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Retrocesso humilhante de Abbas foi decidido no ‘Dia da Independência’ da Palestina

Presidente da Autoridade Palestina Mahmoud Abbas, em Ramallah, Cisjordânia ocupada, 11 de novembro de 2019 [Issam Rimawi/Agência Anadolu]
Presidente da Autoridade Palestina Mahmoud Abbas, em Ramallah, Cisjordânia ocupada, 11 de novembro de 2019 [Issam Rimawi/Agência Anadolu]

Não foi surpresa alguma ver a Autoridade Palestina retomar sua cooperação de segurança com as forças da ocupação israelense. O que surpreendeu, no entanto, foi justamente ver o Presidente Mahmoud Abbas, cujo mandato terminou há anos, escalar suas ameaças pelo fim da cooperação de segurança com Israel, revogação dos Acordos de Oslo e retorno à postura de resistência popular. Entretanto, como diz o Primeiro-Ministro de Israel Benjamin Netanyahu, Abbas sempre sobe na árvore e é convencido a descer. Abbas retrocedeu novamente, mas quando decidiu fazê-lo?

Abbas aumentou o tom em meados de maio, quando Netanyahu anunciou a anexação da Cisjordânia ocupada. Seu recuo, porém, sucede o anúncio de 1.257 novas unidades de assentamentos ilegais, em uma área perigosamente estratégica, que serve ao plano sionista de isolar Jerusalém Oriental de seus arredores palestinos, a fim de expulsar a população nativa e instituir plena colonização exclusivamente judaica da Cidade Santa. Jerusalém, desta forma, jamais poderia tornar-se capital de qualquer futuro estado palestino. E sabemos muito bem que as forças de segurança da Autoridade Palestina efetivamente protegem o mais novo projeto e outros assentamentos coloniais, como sempre fez.

Trata-se apenas de mais outra variação do “acordo” estabelecido para fragmentar a Palestina ocupada e apartar seu povo, a fim de apagar a presença dos palestinos de sua própria terra natal. Sim, Israel viola reiteradamente leis internacionais, convenções e resoluções do Conselho de Segurança da ONU, mas a entidade global jamais realmente concedeu justiça aos palestinos, usurpados de forma flagrante pela colonização sionista, diante dos olhos de todos para todo o mundo ver. Ninguém jamais respondeu aos apelos por ajuda do povo palestino. De fato, a ONU e a “comunidade internacional” legitimaram a ocupação israelense, em franco detrimento aos direitos dos palestinos.

Dessa forma, a derrocada de Abbas é irônica, sobretudo porque decidiu conduzir a medida justamente no simbólico Dia da Independência da Palestina. Trata-se de um movimento absolutamente infeliz. A Declaração de Independência, com Jerusalém como capital, representou um evento histórico importante, ao ser anunciada na Argélia, em 1988; compôs a fundação estratégica sobre a qual o caminho para a formação de um estado palestino seria construído. Dezenas de países reconheceram o direito dos palestinos por independência, mas o sonho jamais se materializou, graças (em grande parte) aos líderes do movimento Fatah. Tudo começou com sua assinatura da Declaração da Independência, a partir do Conselho Nacional Palestino, e culminou na falácia de Oslo, consentida por Yasser Arafat, que levou à perda do pouco que restava da Palestina histórica. Agora, Abbas aniquila este sonho ao retomar a coordenação de segurança com Israel, na data de aniversário da suposta independência, ao substituí-lo por um verdadeiro pesadelo.

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Muitos não sabem que o poeta palestino Mahmoud Darwish foi quem redigiu a Declaração de Independência, razão pela qual expressa tamanha esperança e ímpeto revolucionário. Diante de uma realidade ilustrada pelos olhos dos poetas, vejo-me também alinhada plenamente a todos os sonhadores, que desejam retornar enfim à Palestina. Para nós, não trata-se apenas de um área geográfica, mas uma longa história com raízes profundas na terra, que atestam a luta de um povo, cujo sangue derramou-se pelo solo – porém, tudo perdido pelos Acordos de Oslo e sua vitória de Pirro. Grotescamente, os porta-vozes da Autoridade Palestina alegaram que restaurar a coordenação de segurança com Israel é uma vitória aos palestinos.

Ironia sobre ironia define este comportamento. A Autoridade Palestina e muitos outros reclamam amargamente dos acordos de normalização entre Israel e alguns estados árabes, ao descrevê-los como “facada nas costas” do povo palestino, que de fato são. A Palestina, insistem, é a questão central a todos os árabes. Contudo, a Autoridade Palestina devolve agora seus embaixadores aos Emirados Árabes Unidos e Bahrein, ao celebrar o recuo como “vitória histórica”. A retórica implora por verossimilhança.

Esta humilhante e constrangedora falta de coragem por parte da Autoridade Palestina incita efetivamente os países árabes a acelerar os processos de normalização com Israel. Enxergam hoje que a autoridade criada por Oslo de fato consente com a ocupação e vendeu os palestinos por migalhas jogadas da mesa da colonização. A coordenação de segurança conduzida pela Autoridade Palestina é pior do que todos os acordos de normalização, postos juntos. Obedecer Israel é mais vergonhoso que qualquer coisa feita pelos estados árabes que consentiram com a normalização, até então.

Palestinos protestam contra a normalização com Israel, na Faixa de Gaza, 15 de setembro de 2020 [Said Khatib/AFP/Getty Images]

Palestinos protestam contra a normalização com Israel, na Faixa de Gaza, 15 de setembro de 2020 [Said Khatib/AFP/Getty Images]

Sim, a Palestina é a questão central para os árabes – ou foi, certa vez –, mas quem a reduziu meramente à questão palestina? Quem a colocou especificamente sob controle da Organização para a Libertação da Palestina (OLP), controlada pelo Fatah, que sozinha define seu destino?

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Historicamente, a Palestina é uma causa islâmica, então foi convertida a causa árabe, após a criação da Liga Árabe. Em seguida, o corpo impotente voltou a reduzí-la à gestão da OLP e anunciou a entidade política como única representante do povo palestino. Todas estas decisões negligenciaram os direitos palestinos e desperdiçaram uma longa história de luta, ao vender o sangue dos mortos aos Acordos de Oslo, em nome de uma “Autoridade Nacional Palestina”, contudo, sem nação ou mesmo autoridade. A Autoridade Palestina é nada senão um braço dos serviços de segurança de Israel, a fim de proteger os israelenses, inclusive colonos, e manter a estabilidade para o estado da ocupação.

A realidade é que, mesmo quando Abbas sobe na árvore, a coordenação de segurança não para por um instante sequer. Alegações contrárias são parte da falácia que certamente despertou a indignação dos palestinos diante da decisão israelense de impor a anexação. Os planos de anexação não foram cancelados, é claro, apenas postergados. Neste meio tempo, o que Abbas chama de coordenação “sagrada” permanece como razão da mera existência da Autoridade Palestina, paga com dinheiro israelense, manchado com sangue de seus próprios cidadãos.

Para que este engodo sobreviva, da forma como Abbas quer, foi preciso antes um anúncio histórico de reconciliação entre as diversas facções palestinas, para enfim realizar novas eleições legislativas e presidenciais. O Hamas acreditou nisso e reuniu-se com os líderes do Fatah na Turquia, onde consentiram em implementar eleições livres dentro de seis meses. Escrevi, na ocasião: “É difícil acreditar que esta reconciliação seja possível entre as partes, que caminham a direções opostas, mesmo caso implorem aos partidos para que mudem seu curso e sigam o outro. Isso deveria ao menos criar um ponto de encontro, no qual a reconciliação não seria apenas possível, mas obrigação”.

O Hamas caiu na arapuca de Abbas, ao concedê-lo cobertura nacional para ganhar alguma vantagem em termos de negociação com Israel e Estados Unidos. Assim que Donald Trump perdeu sua eleição presidencial, a reconciliação desapareceu, junto de uma série de falsas promessas. Essencialmente, Abbas usou o Hamas e o resto da resistência palestina como espantalho para assustar os israelenses e americanos, para que então pudesse descer da árvore com tranquilidade.

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Algumas redes de imprensa reportaram encontros secretos entre a Autoridade Palestina e lideranças israelenses, além de mensagens trocadas entre as partes. Aviv Kochavi, chefe do Estado-Maior do Exército de Israel, compareceu a uma destas reuniões e o Ministro da Defesa Benny Gantz monitorou pessoalmente as comunicações com os palestinos. Em 17 de novembro, Hussein al-Sheikh, chefe da Autoridade Geral de Assuntos Civis da Palestina, encontrou-se com Kamil Abu Rukun, coordenador de Atividades do Governo de Israel nos Territórios Palestinos, a fim de debater a restauração da coordenação civil e policial com Israel. As conversas culminaram na restituição do status quo anterior a 19 de maio.

Os encontros ocorreram em segredo, paralelamente aos supostos esforços de reconciliação entre os grupos palestinos, conduzidos publicamente para todo o mundo ver. Seu ato final foi a reunião realizada no Cairo, capital do Egito, em meados de novembro.

O engodo e a malícia da Autoridade Palestina são suas posturas habituais, dado que nasceu da mentira e alimentou-se da submissão. O que realmente surpreende, no entanto, é a posição do Hamas e outras organizações palestinas em aceitar a humilhação por parte do Fatah.

“Caso Abbas fosse realmente honesto em reconciliar-se com o Hamas, em nome da unidade do povo palestino, e não somente para obstruir os caminhos de seu rival, Mohammed Dahlan, preparado por israelenses e aliados árabes sionistas para substituí-lo, rasgaria então os Acordos de Oslo”, escrevi no artigo citado anteriormente. “[Abbas] deveria pôr seu rifle sobre o ombro e vestir o keffiyeh palestino, símbolo de orgulho e dignidade, a fim de curar as fraturas e reunificar os palestinos. Somente assim poderiam resistir diante dos atuais desafios, não apenas perante os termos injustos do chamado ‘acordo do século’. Fará isso? Provavelmente, não. Mas caso o faça, tiro meu chapéu para ele e curvo-me à sua liderança, junto de todo o povo livre do mundo, em agradecimento e respeito”.

Bom, não preciso comprar um chapéu, pois Mahmoud Abbas manteve a consistência e traiu seu próprio povo. Agora, mais do que nunca, é preciso mudar toda a liderança.

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.

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