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Dia Internacional das Mulheres: Resistência muito além da retórica

8 de março de 2025, às 13h47

Jornalistas celebram cessar-fogo em frente ao Hospital Nasser de Khan Yunis, em Gaza, em 18 de janeiro de 2025 [Doaa Albaz/Agência Anadolu]

Todo ano, em 8 de março, ouvimos “Feliz Dia Internacional das Mulheres”, cercadas por logotipos em rosa, platitudes corporativas e hashtags sem sentido que lotam as nossas telas. As mesmas instituições que salvaguardam os sistemas patriarcais subitamente se veem comemorando a “resiliência” das mulheres, como se suportar a opressão fosse uma conquista. Muito além da performance, no entanto, repousa uma realidade dura: violência de gênero profundamente entrincheirada, desigualdade sistêmica e esforços contínuos para silenciar as mulheres que se negam à submissão.

Mulheres em todo o Oriente Médio e Norte da África ainda lutam não apenas por seus direitos básicos como por sua sobrevivência. Mulheres palestinas em Gaza sob cerco e ocupação; mulheres sudaneses em fuga dos conflitos; mulheres sírias e libanesas que resistem, como podem, ao colapso econômico; nenhuma delas exige reconhecimento simbólico, mas sim seguem liderando suas lutas contra sistemas profundos de violência e marginalização.

Da resistência à cooptação: Como o Dia Internacional da Mulher foi despolitizado

O tema deste ano para o Dia Internacional das Mulheres, “Ação Acelerada”, expõe uma realidade sinistra: no ritmo atual, qualquer paridade de gênero não seria atingida antes de 2158. Ainda assim, esta data jamais teve como objetivo servir de mero instrumento de marketing. Tratava-se de um chamado radical por justiça, deflagrado pelas mulheres da classe trabalhadora que reivindicavam salários justos e dignidade. O primeiro Dia da Mulher foi em 1909, nascido das greves operárias — um movimento de resistência, e jamais de representação cosmética corporativa.

O que era um dia de ação política foi despido de seu âmago radical e remodelado a um evento superficial de marca, que serve ao poder em vez de contestá-lo. Nos dizem que o progresso se reflete na ascensão de mulheres a cargos de CEO e mesmo aos rankings militares, sob supostas iniciativas de diversidade dentro de instituições, por excelência, exploradoras, enquanto a violência e a desigualdade, na prática, permanecem intactas. O Dia Internacional das Mulheres, por vezes, parece não ter mais seus grandes líderes pela libertação coletiva. Ao contrário, ressalta pouquíssimas privilegiadas, ao reduzir o feminismo a representação em vez de força para mudança sistêmica.

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Feminismo no Oriente Médio–Norte da África: Uma história de lutas por libertação

O feminismo no Oriente Médio e Norte da África sempre lutou por libertação nacional, bem como autodeterminação de suas respectivas comunidades. Ao ascender junto aos movimentos anticoloniais do fim do século XIX, a luta das mulheres desafiou tanto as opressões de gênero quanto as ingerências estrangeiras. Em 1923, a União Feminista Egípcia reuniu igualdade de gênero a uma busca mais ampla por integração árabe. As mulheres palestinas exerceram papéis de destaque na resistência, como na Revolta de al-Buraq de 1929, contra o domínio britânico. Mulheres argelinas foram centrais à luta armada contra o colonialismo francês. Em toda a região, o feminismo é inseparável da luta contra o imperialismo.

Hoje, contudo, muitos tentam apagar este legado revolucionário. Mulheres palestinas, por exemplo, passaram mais de um século resistindo à ocupação, seja ao desafiarem os assentamentos ilegais israelenses ou liderarem movimentos de base durante a Primeira Intifada. Lançaram boicotes, sustentaram esforços de resistência, enfrentaram violenta opressão — provando que sua luta jamais foi apenas por direitos, mas libertação.

Mulheres sob jugo colonial costumam lutar em dois fronts: contra a violência ocupante e as estruturas patriarcais que facilitam a opressão. Sua luta transcende visibilidade: se trata de reivindicar sua soberania, sua identidade e suas liberdades fundamentais, em franco desafio aos esforços endêmicos para apagá-las.

A violência de gênero é política: A guerra contra os corpos das mulheres

A violência de gênero não é incidental; é sistêmica, parte integral da violenta trama de opressão. O Banco Mundial Estima que 40% das mulheres no Oriente Médio e Norte da África vivenciam ou vivenciaram alguma forma de violência física ou sexual na mão de seus parceiros.

A violência sexual é rotineiramente empregada como arma de guerra, para humilhar e apagar comunidades inteiras. Mulheres palestinas de Gaza enfrentam os massacres de Israel, que não apenas matam suas crianças, como agridem seus corpos — por meio de abordos espontâneos durante os bombardeios, negligência médica e destruição dolosa do sistema de cuidados maternais. Segundo o Ministério da Saúde palestina, entre 7 de outubro de 2023 e 6 de janeiro de 2025, cerca de 12 mil mulheres haviam sido mortas em Gaza por Israel, com outras dezenas de milhares ameaçadas por uma crise de fome. Neste mesmo entremeio, o Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA) reportou que, entre os 35 hospitais de Gaza, apenas 19 permanecem operantes, com até 50 mil mulheres sem acesso a cuidados para salvar suas vidas.

Enquanto isso, o feminicídio segue como uma epidemia global, incluindo os chamados assassinatos “de honra” no Oriente Médio e Norte da África, mas também o aumento dos casos de violência doméstica em todo o mundo. Segundo a Anistia Internacional, a pandemia de covid-19 agravou ainda mais a violência de gênero, ao prender mulheres junto de seus abusadores, enquanto sistemas de apoio desmoronavam.

A violência econômica se soma a tais trágicas realidades. O sistema de kafala acorrenta trabalhadoras imigrantes na região do Golfo a condições de exploração gravíssima, ao forçá-las a sustentar regimes que se recusam a reconhecer sua humanidade. O serviço doméstico não-remunerado das mulheres alimenta ainda a economia global, à medida que permanece invisível e marginalizado.

Do simbolismo à solidariedade: Reivindicando a resistência feminista

Como notou Audre Lorde: “Não serei livre enquanto houver uma mulher que não seja, mesmo que os seus grilhões sejam bastante diferentes dos meus”. A libertação requer solidariedade para além das fronteiras, ao reconhecer que a luta contra o patriarcado, colonialismo e capitalismo é uma só. Não se trata de visibilidade nos espaços de elite, mas descontruir as estruturas que sustentam a desigualdade. Feminismo que prioriza mera representação na bolsa de valores, com enfoque em suposta diversidade em vez de mudanças estruturais, não é feminismo algum — muito menos aquele de que tanto precisam as mulheres do Oriente Médio, Norte da África e além.

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Sem libertação coletiva, a mudança é superficial — um rito vazio em vez de justiça.

Portanto, neste Dia Internacional das Mulheres, 8 de março, devemos perguntar: qual é verdadeiro rosto da solidariedade? São as fitas e logotipos cor-de-rosa? Penso que não. Sua face é aquela das mulheres que lutam por libertação dia após dia. Qualquer coisa menos do que justiça, de fato, é cumplicidade.

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.