À medida que previsibilíssimo apelos por “comedimento de ambos os lados” advêm de políticos e oficiais ocidentais, é preciso deixar claro que o mais recente ataque de Israel ao Irã não poderia ocorrer sem o apoio estendido por esses mesmos políticos e oficiais ao Estado ocupante, durante todo o genocídio, ainda em curso, contra o povo palestino na Faixa de Gaza. Aquele que é considerado o regime mais extremista de Israel de fato foi encorajado por figuras como o premiê do Reino Unido, Keir Starmer, e a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, que permitiram que o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, perpetrasse seus crimes de guerra e lesa-humanidade com absoluta impunidade.
Yvonne Ridley advertiu em artigo ao MEMO, em outubro, que “Netanyahu não pararia até que arrastasse Estados Unidos e Reino Unido a uma guerra no Oriente Médio”. Suas palavras são particularmente relevantes nesta sexta-feira 13.
Na visão distorcido de Netanyahu, seu Estado pária, um “cachorro louco”, integra o que chamam de “mundo civilizado”, como buscou assegurar em seus comentários sobre os mais recentes ataques ao Irã. “Não deixaremos que o regime mais perigoso do mundo [sic] ponha as mãos nas armas mais perigosas do planeta. O Irã planeja dar essas armas — armas nucleares — a seus aliados terroristas [sic], que tornariam o pesadelo nuclear [sic] uma realidade”. Em seguida, mergulhou de cabeça na retórica arcaica de “Saddam tem armas de destruição em massa”: “O aumento no alcance dos mísseis balísticos do Irã levaria esse pesadelo nuclear a cidades da Europa e até mesmo América”.
O “regime mais perigoso do momento”, hoje, no entanto, é ninguém mais que o Estado colonial de assentamento denominado Israel, o mesmo Estado fundado pela barbárie das milícias terroristas sionistas e que recorre a seu terrorismo de Estado contra o povo palestino e muitos outros desde então.
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Que outro Estado está cometendo crimes de guerra em escala diária — lembremos que cada assentamento é em si um crime de guerra? Que outro Estado solta seus soldados contra civis, sem nenhuma contenção e com toda impunidade, para matarem dezenas de milhares de mulheres e crianças e destruir infraestrutura como escolas, hospitais e lugares de culto? Que outro Estado insiste em tornar arma a ajuda humanitária, assim como a fome, para seu benefício?
É precisamente isso que Israel vem fazendo contra os palestinos.
Ao mesmo tempo, invadiu e ocupou partes do Líbano e da Síria, enquanto perpetrava uma brutal operação militar na Cisjordânia, sobretudo a cidade de Jenin e seu campo homônimo de refugiados. Neste entremeio, manteve o apartheid contra os palestinos, mesmo aqueles considerados cidadãos israelenses — como denunciam proeminentes organizações de direitos humanos como a israelense B’Tselem, o Human Rights Watch (HRW) e a Anistia Internacional.
Apartheid, não esqueçamos, é também crime de lesa-humanidade.
E este mesmo regime tem armas nucleares. Costuma-se creditar à França as ambições atômicas israelenses, em curso desde a década de 1950. Contudo, segundo Andrew e Leslie Cockburn, na obra “Dangerous Liaison: The inside story of the US—Israeli covert relationship and the international activities it has served to conceal”, Israel certamente conduziu seus próprios atos de “espionagem nuclear” contra os Estados Unidos, cujas evidências foram “meticulosamente enterradas a pedido de ao menos um presidente americano”. Tamanha espionagem, afirmam, incluiu o “desaparecimento de ao menos 94 kg de urânio enriquecido”, da usina de desenvolvimento nuclear Apollo, no interior da Pensilvânia.
Hoje, acredita-se que Israel possui até 400 ogivas nucleares, além de meios de dispará-las, em sua instalação atômica de Dimona no deserto do Negev (Naqab). O mundo não sabe ao certo quantas ogivas são, porque o Estado de apartheid tampouco assinou o Tratado de Não-Proliferação Nuclear, ao rejeitar a visita de inspetores especializados da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) a Dimona.
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Mais uma vez, a hipocrisia de Israel e seus apoiadores no Ocidente — sionistas, todos eles — está nua para todos verem. Apenas Israel pode continuar armado até os dentes, incluindo armas convencionais e bombas atômicas, para usá-las, quando, como e onde entender sob a prerrogativa de “autodefesa”. Ninguém na região desfruta deste direito — somente Israel.
E, ainda assim, nos pedem para crer que é este Estado genocida, pária e nuclear, que ataca, desumaniza e calunia quem quer que ouse questionar seu “direito de existir” em terras palestinas, é um ícone do bem e da paz em nosso planeta. Como disse Francesca Albanese, relatora especial das Nações Unidas: “As pessoas têm o direito de existir, não os Estados”.
E quem é que eles estão enganando?
Fomos ludibriados. Quando vilões são representados como mocinhos — e vice-versa — e quando a legalidade é criminalizada a olhos nus, mostra-se imperativo notar que nós todos estamos, no atual contexto, prestes a despencar de um abismo, rumo a um teste que ameaça arrastar toda a humanidade.
Se a resposta dos líderes internacionais aos eventos de Gaza é algo que devemos levar em conta, contudo, ou sua mensagem simplesmente não consegue cruzar as barreiras, ou seus regimes são verdadeiramente cúmplices da devastação imposta não apenas a Gaza, como à lei e às convenções internacionais. Evidências até então apontam para a segunda hipótese.
Ninguém pode dizer que não foi avisado.
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