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Thiago Ávila e a convicção que desafia o sionismo

13 de junho de 2025, às 17h21

O ativista brasileiro Thiago Ávila é recebido por sua família, amigos e apoiadores da causa palestina ao chegar no início desta manhã em São Paulo, aterrissando no Aeroporto de Guarulhos após retornar da missão humanitária para romper o cerco de Gaza em São Paulo, Brasil, em 13 de junho de 2025. [ Ratib Al Safadi/Agência Anadolu]

Se algo pode ser acrescentado aos relatos da chegada de Thiago Ávila ao Brasil, depois de sequestrado e deportado por Israel junto com participantes da Flotilha da Liberdade, é sua convicção tranquila de estar do lado certo da história. 

Na sua compreensão, quando agradecermos aos palestinos por terem livrado o mundo da ideologia racista do sionismo  – algo já ocorrendo com sua dolorosa resistência -, também saberemos quais governos merecerão um registro por terem contribuído para o livramento. É o alerta que ele faz para o Brasil, cobrado a agir com grandeza neste momento histórico. 

Thiago chegou com as vestes da prisão – um moletom cinza ainda com as marcas dos dias em cativeiro – uma bandeira do Brasil que havia sido pisoteada por soldados, e uma pequena girafa de pelúcia que ganhou de uma companheira da coalizão Flotilha da Liberdade – presente para sua filha, mas com a ordem de que o mimo fosse entregue pessoalmente. 

Isso aconteceu nesta sexta-feira, no Aeroporto Internacional de Guarulhos, onde a companheira Lara e a menina  aguardavam juntamente com uma centena de manifestantes que madrugaram para recebê-lo aos gritos de “Estamos com a Flotilha” , “Israel, Estado assassino”,  “Palestina Livre” e com muitas perguntas dos jornalistas presentes: Como foram as horas no ataque ao barco Madleen? E como foi tratado? E o Itamaraty? E o governo brasileiro? 

Um dos cartazes na chegada do ativista dizia:” Terra Santa não mata crianças”. Outro celebrava: “Bem-vindo Thiago, Viva a Flotilha!”.  Entre as frases entoadas pelos manifestantes, uma fazia notar uma ausência no aeroporto. “Oh Itamaraty, na tua falta, eu vim até aqui!”  Thiago não teve queixas da atenção consular brasileira durante a prisão, mas chega ao Brasil para pedir mais. Romper com o genocídio é a grande cobrança hoje da solidariedade internacional. 

Com a Kuffieh que ganhou logo ao sair do portão de desembarque, e meio molambo com o traje surrado, ele disse que estava orgulhoso ao usá-lo, por ser o mesmo que os palestinos prisioneiros estão sendo obrigados a usar, inclusive os colegas do Madleen que lá ficaram.  Falou das 23 horas  durante a abordagem dos agentes de Israel no mar, e de como eles procuraram mostrar seu desprezo pelos ativistas durante o tempo de detenção.  Na chegada ao cativeiro, insistiam que seu colar com o pingente da Palestina era de Israel. E que a Palestina não existe. 

Enquanto o destratavam,  os soldados repetiam: “bem-vindo a Israel”. O brasileiro e a euro-deputada Rima Hassan, colega do Madleen,   se recusaram a assinar um atestado de entrada ilegal em Israel para justificar a deportação – algo subentendido como libertação com admissão de culpa. Mas como nenhum sequestrado pode assumir que se enfiou voluntariamente no cativeiro, toda ilegalidade da ação israelense de pirataria em águas internacionais devia estar escancarada nessa recusa. 

Thiago foi levado a depor. E seu depoimento, ele recorda, foi sobre oito décadas de violação dos direitos palestinos. Certamente, não foi para isso que o levaram ao tribunal. 

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A ele foi dito que está proibido, por cem anos, de entrar em Israel, uma impossibilidade por natureza. Se viajar para aquela terra, será para a Palestina livre, disse ele, apostando que não será preciso tanto tempo para isso acontecer.

A noção da solidariedade como arma poderosa contra a tirania parece ter sido um guia para Thiago nos momentos em que foi preciso resistir também à fome. Recusar alimento para denunciar  a comida negada aos palestinos deve ter contribuído para a irritação dos captores do Madleen, que deixaram marcas escondidas no corpo do prisioneiro indigesto. O relato faz lembrar  a propaganda de bom mocismo dos piratas oferecendo de pão e água às suas vítimas durante o sequestro em alto mar.

Thiago conta que foi trancado em uma masmorra. E falou da curiosidade de uma prisão com não mais de 80 anos ter estilo de masmorra. Isto parece a cara do Estado de ocupação,  derrotado em suas formas de terror frente à dignidade de suas vítimas – o povo palestino.  Em uma lógica simples e fácil de compreender enquanto um  genocídio é televisionado, Thiago repete algo que ouvimos dele nas mensagens que mandava do Madleen: os que fazem o genocídio têm o ódio, as armas e a violência. E o resto de nós tem amor e solidariedade pelo povo que Israel está matando. Ele ainda afirma, com um carinho comovente, que “os palestinos amam os brasileiros”. De fato, há uma história de afeto e relações políticas entre nós e eles, apesar do Oswaldo Aranha e uma partilha sobre a qual nunca foram consultados.  Esse amor ainda há de nos penitenciar com a força da solidariedade. A convicção de Thiago vem reforçar a nossa de que a Palestina terá de ser uma terra livre para todo seu povo, do rio ao mar, por ser esse o lado justo da história.

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As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.