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Cestas básicas como propaganda à normalização do apartheid

Bairro de Paraisópolis em São Paulo [Vilar Rodrigo/ Wikipedia]
Bairro de Paraisópolis em São Paulo [Vilar Rodrigo/ Wikipedia]

Uma aula de como usar toda uma comunidade carente para enviar imagem positiva sobre o crime da normalização do apartheid israelense. É o que promoveram nesta quinta-feira, 19 de novembro, na favela de Paraisópolis, zona sul de São Paulo, Emirados Árabes Unidos e Israel – os quais, sob a tutela de Trump, assinaram em setembro deste ano acordo de paz vergonhoso, restabelecendo relações diplomáticas e econômicas com o estado sionista. Em meio à campanha de BDS (boicote, desinvestimento e sanções) e contínua expansão colonial agressiva na Palestina ocupada, abriram as portas à nova etapa de normalização entre Israel e os estados árabes. Mais uma fase na cumplicidade desses regimes, que insistem em “vender” a Palestina, como denunciam palestinos e aliados, desde a Nakba (catástrofe) com a criação do Estado de Israel em 15 de maio de 1948.

A iniciativa conjunta em São Paulo, através dos consulados dos Emirados Árabes Unidos e de Israel, foi a primeira do gênero no Brasil. Com a presença de seus representantes devidamente registrada pela mídia convencional, levaram em um caminhão 150 cestas básicas à favela de Paraisópolis. Aidwashing para ninguém botar defeito.

O termo significa “lavar de ajuda”. É parte dos instrumentos de propaganda oficial sionista – agora juntamente com a normalização emiradense – para encobrir seus crimes contra a humanidade. O investimento em mecanismos como esse tem sido elevado. Historicamente as duas maiores inversões israelenses, milionárias, são na militarização e em relações públicas. Não poderia ser diferente: ambas servem como sustentáculo à ocupação, colonização e apartheid na Palestina.

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Como não poderia deixar de ser, um dos que noticiou a “ação de caridade” foi o portal R7, pertencente à rede de comunicação do bispo da Igreja Universal do Reino de Deus, Edir Macedo. Não à toa coloca-se como porta-voz de Bolsonaro. Com templos inclusive em Israel, está entre as que promovem o sionismo cristão, o qual cresce de forma preocupante inclusive nas comunidades mais pobres no Brasil.

Não é preciso andar muito em Paraisópolis para enxergar essa realidade. São inúmeras igrejas evangélicas neopentecostais com a bandeira sionista nas paredes. O discurso enganoso de suas lideranças tem enganado frequentadores, que buscam alívio e conforto na religião, fazendo com que enxerguem Israel como a terra prometida, local do povo eleito por Deus. Nessa direção, o aidwashing ganha dimensão ainda maior.

O portal R7 traz na reportagem declaração do cônsul de Israel em São Paulo, Alon Lavi, segundo o qual a iniciativa conjunta revela que o “acordo de paz” veio para ficar. “É algo de repercussão mundial. Essa ação de Israel e dos Emirados é como deve ser a paz. Dois países se unindo para ajudar comunidades de um terceiro, no caso o Brasil.”

“A paz e a compreensão são forças tão poderosas que chegam a todas as partes do mundo. O que vocês estão testemunhando aqui é fruto desse momento histórico”, afirmou à Folha de S. Paulo, na mesma linha, o cônsul dos Emirados Árabes Unidos, Ibrahim Salem Alalawi à entrega das cestas básicas para o aidwashing. O R7 informa que nesta sexta-feira, 20 de novembro, outras 250 serão entregues nas favelas de Heliópolis e Vila Prudente, respectivamente nas regiões sudeste e leste de São Paulo.

Duas faces da mesma moeda

O aidwashing nas comunidades se torna ainda mais asqueroso do que já é. Afinal, as armas nas mãos das polícias que promovem o genocídio pobre e negro nesses locais também são israelenses. Essa é uma denúncia constante do BDS, que tem buscado fortalecer na América Latina a campanha por embargo militar à ocupação. Treinamento e tecnologias da morte testadas sobre as cobaias que Israel converte os palestinos todos os dias são, depois, vendidos para o mundo – e o governo paulista tem sido cliente cada vez mais assíduo.

Sua última aquisição, com entrega prevista inicialmente para este ano de 2020, foram dez metralhadoras Negev 762 da Israel Military Industries (IWI), calibre 7,62x51mm, para as Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar (Rota), das que mais matam no mundo. Recordista em mortes em 2019 por intervenções policiais, essa unidade de elite da Polícia Militar paulista ampliou o sangue em suas mãos em 98% em comparação ao ano anterior. A informação consta de reportagem do portal G1. Baseia-se no Relatório Anual da Ouvidoria das Polícias, divulgado em 6 de fevereiro último.

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As metralhadoras custaram, juntas, cerca de meio milhão de reais. Valor muitíssimo superior às cestas básicas para o aidwashing, ostentadas na mídia convencional. Para uso em campo aberto, têm alto poder de letalidade: disparam entre 600 e 750 balas por minuto. Portanto, têm, como enfatiza o BDS Brasil, potencial para “promover verdadeiros massacres em áreas residenciais densamente povoadas, como as favelas de São Paulo, em que vivem mais de 2 milhões de pessoas. Ou seja, mais dor e derramamento de sangue e lágrimas dos povos palestino e brasileiro, principalmente, pobre e negro”.

Paraisópolis, assim como outras comunidades, conhece bem essa realidade. Um dos massacres recentes amplamente noticiado aconteceu na madrugada de 1º. de dezembro de 2019, quando nove jovens entre 14 e 23 anos que se encontravam em um baile funk perderam a vida em ofensiva da Polícia Militar. A bandeira palestina se fez presente por justiça e contra a violência policial que ocorreu no local – como é praxe em todas as lutas contra a opressão e exploração –, denunciando que o sangue palestino pelas mãos da ocupação serve ao derramamento do sangue pobre e negro. E vice-versa. Seja via treinamento ou armas.

Embora a entrega das cestas básicas pelos Emirados Árabes Unidos e Israel apresente imagem distinta, não passa de outra face da mesma moeda. Denunciar e repudiar o aidwashing nas comunidades é expressão da solidariedade entre os oprimidos e explorados. É elevar as vozes no clamor de que vidas palestinas, negras e indígenas importam.

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As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.

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