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Soldados israelenses em Gaza ostentam má conduta

O começo do cessar-fogo após quase 500 dias de derrotas para Israel

Criança amputada vivendo em abrigo na Cidade de Gaza, Gaza, tem aula de violino , em 25 de agosto de 2024 [Hassan Jedi/ Agência Anadolu]

Qual a natureza de um governo que negocia a paz enquanto derrama o sangue do interlocutor? A violência do massacre  que deixou mais de uma centena de palestinos mortos, entre eles 35 crianças, desde a coletiva de imprensa em que o Catar anunciou o acordo de cessar-fogo, na quarta-feira (15), até seu início efetivo neste domingo (19) não acobertou o fracasso israelense na tentativa de sobrepujar o povo de Gaza pela força. É mundialmente sabido que Israel concentra o poderio armado dos EUA e aliados e que não tem limites no seu uso genocida. Mas ser o Golias da história foi também  sua grande derrota, ao ser vencido pela resiliência de um povo sem estado, sem exército e despojado de tudo que não seja a dignidade e o vínculo com sua terra.

Israel não eliminou o Hamas, não libertou reféns – pelo contrário, matou alguns deles – e precisou negociar com o grupo que prometeu destruir. Para Netanyahu, prolongar a guerra tinha objetivos pessoais e megalômanos. Além de escapar da condenação por seus crimes anteriores, acreditava poder impor uma grande Israel a toda região. Atacou o Líbano, fez-se dono das Colinas sírias de Golã, e ocupou o corredor Filadélfia. Mas essa não foi uma guerra tirânica para israelenses e impopular dentro de Israel. Muitos protestos pediram acordos para a libertação dos reféns, mas as pesquisas também mostravam apoio israelense à eliminação dos palestinos.

Israel saiu derrotado a cada contabilidade macabra que exibiu como vitória.  Fracassou em cada vala comum aberta, escola ou hospital destruído, criança amputada sem anestesia, mulher ou prisioneiro abusado, em cada pedido de socorro da menina Hind Rabah até ser morta. E continuou derrotado em cada post de soldado  que se exibiu em crimes de guerra. São 468 dias de derrota moral continuada. Chegou a 15 meses de guerra  sem ganho militar, além da morte de lideranças do Hamas, substituídas, e a explosão de pagers de aliados palestinos no Líbano.  Foram 15 meses de quebra da própria economia, com fechamento e migração de empresas e investidores.

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A votação do gabinete de guerra e do conjunto do governo israelense na sexta-feira (17), que aprovou o acordo de cessar-fogo enquanto mais palestinos eram assassinados em Gaza, significou que, politicamente, Israel não tinha mais para onde correr, apesar de sua extrema direita defender o contrário.

A redefinição da política externa por Donald Trump pode ter sido o principal fator para aceitação do acordo. Alguns nomes menos intervencionistas e mais preocupados com a segurança nacional do que com a presença militar no Oriente Médio têm composto o time de indicações do novo presidente americano para áreas como a Defesa, com Elbridge Colby, e o contraterrorismo, com Joe Kent.  E acordos de normalização com a Arábia Saudita ficaram pendentes com os ataques a Gaza.  Além disso, interromper a guerra agora deixa o legado do genocídio inteiramente nas costas de Joe Biden, embora o novo presidente seja igualmente aliado de Israel e deva continuar a apoiá-lo.

Sobre a continuidade dessa aliança, há outras nomeações de Trump que não deixam dúvida, como a escolha de Mike Huckabee, favorável à anexação de Gaza, para  embaixador em Israel, e do novo Secretário de Estado, Marco Rubio, que defende punir o Tribunal Internacional de Justiça (TIJ) em razão do processo contra Israel por genocídio.

O preço da interrupção da guerra de Israel está sendo amargo para sua extrema direita, que não aceita recuos e vê o risco de inclusão de vários nomes de altas lideranças palestinas entre os prisioneiros que o Hamas exige que sejam libertados em troca dos reféns. São figuras como Marwan Barghouti, ex- secretário geral do Fatah preso após a segunda intifada em 2002, condenado a cinco prisões perpétuas, além de dois ex-comandantes do braço militar do Hamas, Abdullah Barghouti e Ahmad Saadat, além de Hassan Salameh, líder da Frente Palestina para a Libertação da Palestina (FPLP).

Nos processos de negociação, mediadores como o Catar e o Egito defendem que a volta de Marwan Barghouti e outras lideranças importantes para o povo palestino seja incluída na segunda fase do acordo, quando está prevista a libertação de soldados reféns do Hamas.

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Os ministros de extrema-direita de Netanyahu, Bezalel Smotrich, das Finanças, e Itamar Ben Gvir, da Segurança Nacional, ameaçaram derrubar o  governo se Netanyahu não retomar a guerra imediatamente após a primeira fase de 42 dias de trégua, sem mais concessões, negociações ou mesmo ajuda humanitária, com a volta dos ataques até a ocupação total da Faixa de Gaza.

O início do cessar-fogo neste domingo pode minar de vez as condições para Israel sustentar sua guerra genocida. Cada etapa do acordo está amarrada à primeira. Mas tudo pode ruir sob qualquer pretexto, se Israel tiver cobertura e mais armas de aliados para isso.  O futuro de Gaza depende de muitas fichas em jogo, mas em todas elas, até o momento, Israel só acumula crimes de genocídio, desmoralização mundial e derrotas.

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.

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