Mesmo após 20 meses de cerco, deslocamento e assassinato em massa, os palestinos de Gaza insistem em asseverar sua vontade de ficar — à medida que Israel escala cada vez mais seu genocídio ao atacar postos de distribuição assistencial e chacinar famílias famintas que se negam ao exílio.
Neste entremeio, a retaliação iraniana à recente agressão israelense deflagrou mais um êxodo de judeus israelenses de sua colônia de povoamento.
Cidadãos israelenses, cidadãos binacionais e turistas expressaram pleno desespero em deixar o país nas chamadas “flotilhas de evacuação” ou “voos de resgate”, enquanto as condições se tornavam exponencialmente insuportáveis nos últimos dois anos, desde a deflagração da campanha genocida em Gaza em outubro de 2023.
Com “grandes números de cidadãos israelenses” desesperados para fugir, o governo de Israel emitiu uma decisão para efetivamente impedi-los e prendê-los no país.
Apesar do retorno de alguns cidadãos presos no exterior durante as sucessivas guerras, a fuga em curso de colonos israelenses continua a crescer como uma tendência ampla, que já remete a muitos anos.
Ainda em dezembro de 2022, o jornal israelense Maariv reportou um novo movimento para facilitar a emigração de colonos aos Estados Unidos após as recentes eleições em Israel, sob receios de que a conjuntura poderia alterar a relação entre Estado e religião. O grupo, denominado “Deixando o país — juntos”, falava em realocar dez mil cidadãos israelenses apenas na primeira fase do plano. Dentre os seus líderes, estava Mordechai Kahana, empresário israelo-americano, e Yaniv Gorelik, ativista anti-Netanyahu.
Em entrevista, apontou Kahana: “Vi pessoas em um grupo de WhatsApp falando sobre a imigração de israelenses para Grécia ou Romênia, mas pessoalmente penso que seria muito mais fácil emigrarem aos Estados Unidos. Tenho uma fazenda em Nova Jersey e ofereci aos israelenses que a transformassem em um kibutz … Com um governo como esse em Israel, Washington deveria permitir que todo israelense que tem uma empresa ou profissão nos Estados Unidos, como médicos ou pilotos, imigrassem ao país”.
O fenômeno, no entanto, não é novidade.
Por anos, um número crescente de cidadãos israelenses busca abandonar sua colônia, motivados por desilusão política, medo de uma perda iminente do regime de maioria judaica e insustentabilidade de longo prazo do próprio projeto colonial sionista.
As primeiras partidas
Ainda em 2003, o governo israelense já mensurava mais de 750 mil colonos deixando o país permanentemente, a maioria aos Estados Unidos e Canadá. Dos 600 a 750 mil que partiram aos Estados Unidos, cerca de 230 mil haviam nascido “israelenses” — isto é, filhos de colonos judeus assentados na Palestina ocupada.
Conforme dados de Tel Aviv, entre 1948 e 2015, ao menos 720 mil israelenses partiram para jamais regressar.
Em 2016, em torno de 30% dos judeus franceses que emigraram a Israel acabaram por voltar à França, apesar dos esforços intensos do governo israelense e grupos sionistas para instigá-los a permanecer no país.
Em 2011, o Ministério de Imigração israelense lançou uma campanha publicitária cujo intuito era projetar culpa a eventuais emigrantes e coagi-los ao retorno. Uma das peças foi descrita pela revista Moment: “Um menino pequeno, cansado de colorir, volta-se a seu pai. O pai está dormindo na cadeira, com uma The Economist em seu colo. ‘Papai?’, diz o menino, sem resposta. Pausa. Ele tenta novamente, dessa vez como um sussurro. ‘Abba?’. O pai abre os olhos de uma vez. Ele olha para o desenho com orgulho, afaga o cabelo de seu filho. Fade. Um narrador diz, em hebraico: ‘Eles vão continuar em Israel. Seus filhos, não. Ajude-os a retornar à Terra’”.
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A campanha incitou imediata controvérsia, por sugerir “que a América não é lugar para um judeu decente, e que um judeu preocupado com o futuro dos judeus deveria viver em Israel”. Este discurso foi descrito por Jeffrey Goldberg, ex-carcereiro israelense, hoje jornalista radicado nos Estados Unidos, pelo eufemismo “arcaico”.
A campanha foi retirada do ar, com um pedido de desculpas.
Crise demográfica
Em 2017, o governo israelense ficou tão apreensivo sobre o aumento da emigração dos colonos israelenses aos Estados Unidos que passou a oferecê-los ainda mais privilégios e serviços a quem porventura se dispusesse a retornar, bem como a encorajar outros a fazê-lo.
No mesmo ano, o então ministro de Ciências e Tecnologia de Israel, Ofir Akunis, tentou atrair expatriados no Vale do Silício ao Estado colonial, ao propor bolsas de doutorado. Contudo, não obteve êxito.
De fato, demógrafos israelenses, incluindo Sergio Della Pergola — maior autoridade em populações do país —, têm preconizado há décadas um êxodo de massa.
A emigração ativa antecedeu as guerras em que Israel mergulhou a região, no contexto do genocídio em Gaza, desde outubro de 2023. Desde então, dados oficiais registraram 82 mil colonos que fugiram do país, embora estimativas distintas coloquem os números em torno de meio milhão.
Diante do êxodo, autoridades coloniais têm razão em se preocupar.
Trata-se de uma questão crítica, dado que os palestinos constituem a maioria absoluta do país — do Rio ao Mar — desde 2010, de modo a ameaçar a sobrevivência de longa data do Estado supremacista judaico. Como posto previamente, esta é a grande razão pela qual Israel deu vazão ao genocídio aberto do povo palestino.
Proibição oficial
Para conter a onda de emigração, o gabinete israelense emitiu na semana passada uma resolução de “condicionamento a voos para fora do país”, ao impor a seus cidadãos “a aprovação de um comitê de exceções comandado pelo governo”. Conforme o decreto, “o governo determinou ainda que, quando voos comerciais forem novamente viáveis … um comitê executivo do governo estabelecerá critérios para tratar de pedidos de saída de Israel”.
Enquanto 40 mil estrangeiros que estavam no país obtiveram salvo-conduto, empresas aéreas, sob instruções do governo, informavam a cidadãos israelenses que desejassem comprar passagens que estavam proibidas de vendê-las.
Ainda assim, dezenas de milhares tentaram fugir.
Estima-se ao menos 700 mil colonos americanos e meio milhão de europeus, cidadãos binacionais, no Estado de Israel. Tammy Bruce, porta-voz do Departamento de Estado em Washington, alegou a repórteres, em 20 de junho — antes de o exército americano bombardear o território iraniano —, que mais de 25 mil americanos haviam contactado sua embaixada para obter informações de saída de Israel, Cisjordânia e Irã.
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Bruce se negou a detalhar as proporções para cada território, assim como comentar os esforços de evacuação das embaixadas. Foi então que ficou claro que a maior parte dos pedidos adveio de Israel e dos territórios ocupados.
Um memorando interno do Departamento de Estado, de fato, documentou quase dez mil pedidos de partida de Israel em apenas um dia, na última quinzena. Os números, é bastante provável, multiplicaram-se exponencialmente desde então.
Evacuações estrangeiras
No início da semana passada, o Departamento de Assuntos Globais do Canadá estimou que seis mil canadenses registraram sua saída de Israel mediante o banco do dados do governo, com outros 400 radicados, até então, na Cisjordânia.
O governo canadense respondeu ao programar voos e providenciar ônibus a cidadãos que desejassem partir a Egito ou Jordânia. Dias depois, França e Austrália anunciaram serviços similares. Muitos americanos já haviam deixado a nação beligerante através da fronteira egípcia, bem como cidadãos alemães que partiram pela Jordânia. Milhares de britânicos, incluindo binacionais, juntam-se à multidão em pânico.
Outros colonos abandonaram o país pelo mar, rumo ao Chipre em barcos e iates, que o jornal israelense Haaretz descreveu como “flotilhas da evacuação”, ou ainda “flotilhas da fuga”.
A proibição imposta pelo governo para que seus próprios cidadãos deixem o país, sob a assinatura do ministro dos Transportes Miri Regev, recebeu uma onda de repúdio. Para o Haaretz: “Israelenses são bem-vindos a voltar ao perigo; proibidos de deixá-lo”.
‘Nos deixem sair’
Enquanto isso, em Gaza, onde Israel continua a empregar a fome como uma arma para o extermínio e a limpeza étnica da população, uma reportagem do Haaretz, publicada em junho, confirmou que a maioria dos palestinos se mantém firme em seu desejo de retornar a suas casas e terras originárias, ao desafiar os pressupostos coloniais de que escolheriam partir.
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A mesma reportagem observou o triplo de jovens israelenses que almejam sair do país, comparado aos primeiros dias da campanha em curso. Um deles corroborou: “A guerra é uma faca de dois gumes. Israelenses não estão sofrendo como os palestinos de Gaza, mas, cada vez mais, não queremos também viver aqui”.
Entretanto, ao passo que Tel Aviv insiste em impedir a saída de seus próprios cidadãos, a ong israelense Movimento por Qualidade de Governo expressou apreensão sobre os critérios opacos adotados pelo “comitê de exceções” estabelecido pelo atual gabinete, para conceder autorizações de partida.
O grupo encaminhou uma carta à Procuradoria-Geral, para denunciar os impedimentos como violação flagrante da própria Lei Básica de Israel.
Ironicamente, quando Israel e Estados Unidos lançaram uma campanha publicitária, na década de 1970, para atrair a imigração de judeus soviéticos à Palestina, reivindicaram autorizações especiais de emigração aos futuros colonos. O chamado a Moscou seguia o slogan “Deixem meu povo sair”, baseado no apelo bíblico ao faraó.
Hoje, milhares de judeus ressoam este apelo, com uma reviravolta: “Netanyahu, deixe-nos sair”.
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Este artigo foi publicado originalmente em inglês pela rede Middle East Eye, em 27 de junho de 2025.
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