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Netanyahu é sintoma, não causa da crise política em Israel

Primeiro-Ministro de Israel Benjamin Netanyahu, ao lado de Yossi Cohen, chefe do Conselho de Segurança Nacional e comandante máximo do serviço de inteligência Mossad, na chancelaria israelense, em 7 de dezembro de 2015 [Gali Tibbon/AFP/Getty Images]
Primeiro-Ministro de Israel Benjamin Netanyahu, ao lado de Yossi Cohen, chefe do Conselho de Segurança Nacional e comandante máximo do serviço de inteligência Mossad, na chancelaria israelense, em 7 de dezembro de 2015 [Gali Tibbon/AFP/Getty Images]

É conveniente pressupor que a atual crise política israelense é consistente com a infalível trajetória em compor governos curtos e coalizões facciosas. Embora esta tese possa ser defendida, mostra-se apressada.

Israel está hoje às vésperas de sua quarta eleição geral em menos de dois anos. Mesmo para os seus parâmetros políticos de crise após crise, trata-se de algo sem precedentes, não apenas em termos de frequência, mas também na mudança constante de possíveis coalizões e estranhas alianças. Parece que a única constante na composição do governo, após cada eleição, é a ausência deliberada e absoluta de qualquer partido árabe nos círculos do poder. A tomada de decisões em Israel é reservada historicamente às elites judaicas do país. É improvável que mude no futuro próximo.

Mesmo quando a coalizão árabe, chamada Lista Conjunta, impôs a si própria como possível determinante ao trono, após as eleições de setembro de 2019, a aliança centrista Azul e Branco (Kahol Lavan) recusou-se a juntar forças com políticos árabes para depor o premiê Benjamin Netanyahu. O líder do partido israelense, Benny Gantz, preferiu retornar às urnas em 2 de março deste ano e eventualmente coligar-se com seu arqui-inimigo, do que fazer qualquer mínima concessão aos parlamentares árabes.

A decisão de Gantz não apenas expôs como o racismo ocupa um papel central na política israelense, mas também ilustra sua própria estupidez. Ao rejeitar a Lista Conjunta, o ex-general efetivamente cometeu um ato análogo ao suicídio político. No mesmo dia em que filiou-se à coalizão liderada por Netanyahu, em 26 de março, sua própria aliança Azul e Branco simplesmente implodiu. Yair Lapid, do partido Yesh Atid, e Moshe Ya’alon, do Telem, romperam imediatamente com o grupo, certa vez dominante.

Pior ainda, Gantz não somente perdeu o respeito de seu próprio eleitorado, como também do público israelense como um todo. Segundo pesquisa de opinião conduzida pela emissora local Channel 12, divulgada em 15 de dezembro, caso as eleições fossem realizadas hoje, o partido Azul e Branco obteria apenas seis assentos dentre os 120 mandatos disponíveis, no Knesset israelense. O ex-parceiro de Gantz, Yesh Atid, segundo a mesma pesquisa, conquistaria até 14 assentos, número impressionante, dada a conjuntura.

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Embora a previsão mantenha o Likud no topo, com 27 parlamentares, a coligação Nova Esperança – União para Israel, liderada por Gideon Sa’ar, chegaria perto, com 21 representantes eleitos. O novo partido, não obstante, representa a primeira cisão majoritária do conservador Likud desde a ruptura do falecido premiê Ariel Sharon, que compôs a dissidência do Kadima, em 2005.

Netanyahu e Sa’ar compartilham entre si anos e anos de antipatia. Embora tudo seja possível na formação de alianças políticas israelense, uma futura coalizão de direita capaz de reuní-los é uma possibilidade distante. Caso Sa’ar tenha aprendido algo com a auto-imolação política de Gantz, é justamente o fato de que qualquer coalizão com Netanyahu representa um equívoco grave e dispendioso.

As diferenças ideológicas entre Netanyahu e Sa’ar são ínfimas. De fato, ambos disputam essencialmente o mesmo eleitorado, embora o Nova Esperança anseie por expandir seu apelo ao antigo público do Azul e Branco, que carrega consigo um sentimento profundo de traição, à espera de alguém – ou qualquer coisa – capaz de derrotar Netanyahu.

Nunca nas sete décadas de história do Estado de Israel, um único indivíduo serviu como foco de tantas correntes políticas distintas. Amado por alguns, detestado por outros, partidos inteiros e coalizões surpreendentes são formadas meramente para tentar remover Netanyahu da vida política. Sobretudo, a maioria dos israelenses concordam que trata-se de um homem corrupto, indiciado separadamente em três casos criminais.

Mas como um líder tão corrupto e controverso é capaz de permanecer no topo da política israelense por mais de 14 anos? A resposta típica costuma aludir às habilidades incomparáveis do premiê de manipular e instituir acordos nos bastidores. Nas palavras de Yossi Verter, ao jornal Haaretz, Netanyahu é um “embusteiro mestre de primeira classe”.

Entretanto, esta análise sozinha não é suficiente para explicar a longevidade de Netanyahu, como o maior primeiro-ministro israelense em tempo de serviço. Há uma leitura alternativa a ser feita, uma interpretação que decorre do fato de Israel navegar, já há algum tempo, em águas políticas inexploradas, sem qualquer destino em mente.

Antes da criação de Israel, sobre as ruínas da Palestina histórica, em 1948, as elites políticas judaicas frequentemente colidiam sobre a melhor maneira de colonizar a terra e lidar com o Mandato Britânico sobre o país, além de outras questões complexas. Tais divergências, contudo, basicamente desapareceram em 1948, com o recém-fundado país unificado sob a bandeira do Mapai – predecessor do Partido Trabalhista de Israel –, que dominou a política nacional por décadas e décadas.

A hegemonia do Mapai recebeu um enorme impulso após a ocupação israelense sobre o restante da Palestina, em 1967. A construção e expansão de novas colônias judaicas nos territórios recém-ocupados trouxe nova vida à missão dos pais fundadores do estado sionista. Era como se o sionismo, ideologia que criou Israel, fosse redescoberto.

Foi apenas em 1977 que a direita israelense, certa vez insignificante, conseguiu formar um governo próprio pela primeira vez. Aquele ano despertou uma nova era de instabilidade política no país, que agravou-se com o tempo. Não obstante, os líderes israelenses permaneceram amplamente comprometidos com três causas fundamentais, necessariamente nesta ordem: a ideologia sionista, os interesses do partido e os interesses próprios.

O assassinato do líder trabalhista Yitzhak Rabin, por um fanático israelense, em 1995, mostrou-se uma manifestação sangrenta da nova era de divisões sem precedentes que logo se sucedeu. Uma década depois, em 2005, Sharon declarou o “desengajamento de Gaza” e deteriorou ainda mais a frágil balança de poder no estado sionista, que resultou na formação do Kadima, uma verdadeira ameaça à própria existência do partido Likud.

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Nestes tempos turbulentos, Netanyahu esteve sempre presente, jogando efetivamente com o mesmo papel divisivo. Liderou a incitação contra Rabin e, posteriormente, desafiou Sharon pelo comando do Likud. Também foi responsável por ressuscitar o partido conservador e mantê-lo vivo, apesar da corrupção, nepotismo e trapaças políticas. Os membros do Likud sentem que, sem Netanyahu, a legenda seguirá facilmente o mesmo caminho de irrelevância ou ostracismo absoluto do Partido Trabalhista e Kadima, respectivamente.

Os pais fundadores de Israel estão todos mortos ou são irrelevantes hoje na arena política. Desta forma, é difícil determinar a rota assumida pelo estado sionista no futuro próximo.

Certamente, o romance entre o projeto colonial de assentamentos, o pretexto de segurança e as inúmeras guerras sobreviverá inabalado, pois representa o próprio alicerce da vida política israelense. Ainda assim, sem uma ideologia clara, sobretudo quando combinada com a falta de uma constituição por escrito, a política israelense tende a seguir refém dos caprichos de líderes controversos e seus interesses pessoais. Se não for Netanyahu, será algum outro. O atual premiê é sintoma e não causa da crise política no país.

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.

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