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‘Vida longa ao processo de paz’: Abbas prioriza EUA sobre união nacional palestina

Vice-Presidente dos Estados Unidos Joe Biden e Presidente da Autoridade Palestina Mahmoud Abbas apertam as mãos durante encontro no complexo presidencial de Ramallah, Cisjordânia ocupada, 10 de março de 2010 [Atef Safadi/Pool/Getty Images]
Vice-Presidente dos Estados Unidos Joe Biden e Presidente da Autoridade Palestina Mahmoud Abbas apertam as mãos durante encontro no complexo presidencial de Ramallah, Cisjordânia ocupada, 10 de março de 2010 [Atef Safadi/Pool/Getty Images]

Ninguém parece tão animado com a posse de Joe Biden como Presidente dos Estados Unidos como o Presidente da Autoridade Palestina Mahmoud Abbas. Quando toda a esperança se perdeu, quando Abbas viu-se desesperado por validação política e recursos financeiros, Biden chegou à cena como um cavaleiro heróico em um cavalo branco e levou o líder palestino de volta à segurança.

Abbas foi um dos primeiros líderes mundiais a parabenizar o candidato democrata por sua vitória nas eleições de novembro. À medida que o Primeiro-Ministro de Israel Benjamin Netanyahu adiou sua nota congratulatória, na esperança de que o aliado Donald Trump fosse ainda capaz de reverter os resultados, Abbas jamais permitiu-se sofrer de tamanhas ilusões. Considerando a humilhação sofrida pela Autoridade Palestina nas mãos da gestão Trump, Abbas nada tinha a perder. Para ele, Biden, apesar de seu longo affair com Israel, ainda representa um raio de esperança.

Mas pode a roda da história reverter seu curso? O futuro governo Biden já deixou claro que não revogará qualquer medida pró-Israel tomada pelo incumbente Donald Trump, mas Abbas mantém-se confiante de que, ao menos, será restaurado o “processo de paz”.

Trata-se de uma dicotomia impossível, pois como um “processo de paz” pode ter êxito, dado que todos os componentes de uma paz justa e abrangente já foram previamente erradicados?

É óbvio que não pode haver qualquer paz real, caso o governo dos Estados Unidos insista em reconhecer toda a cidade de Jerusalém como capital “eterna” de Israel. Não pode haver paz, caso os Estados Unidos continuem a financiar assentamentos ilegais israelenses ou o apartheid institucionalizado, conduzido pelo estado sionista. Não pode haver paz ao negar os direitos dos refugiados, lavar as mãos perante a anexação de fato em curso na Palestina ocupada e reconhecer as colinas de Golã, território sírio ocupado, como parte de Israel, dado que tudo permanece o mesmo, apesar de um novo governo.

O “processo de paz” dificilmente entregará alguma justiça ou paz sustentável no futuro, dado que já fracassou em fazê-lo nos últimos trinta anos.

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Ainda assim, apesar das duras e vastas lições do passado, Abbas decidiu outra vez apostar com o destino de seu povo e prejudicar a luta por liberdade e justiça. Não apenas Abbas constrói agora uma campanha envolvendo aliados árabes, isto é, Jordânia e Egito, para ressuscitar o “processo de paz”, como também recua de todas as suas promessas de revogar os Acordos de Oslo e encerrar a coordenação de segurança com Israel. Ao fazê-lo, Abbas traiu todos os termos apresentados nas conversas por união nacional, estabelecidas recentemente entre seu partido Fatah e o Hamas.

Conversas por união nacional entre os grupos palestinos rivais pareciam avançar com seriedade, em julho último, quando as principais facções políticas palestinas emitiram uma nota conjunta declarando intenção de derrotar o “acordo do século” de Donald Trump. A linguagem utilizada no comunicado recordou brevemente a retórica revolucionária destes grupos, utilizadas durante a Primeira e Segunda Intifada. Além disso, parecia que o Fatah enfim poderia re-orientar a si mesmo em torno das prioridades nacionais, ao abandonar o discurso político “moderado”, estabelecido em consonância com as promessas feitas pelo “processo de paz” dos Estados Unidos.

Mesmo aqueles que tornaram-se céticos e exaustos diante das acrobacias de Abbas e seus aliados palestinos cogitaram a possibilidade desta vez ser diferente, com esperanças de que os palestinos pudessem enfim concordar com uma série de princípios pelos quais poderiam expressar e canalizar sua luta por liberdade.

Estranhamente, o mandato de quatro anos de Trump na Casa Branca foi a melhor coisa que aconteceu à luta nacional palestina. Seu governo foi uma estrondosa e incontestável lembrança de que os Estados Unidos não são e jamais foram um mediador “honesto” e que os palestinos não podem priorizar sua agenda política para satisfazer as demandas israelo-americanas, a fim de angariar alguma validação política e apoio financeiro.

Trump e Oriente Médio [Sabaaneh/Monitor do Oriente Médio]

Trump e Oriente Médio [Sabaaneh/Monitor do Oriente Médio]

Ao cortar as doações americanas à Autoridade Palestina em agosto de 2018, logo após fechar a missão palestina em Washington, Trump libertou os palestinos das dores de uma equação política impossível. Sem a proverbial cenoura americana, a liderança palestina encontrou-se com a rara oportunidade nas mãos de arrumar a casa em benefício de seu próprio.

Infelizmente, estes esforços tiveram vida curta. Após múltiplos encontros e videoconferências entre o Fatah, Hamas e outras delegações de grupos palestinos, Abbas declarou enfim, em 17 de novembro, a retomada da “coordenação de segurança” entre a Autoridade Palestina e Israel. Em 2 de dezembro, Israel seguiu ao anunciar a liberação de mais de um bilhão de dólares em recursos palestinos, confiscados ilegalmente pelo estado sionista, como forma de impor pressão política.

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Tudo isso levou qualquer unidade palestina à estaca zero. Nesta altura, Abbas enxerga as conversas de união com seus rivais palestinos bastante inúteis. Dado que o Fatah domina a Autoridade Palestina, a Organização para a Libertação da Palestina (OLP) e o Conselho Nacional Palestino (CNP), conceder qualquer terreno ou compartilhar liderança com outras facções palestinas parece agora suicídio. Abbas tem certeza então de que o governo Biden voltará a presenteá-lo com o título de “parceiro de paz”, aliado dos Estados Unidos e liderança moderada, de modo que não é mais necessário buscar aprovação de seu próprio povo para tomar decisões. Dado que não há meio termo entre a agenda sionista e um projeto nacional palestino, Abbas optou efetivamente pelo primeiro e, sem hesitar, descartou o outro.

Biden não deverá satisfazer nenhuma das demandas do povo palestino ou reverter as medidas de seu predecessor, mas Abbas ainda pode beneficiar-se do que considera uma mudança sísmica na política internacional americana – não em favor da causa palestina, mas em proveito próprio e pessoal, de um líder jamais eleito cuja maior conquista é sustentar o status quo imposto pelos Estados Unidos e manter quieto o povo palestino sempre que possível.

Embora o “processo de paz” esteja morto, conforme declarado em diversas ocasiões, Abbas tenta agora ressuscitá-lo desesperadamente, não porque crê que a paz esteja próxima – assim como qualquer palestino racional –, mas devido à dependência existencial da Autoridade Palestina ao esquema político americano. A maioria dos palestinos nada ganhou com isso; porém, alguns poucos acumularam enorme fortuna, poder e prestígio entre as elites. Para este círculo, já é o bastante.

Autoridade Palestina anuncia retomada da cooperação de segurança com Israel [Sabaaneh/Monitor do Oriente Médio]

Autoridade Palestina anuncia retomada da cooperação de segurança com Israel [Sabaaneh/Monitor do Oriente Médio]

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.

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