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Paquistão precisa de uma nova política para o Oriente Médio, diante da nova realidade

Primeiro-Ministro do Paquistão Imran Khan discursa na 74ª sessão da Assembleia Geral da ONU, em Nova Iorque, Estados Unidos, 27 de setembro de 2019 [Timothy A.
Primeiro-Ministro do Paquistão Imran Khan discursa na 74ª sessão da Assembleia Geral da ONU, em Nova Iorque, Estados Unidos, 27 de setembro de 2019 [Timothy A.

A rápida mudança das realidades geopolíticas, especialmente nas atuais circunstâncias do Sul da Ásia, levaram Islamabad a tratar a Caxemira como prioridade máxima. A declaração recente do Ministro de Relações Exteriores do Paquistão Shah Mahmood Qureshi, referente ao estabelecimento de uma bloco islâmico alternativo sobre a disputa sobre a região da Caxemira – diante da oposição saudita a levar o tópico à Organização de Cooperação Islâmica (OCI) –, é certamente histórica.

Em tom grave, Qureshi alertou que aconselharia o Primeiro-Ministro Imran Khan a convocar uma sessão da OCI para tratar das propostas de reforma constitucional da Índia sobre os territórios disputados de Caxemira e Jammu – “com ou sem” os sauditas.

Por ao menos meio século, Islamabad jamais emitiu qualquer declaração remotamente tão próxima de “confrontativa” como esta. Evidentemente, há diversos fatores em curso que levaram o atual governo paquistanês à audácia de tamanha sinceridade pública perante a Casa de Saud.

Um dos fatores a esta nova postura repousa sobre os esforços vocais de Imran Khan, em busca de justiça aos paquistaneses na Caxemira, diante da violência colonial, da anexação e ocupação indiana sobre a região – segundo ele, promovidas pela ideologia “nazista” do Partido do Povo Indiano (BJP), hoje no governo. Com efeito, outro ponto de crítica do premiê paquistanês está na imediata bênção da monarquia saudita às ações desumanas de Nova Deli. A humilhação pessoal cometida contra Khan, quando o príncipe herdeiro e governante saudita Mohammad Bin Salman ameaçou o Paquistão para impedí-lo de participar da Cúpula de Kuala Lumpur, Malásia, em 2019, provou-se uma boa lição do tipo de “amigo” que o governo saudita de fato é.

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Simultaneamente, há maiores mudanças políticas em curso, embora graduais, que cada vez mais permitem Islamabad a reafirmar sua soberania e autonomia, além de avançar em seu processo de descolonização.

Certas mudanças na economia global permitiram ao Paquistão uma posição onde os interesses e planos futuros das duas maiores potências globais, Estados Unidos e China, dependem de Islamabad. Os Estados Unidos, em sua força tipicamente transicional e oportunista, é completamente dependente do governo paquistanês para conduzir algum tipo de retirada do Afeganistão. O establishment de segurança nacional dos Estados Unidos demonstra tensão exponencial diante da indiferença paquistanesa a Washington, enquanto o país islâmico de fato fortalece suas relações com a China. Enquanto isso, a China permanece efetivamente rodeada por bases militares e navais americanas, com intuito iminente de alguma forma de confrontação com Pequim, de modo que o porto paquistanês de Gwadar torna-se tábua de salvação para o governo chinês conter sua demanda extraordinária por recursos energéticos, além de manter seu papel preponderante no comércio global e nas linhas de suprimentos.

Ademais, torna-se claro que há algo notoriamente distinto sobre a própria atmosfera de independência política no Paquistão. Tanto a liderança civil de Imran Khan quanto o setores hegemônicos do alto comando militar concordam sobre boa parte da política internacional em curso e dos objetivos de segurança do país, perante tal conjuntura crítica. Trata-se de algo que deixa insatisfeitos muitos liberais paquistaneses, digamos, intoxicados pelo Ocidente.

Islamabad não parece conter-se mais pelo contexto antigo de Guerra Fria ou pela era de “Guerra ao Terror”, que manteve o Paquistão subordinado e preso às necessidades de Washington.

Manifestantes exibem bandeiras do Paquistão e bandeiras paquistanesas da Caxemira, durante comício contra a opressão da Índia na região disputada, em Rawalpindi, Paquistão, 30 de agosto de 2019 [Muhammad Reza/Agência Anadolu]

Manifestantes exibem bandeiras do Paquistão e bandeiras paquistanesas da Caxemira, durante comício contra a opressão da Índia na região disputada, em Rawalpindi, Paquistão, 30 de agosto de 2019 [Muhammad Reza/Agência Anadolu]

A historiadora paquistanesa Ayesha Jalal tem uma predileção por destacar questões de autonomia e soberania em estados pós-coloniais, como o Paquistão. Agora, para ela, é o momento certo para reimaginar a reconstrução justa e pluralista simbolizada pela política paquistanesa para o mundo islâmico.

De modo bastante crucial, trata-se de um momento histórico no qual as fraquezas – e não as forças – do sionismo regional e global estão plenamente expostas. Muçulmanos em todo o mundo, além de milhões e milhões de pessoas em ambos os hemisférios, que permanecem solidárias aos povos da Palestina e da Caxemira, entre outros povos oprimidos, enxergam agora a hipocrisia e a crueldade flagrantes de países como Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos e Egito. Tais nações não apenas evitam denunciar os crimes de lesa-humanidade cometidos por Índia e Israel, como (ao contrário) optam por recompensá-los ou mesmo legitimar suas atrocidades ao reconhecer Israel em sua forma pós-1967.

Tais contradições já não podem mais ser omitidas. Figuras de liderança como Imran Khan percebem que este é o momento no qual a integração significativa da comunidade islâmica, entre as diversas nações e povos islâmicos, seriamente comprometidos com a justiça social, poderá levar enfim ao declínio do que muitos analistas chamam de maldição da hegemonia saudita wahhabita.

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Como bem sabemos, não é uma manobra pequena ou fácil em termos geopolíticos, esta que ocorre atualmente. Pode levar algum tempo, mas os sinais já estão aqui. A efetiva escravatura de Islamabad, subjugada a Riad, por razões econômicas, pode acabar a qualquer momento, considerando que a liderança paquistanesa realiza mais e mais viagens a Doha, Catar, ao invés da Arábia Saudita.

É uma escolha que Islamabad precisa fazer. Ao desenredar-se de inúmeras formas de subordinação humilhante a potências estrangeiras, parece bastante claro que esta dinâmica de vassalagem tem um último vestígio enervante deixado aos paquistaneses: a Casa de Saud.

Felizmente, a liderança paquistanesa tem agora a opção de maior independência, para reafirmar sua dignidade, ao aprofundar sua integração e cooperação com outros países islâmicos fora do espectro prévio, como Turquia, Irã, Catar e Malásia, além de outras nações independentes do Hemisfério Sul. Parece ser a única forma de ir adiante no processo real de descolonização, em direção a uma independência significativa.

Ao olharmos mais a frente no campo proposto, podemos ver uma tendência na mudança do quadro de alianças no mundo, em particular no Hemisfério Ocidental. A China lidera um bloco que também possui Rússia e Irã em suas fileiras. Turquia e Malásia também se mobilizam e não será surpresa caso filiem-se a esta nova ordem. Em tal situação, o Paquistão vê a si mesmo em posição bastante favorável, tanto geopolítica quanto economicamente. Caso bem conduzida, trata-se possivelmente da conjuntura mais crítica a potenciais vantagens a Islamabad, na história do país.

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.

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