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‘A coragem das mulheres de Gaza mudará o mundo’, diz oficial da ONU

Reba Khalid al-Ajami, repórter da rede de notícias TRT Arabi, distrai sua filha em meio aos bombardeios de Israel a Rafah, no extremo sul de Gaza, em 29 de fevereiro de 2024 [Abed Zagout/Agência Anadolu]

O Dia Internacional da Mulher, 8 de março, celebra a resiliência das mulheres contra a violência, o preconceito e as adversidades, tornando-se, portanto, um testemunho da “força sem paralelo” das mulheres de Gaza, diante dos implacáveis ataques de Israel.

Apesar de meses de cerco e bombardeios, mulheres palestinas perseveram, destacou Olga Cherevko, porta-voz do Escritório das Nações Unidas para Coordenação de Assuntos Humanitários (OCHA), em entrevista concedida à agência de notícias Anadolu.

Cherevko comentou da devastação que testemunhou ao retornar em janeiro à Faixa de Gaza, durante a agressão ainda em curso, após trabalhar na região de 2014 a 2017.

“Ver em primeira mão a dimensão da emergência em Gaza foi algo chocante. Bairros inteiros destruídos, cidades irreconhecíveis”, declarou Cherevko, ao expressar um sentimento de impotência por estar tão distante da tragédia deflagrada desde outubro.

“Encontrei muitas mulheres em Gaza — mulheres com uma força sem paralelo para ir adiante, não importa o que aconteça”, observou.

Hannah, uma jovem médica de Rafah, me disse que eu a lembrava de sua melhor amiga, também médica, morta recentemente por um ataque israelense. Ela começou a chorar e me contou de todos os entes queridos que perdeu. Eu a via todos os dias, fazendo tudo que tinha de fazer, ajudando os feridos, apesar de carregar uma dor que sequer imaginamos.

Ao descrever as condições nos abrigos improvisados aos refugiados da ofensiva como “catastrófica”, Cherevko reafirmou que a maioria da população de Gaza sofreu deslocamento à força sucessivas vezes, em meio à brutal varredura norte-sul do exército de Israel.

                         Rafah, antes uma cidade comum, com escolas, lojas e prédios residenciais, agora é um campo de refugiados, com centenas de tendas que brotam dia após dia e cobrem cada palmo de terra.

“Conforme a comida se tornou mais e mais escassa, sobretudo no norte, o rosto das pessoas se afina cada vez mais, enquanto continuam sua busca desesperada por subsistência”, acrescentou, ao notar que mesmo burros e cavalos desmaiam de exaustão.

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‘Quero ver Gaza como era antes’, diz menina de 15 anos

Cherevko destacou se sentir “privilegiada” por um teto sobre a cabeça e algumas horas diárias de energia elétrica — algo cada vez mais raro na Faixa de Gaza. “Ao dormir em tendas que vazam com as chuvas e são arrastadas pelos ventos, os palestinos de Gaza são submetidos a um pesadelo coletivo, que já dura cinco meses terríveis”.

Uma única tenda chega a abrigar cinco famílias. Segundo Cherevko, muitas mulheres deixam de comer e beber não apenas para alimentar seus filhos, mas para usar o banheiro o menos possível, um luxo raríssimo dentre a população.

Um Mohammad, uma das mulheres que conversou com a oficial da ONU, relatou quatro deslocamentos à força pelos avanços de Israel. “Temo por meus filhos e pelo que vai acontecer a seguir”, comentou Um Mohammad.

No Hospital Nasser, Cherevko encontrou uma cena de terror, com corredores repletos de palestinos feridos, andares inteiros manchados de sangue e cirurgias realizadas no assoalho das salas de emergência.

Conheci Aseel, de apenas 15 anos, que tinha ferimentos em todo seu rosto e seu corpo, causados por estilhaços de uma bomba que atingiu sua casa enquanto sua família dormia. Quero ver Gaza como era antes, ela me disse, onde eu podia estudar e sair com minhas amigas. Apesar de tudo, encontrou forças para sorrir e me desejar paz.

Cherevko também conversou com um pai em luto no mesmo hospital, onde sua filha de 16 anos, Sarah, passou por uma cirurgia, no dia anterior, após perder a perna devido a um bombardeio israelense que matou seu irmão e sua irmã.

                         Seu pai insistiu que suas notas eram perfeitas e que Sarah era a esperança de todos por um futuro melhor. O desespero em seus olhos traía seu sorriso, enquanto lágrimas escorriam por seu rosto, ao lembrar de sua tragédia.

Durante a visita de sua equipe ao Hospital al-Shifa, um pouco mais ao norte, na Cidade de Gaza, após inúmeras negativas de Israel, Cherevko conheceu Lili, de apenas quatro anos.

Ela segurou minha mão e não queria largá-la para eu ir embora. Tia, ela me disse, quando a guerra, quero ver meu melhor amigo.

‘Não esquecemos vocês’: Um chamado às mulheres de Gaza

Cherevko desejou força a todas as mulheres e meninas de Gaza e solidariedade de todo o mundo em sua mensagem do Dia Internacional da Mulher.

Não esquecemos vocês e seus esforços não serão em vão. Vocês mudaram meu mundo com sua coragem e sua força mudará o mundo. Se jamais houve um momento para solidariedade entre as mulheres do mundo, este momento certamente é agora.

Cherevko trabalhou em diversos cenários de crise ao longo de sua carreira, incluindo Libéria, Afeganistão, Somália e Gaza. Hoje, representa o escritório das Nações Unidas na Síria.

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Israel mantém ataques a Gaza desde 7 de outubro, deixando 30 mil mortos, 70 mil feridos e dois milhões de desabrigados, incluindo um milhão de mulheres, das quais 52 mil estão grávidas. Dois terços das vítimas são mulheres e crianças.

O cerco israelense impôs às mulheres palestinas não apenas escassez de alimento, água e medicamentos, mas situações nas quais têm de dar à luz em tendas e banheiros ou são forçadas a passar por cesariana sem sequer anestesia.

Ao promover suas ações, o ministro da Defesa de Israel, Yoav Gallant, descreveu os 2.4 milhões de palestinos de Gaza como “animais humanos”.

As ações israelenses são punição coletiva, crime de guerra e genocídio.

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Palestina: quatro mil anos de história
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