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O cerco de US$16 bilhões de Israel sobre Gaza

Palestinos de Gaza aguardam em fila com seus veículos para passar pela travessia de fronteira de Rafah, na Cidade de Gaza, 2 de novembro de 2020 [Ali Jadallah/Agência Anadolu]
Palestinos de Gaza aguardam em fila com seus veículos para passar pela travessia de fronteira de Rafah, na Cidade de Gaza, 2 de novembro de 2020 [Ali Jadallah/Agência Anadolu]

Um novo relatório divulgado pela Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD), sobre a situação na Faixa de Gaza, traz uma leitura assombrosa.

A agência da ONU reporta que o custo econômico do cerco israelense sobre Gaza, imposto desde 2007, junto de uma série de ofensivas militares de larga escala, equivale a não menos do que US$16.7 bilhões em prejuízo à economia local.

O cerco teve início como forma de punir os palestinos por recusarem votar em candidatos escolhidos por Israel, nas eleições organizadas pela Autoridade Palestina, em 2006.

O movimento de resistência palestina Hamas venceu as eleições de modo decisivo; ainda assim, buscou unidade e comprometimento, isto é, ao compor um governo de união com outras facções palestina. Contudo, o Fatah – que dominava a Autoridade Palestina até o momento – rejeitou a abertura.

Ao contrário, facções do Fatah, lideradas por Mohammed Dahlan, brutal comandante de Gaza, lançaram uma tentativa de golpe, orientada e apoiada pela CIA, com aprovação dos israelenses. O então Presidente dos Estados Unidos George W. Bush chegou a referir-se a Dahlan como “nosso cara”.

Mas o Hamas – governo escolhido via eleições livres para gerir a Autoridade Palestina – previu a iminência do golpe e o cortou pela raiz na própria Faixa de Gaza. Dahlan e suas tropas foram expulsos da região, onde se baseava quase toda a capacidade militar do movimento de resistência palestino.

O golpe do Fatah, com suporte israelo-americano, no entanto, foi bem-sucedido na Cisjordânia ocupada. A Autoridade Palestina desde então não realiza eleições e o mandato como presidente de seu líder, Mahmoud Abbas, expirou há anos. Pesquisas indicam que Abbas é profundamente impopular entre os palestinos, que reivindicam sua renúncia.

Hoje, após disputas com Abbas sobre acusações de corrupção, Dahlan vive exilado nos Emirados Árabes Unidos, onde é financiado tanto pelo regime de Abdel Fattah el-Sisi, que tomou o poder no Egito via golpe militar, quanto pelo príncipe herdeiro de Abu Dhabi, Mohammed Bin Zayed – a quem serve como conselheiro estratégico.

Tais ditadores regionais alinhados aos Estados Unidos amariam ver Dahlan investir e tomar o controle da Autoridade Palestina, logo após a morte de Mahmoud Abbas, um líder de 85 anos sem qualquer sucessor óbvio. O histórico de Dahlan em reprimir e torturar partidários do Hamas e outros grupos de resistência palestina poderia ser útil às ditaduras árabes.

Evidentemente, Israel também amaria vê-lo tomar o poder, pelas mesmas razões. Segundo relatos, Dahlan projetou grande influência na recente decisão dos Emirados de normalizar plenamente suas relações com o estado sionista. Informações também indicam que Dahlan esteve envolvido em assassinatos clandestinos cometidos no Iêmen, ao contratar mercenários israelenses para executar operações à paisana.

Diante deste agitado drama político, o povo de Gaza continua a sofrer.

Após a vitória eleitoral do Hamas, em 2006, os israelenses tomaram a decisão fria e calculista de manter os civis palestinos eternamente à margem da fome – “para colocar os palestinos na dieta”, nas infames palavras de um assessor sênior do premiê israelense, na época.

É como tudo começou. Trata-se do cerco de “calorias” mantido por Israel contra a Faixa de Gaza. E este é o verdadeiro custo do sionismo: manter um estado exclusivamente judaico em um país onde a maioria da população não é judaica, por meio de atrocidades e força bruta.

Grupos de direitos humanos revelaram que oficiais de saúde israelenses decidiram deliberadamente começar a contar o mínimo de calorias necessárias pelos habitantes de Gaza para evitar a desnutrição em massa. A medida traduziu-se então no número restrito de caminhões de alimentos que Israel supostamente permite entrar no pequeno território palestino, em base diária.

Nas palavras do assessor político israelense Dov Weissglas: “A ideia é colocar os palestinos em uma dieta, não fazê-los morrer de fome”. Segundo consta, não há qualquer objeção à inanição do povo palestino, exceto pela falta de apelo às sensibilidades liberais dos países ocidentais, com os quais conta Israel para apoio político e militar.

O cerco a Gaza continua da mesma maneira sangrenta desde então. Além de impor uma “dieta” aos palestinos, os estrategistas israelenses tomaram gosto por um outro eufemismo mortal: “aparar a grama”. Trata-se evidentemente de uma terminologia deplorável e uma forma de desumanizar os palestinos, a fim de impor guerras periódicas contra os habitantes de Gaza.

A população da Faixa de Gaza cresce exponencialmente. Quando o cerco começou, eram aproximadamente 1.5 milhão de pessoas. Hoje, já são 2 milhões de palestinos no pequeno território litorâneo. A “grama” – isto é, as pessoas – têm de ser frequentemente “aparadas” pelo Exército de Israel. O custo humano, portanto, é também imenso. Entretanto, para o estado supremacista sionista, as vidas palestina não importam.

Somente na guerra israelense de 2014, em torno de 2.200 palestinos – a maioria civis – foram mortos por Israel, dentre os quais 551 crianças. A fim de comparação, quando facções da resistência palestina decidiram reagir em defesa, quase todas as baixas causadas eram soldados, contabilizando apenas 73 israelenses.

E quem é o verdadeiro terrorista?

O custo econômico de US$16 bilhões sobre Gaza, ao longo da década entre 2007 e 2018, é enorme, mas nada comparado às vidas devastadas pela pura brutalidade de Israel e seus habituais crimes de guerra.

Sobre os efeitos combinados do cerco e os sucessivos ataques israelenses contra a Faixa de Gaza, afirma o relatório da UNCTAD: “O resultado é o quase colapso da economia regional de Gaza e seu isolamento em relação à economia palestina e o resto do mundo.”

Confirma ainda: “Sem o fechamento e as operações militares, a taxa de pobreza em Gaza, em 2017, poderia ser de 15%, menos de um quarto do índice atual de 56%. O hiato de pobreza [cálculo aproximado para erradicação da pobreza] poderia ser de 4.2%, apenas um quinto do índice atual de 20%”.

A maioria das organizações sionistas sempre propagandeou abertamente seu projeto, de modo tipicamente colonial, como algo bom à população nativa, no caso, árabes palestinos.

Mas a realidade é o exato oposto. É por isso que todos os palestinos – exceto alguns colaboradores – são expressamente antissionistas. Os palestinos e ativistas solidários não se opõem ao sionismo por este se apresentar como projeto judaico. São antissionistas porque o sionismo é antipalestino.

O sionismo, na prática, é racismo. Para que haja paz na Palestina, este regime racista deve acabar.

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.

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