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Todos os olhos sobre a Venezuela – Entrevista com o deputado venezuelano Julio Cháves

Deputado Júlio Cháves em Santiago de Cuba na pedra de Fidel Castro [Foto arquivo pessoal]
Deputado Júlio Cháves em Santiago de Cuba na pedra de Fidel Castro [Foto arquivo pessoal]

Um dos países que mais abertamente demonstram sua amizade e solidariedade com a Palestina no continente, a Venezuela caminha para eleições tensas, que se refletirão nas suas relações com o resto do mundo. 

O deputado Júlio Chaves fala da interferência externa, apoiada pela oposição, como um fator que tenta mudar os rumos da política e controlar seus recursos, o petróleo em especial. E do desejo da extrema direita,  que não queria eleições,  de que Donald Trump, que disputa mais um mandato nos Estados Unidos, adote até mesmo ações de guerra contra a Venezuela para agradar seu eleitorado na Flórida.

Por outro lado, o deputado afirma que a resistência do chavismo  sobrevive à forte crise econômica e à pandemia de covid-19,  para vencer as eleições. E com elas reafirmar o apoio à resistência palestina, contra os planos de Israel e dos EUA de anexação de suas terras. 

Por tudo que está em jogo, as eleições venezuelanas serão observadas de perto e a transparência será importante para que o processo seja reconhecido e respeitado. É sobre este momento que o deputado Júlio Chaves fala ao Monitor do Oriente Médio.

Qual a relação da interferência dos  EUA na política geral para a América Latina? O que e com quem os EUA estão disputando?

Acreditamos que a interferência dos Estados Unidos se dá hoje em virtude do desmoronamento de sua própria hegemonia econômica, da perda de quase 40 milhões de empregos nos Estados Unidos devido à pandemia de covid-19, que não podem ser recuperados e da queda de 7.5% do PIB de sua economia,  em virtude do processo de recessão econômica. E pelo fato de que não foi capaz em 20 anos de derrubar nosso governo, em princípio do comandante Hugo Chávez e agora de Nicolás Maduro. Os EUA reiniciaram os ataques contra a Venezuela na América Latina porque consideram como ameaça sua grande riqueza, tanto energética quanto em minerais estratégicos, somada ao fato de que a Venezuela representa um projeto alternativo ao neoliberalismo, com políticas públicas, sociais e inclusão.

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 Em dezembro deste ano serão realizadas as eleições parlamentares. Na última eleição (2015) dois milhões de eleitores decidiram ficar em casa e não votar, e a oposição ganhou.  Isto pode se repetir agora?

Em 2015, de fato dois milhões de chavistas não saíram para votar. Em março de 2013, morreu o presidente Hugo Chavéz. Isso, desmobilizou e entristeceu uma massa importante de chavistas e cometemos alguns erros táticos na campanha de 2015. Assim, perdemos a maioria na Assembleia Nacional,  a oposição  praticamente utilizou esse capital político, em seu desespero para derrotar o governo, para prometer que soluções viriam em questão de meses, e que eram coisas que iam contra nossa Constituição.

Quando a oposição promoveu os ataques a instituições ensino e hospitais, acreditava que, ao aterrorizar o povo, conseguiria convertê-lo em opositores do presidente Maduro. Isso não ocorreu, porque apesar da situação difícil que enfrentamos, a falta de luz elétrica, gasolina, remédios e alimentos, produto do bloqueio imposto, que afeta a imensa maioria do povo venezuelano,  e apesar da pandemia de covid-19, estamos convencidos de que corrigimos os erros de 2015 e trabalhamos nos últimos três anos para afinar a poderosa máquina eleitoral de nosso partido na Venezuela, ao incorporar elementos tecnológicos e afins, para visualizar melhor o padrão eleitoral do país

Qual a expectativa para estas eleições?

Estamos convencidos e estamos trabalhando dia e noite para conseguir uma vitória majoritária em dezembro, que moralize nossa força revolucionária e enterre politicamente a oposição venezuelana, para que possamos trabalhar junto de nossos aliados no mundo em função da prosperidade e do desenvolvimento pós-covid-19. Precisamos nos acostumar com essa nova normalidade, mas temos a maior reserva energética e recursos com os quais ir adiante, e só falta derrotar via eleitoral a oposição do país, e consequentemente dar vazão a uma era de prosperidade.

Melhoramos nossa organização, enquanto a oposição está praticamente dividida. Alguns setores pedem as eleições enquanto outros dizem que não. Estes esperam que Trump, em meados de outubro, um mês antes das eleições nos Estados Unidos, tente angariar o apoio eleitoral do estado da Flórida, até mesmo com uma agressão militar contra Venezuela, via incursões de tropas colombianas, ou de mercenários contratados. Esperam que isso vá mobilizar seu eleitorado e evitar a perda das eleições em novembro.

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O presidente Nicolás Maduro decidiu conceder uma série de indultos aos líderes da oposição venezuelana. Existe alguma chance de um acordo nacional, considerando as pressões externas contra Maduro?

Nós queremos, aqui na Venezuela, ir às eleições. Queremos que a diferença entre o governo e a oposição seja dada pela via eleitoral, por meio dos votos. O presidente Nicolás Maduro exerceu um ato de magnitude política, de altura política, ao decidir de forma soberania dar indulto a quase 110 pessoas, dirigentes da oposição em maioria. Por certo, o indulto é diferente da anistia, pois não anula o delito pelo qual foram detidos. Muitos deles estão envolvidos em associação criminosa para conspirar, promover atos terroristas,  atentados contra infraestrutura e casas, delitos que não foram anulados; mas como se trata de reconciliação   conseguimos convocar o poder eleitoral, como solicitou a oposição venezuelana,  Além disso, esse processo eleitoral será o mais observado no mundo inteiro, porque a despeito das dificuldades presentes, produto das medidas de saúde e segurança, será realizado com processos cada vez mais transparentes para desenvolver-se como exercício reconhecido do poder eleitoral venezuelano

Existe um grande conflito civil na Venezuela. O que o governo tem feito para amenizar essa situação?

Há uma série de ações de uma parte da oposição da Venezuela, a extrema-direita, que é muito violenta e discorda das eleições e do diálogo, e que deseja derrotar nosso governo para poder entregar aos Estados Unidos toda a reserva energética que possuímos.  Então, com efeito, há este setor neofascista e terrorista, ao qual não interessa a paz na Venezuela, mas somente seus interesses econômicos, porque se venderam a favor da política da Casa Branca. Esse setor é minoritário e seguramente será derrotado por um setor majoritário da oposição que, apesar de adverso ao governo, não deseja entrar em uma situação de confrontação, de guerra civil. Por tal razão, é tão importante a eleição de dezembro, para que possamos legitimar nosso processo eleitoral, pois mais da metade do povo venezuelano deverá votar, apesar das dificuldades apresentadas pela pandemia de covid-19. Queremos assim que essa mensagem de diálogo chegue a uma parte da oposição, assim como à maioria da população chavista, de que serão alcançados os potenciais da Venezuela.

Qual a relação da Venezuela com a Palestina?

As relações da Venezuela com o povo palestino são de respeito, solidariedade, complementaridade, de apego ao direito internacional e ao princípio de autodeterminação. E damos demonstrações concretas. Em 6 de janeiro de 2009, o comandante Hugo Chávez rompeu relações com o estado sionista de Israel, expulsou toda a missão diplomática de Israel e chamou de volta a missão venezuelana que estava em Israel. Além disso, instaurou uma política de apoio ao povo palestino. Em 2018, foi construído de maneira conjunta o centro oftalmológico Hugo Chávez em Ramallah para atender as necessidades da população palestina. Temos também um programa de bolsa de estudos, no âmbito estudantil internacional, para palestinos na Venezuela. Até o ano de 2019, foram concedidas 204 bolsas gratuitas para estudantes palestinos graduados na Venezuela que regressam à Palestina para exercer medicina em sua terra. Além disso, estabelecemos um convênio para trazer médicos palestinos para se especializarem e atenderem pacientes na Venezuela e enviamos insumos médicos muito importantes, toneladas de ajuda humanitária, da Venezuela à Palestina e também vice-versa. Vemos a Palestina como um bastião fundamental de dignidade e uma trincheira anti-imperialista no Oriente Médio, que suporta as agressões não somente do estado sionista de Israel, mas também da OTAN, da União Europeia e evidentemente dos Estados Unidos da América.

Deputado Júlio Cháves na Conferência de Al Quds na Malásia, [Foto aquivo pessoal, janeiro/2020]

Deputado Júlio Cháves na Conferência de Al Quds na Malásia, [Foto aquivo pessoal, janeiro/2020]

Qual sua análise sobre o acordo do século  proposto Trump?

Preservamos a posição histórica da Venezuela de respeitar o direito internacional e o princípio de autodeterminação e acreditamos que somente o povo palestino deve decidir sobre seu próprio destino. Internacionalmente, sempre acompanhamos e apoiamos a causa palestina e queremos também preservar a possibilidade da solução de dois estados. Repudiamos aquilo que chamaram de acordo de século, assim como a continuidade das agressões que definitivamente prejudicam o reconhecimento do povo palestino e o avanço à solução de dois estados, proposta pelas Nações Unidas e pelo Conselho de Segurança, e acreditamos que tal plano jogará mais gasolina nos incêndios do Oriente Médio. Essa ingerência de outros estados nos assuntos internos, que apenas palestinos e palestinas podem solucionar, essa ingerência não ajuda em nada a consolidar a paz na região.

Qual sua opinião sobre o  plano de anexação de israel?

Como determinado em todas as conferências que participei, dos parlamentares por al-Quds, em solidariedade ao povo palestino, neste ano, em Caracas, realizou-se o Encontro Mundial Anti-Imperialista. E justamente neste ano de 2020, produziu-se uma declaração unânime de mais mais de mil delegados internacionais de 78 países que participaram deste encontro mundial em Caracas, em solidariedade com a causa palestina, repudiando todas as intenções de anexação que não ajudam a criar condições mais favoráveis a avançar o processo de negociação direta entre palestinos e, nesse caso, autoridades do governo israelense, para chegar a um acordo na região. A anexação fato viola o direito internacional, o princípio de autodeterminação, a soberania da Palestina e, em último caso, representa uma escalada de agressões do imperialismo norte-americano e sionista contra o povo palestino. Repudiamos qualquer ingerência de outros países, qualquer projeto de anexação, que impeça o reconhecimento e a existência do estado palestino e, sobretudo, o reconhecimento de Jerusalém como capital eterna do estado palestino

Como se encontra hoje a ação internacional pela Palestina?

Além do Encontro Mundial Anti-Imperialista realizado aqui, que contou com a maioria de delegados internacionais em solidariedade ao povo palestino, creio que devemos intensificar as cadeias internacionalistas a favor do povo palestino. Nos parlamentos do mundo, e sobretudo nos movimentos sociais e partidos de esquerda da América Latina e Caribe, devemos disseminar conhecimento sobre a história do povo palestino perante a ocupação do estado sionista de Israel, desde sua criação em 1948, com a produção de documentários, livros e textos.

Creio que devemos promover, como uma força na América Latina, a necessidade de governos progressistas no continente e assim trabalhar para mudar a correlação de forças na região e, de fato, países como Brasil, Equador, Chile, Peru, Colômbia e outros países da região poderão ser geridos por governos progressistas que unifiquem a posição contrária a agressão militar e terrorista de Israel contra a Palestina.

Devemos fazer com maior frequência encontros na América Latina de modo que possamos organizar uma vertente por Al-Quds na América do Norte, América Central e  na América do Sul.

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