foco de preocupação entre os árabes de Jerusalém seja justamente o péssimo histórico dos Emirados Árabes Unidos, sobretudo após a tentativa emiradense de vender casas e terras compradas de palestinos a associações coloniais judaicas. Tudo isso incita receios de que o próximo passo aponte para o início das obras do prometido templo judaico no complexo de Al-Aqsa, com contribuição direta das autoridades emiradenses, que já abriram um templo hindu em Dubai e uma sinagoga em Abu Dhabi.

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Ao mesmo tempo, Israel não hesitou em falar publicamente sobre assumir todas as medidas necessárias para erradicar atividades da Turquia em Jerusalém, ao alegar que os dias do Império Otomano acabaram e que a cidade ocupada não interessa aos turcos. A retórica israelense sugere ainda que a declaração do Presidente da Turquia Recep Tayyip Erdogan de que Jerusalém pertence a todos os muçulmanos é exagerada e infundada. Contudo, o que realmente indigna os palestinos são as notícias de um suposto apoio saudita-jordaniano à conspiração orquestrada pela potência ocupante.

Apesar dos projetos turcos em Jerusalém possuírem natureza econômica e filantrópica – pois Israel proíbe atividades políticas na cidade – a presença da Turquia em cena aborrece israelenses e árabes que buscam implementar sua própria influência na cidade santa. Isso inclui Jordânia e Arábia Saudita, dado que qualquer aumento na atuação da Turquia seja capaz de estreitar seus poderes e suas reivindicações religiosas como tutores dos lugares sagrados, mesmo embora Jerusalém represente uma causa a todos os muçulmanos, não somente árabes ou palestinos.

O projeto da ocupação é de fato motivado por receios expressados por diversos políticos e oficiais de segurança, diante da possibilidade da influência turca crescer cada vez mais entre os nativos. Tais temores retomam anos e anos, à medida que bandeiras e restaurantes turcos são vistos com frequência em diversos pontos da cidade. Por outro lado, a Turquia tornou-se um destino favorito a dezenas e milhares de cidadãos jerusalemitas, recentemente.

As informações sobre o plano israelense contra as atividades turcas em Jerusalém indicam que há um consenso entre diversos círculos de poder em Israel sobre a consideração de que a Turquia representa uma ameaça à segurança nacional israelense. Deste modo, porém, o estado ocupante arrisca atiçar ainda mais um incêndio já vigente, composto por tensões entre Ancara e Tel Aviv, em torno de pontos cruciais e controversos.

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As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.

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