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Armando Bukele: pioneiro árabe-palestino em El Salvador

Armando Bukele e seus filhos, Nayib e Karim Bukele, em El Salvador [Facebook/Reprodução]

Nayib Bukele é o presidente eleito, reeleito e que concentra o poder em El Salvador. Vindo de uma família palestina de cristãos do oriente, seu pai, Armando, a primeira geração nascida no país centro-americano, se converteu ao Islã assim como toda a família. Pioneiro do credo islâmico no país, virou imã. Fundou mesquitas e, em vida, era um importante industrial e a maior influência do atual mandatário.

Armando Bukele Kattán (16 de dezembro de 1944 — 30 de novembro de 2015) foi um empresário salvadorenho e líder religioso muçulmano e pai do atual presidente — reeleito e quase ditatorial — Nayib Bukele. Seus pais eram Humberto Bukele Salman e Victoria Kattán de Bukele. Os pais de Armando, avós de Nayib, eram cristãos palestinos de Belém, nascidos e vivendo na Palestina, ainda como parte do Império Otomano.

Assim como toda a primeira e segunda onda migratória do Levante, a maior parte das famílias que emigraram para El Salvador e Chile, na última década do século XIX e no início do século XX, eram de maioria cristã. Já a onda migratória para a Argentina era composta pelos chamados “sírio-libaneses” — mesma denominação no Brasil até o ascenso da direita francófila —, com a diferença de que, no caso brasileiro, as famílias eram compostas majoritariamente por cristãos do oriente. Já na Argentina, a maioria é sunita (até os dias atuais).

Armando Bukele completou seus estudos de nível médio no Liceu Salvadorenho, então estudou química na Universidade de El Salvador. Com o aporte de capital, tornou-se um importante industrial do setor, vindo também a diversificar investimentos. Desta forma, construiu um variado consórcio empresarial, formado por empresas dos setores publicitário, têxtil, farmacêutico, de bebidas e automotivo.

Tal como seus antepassados, Armando Bukele teve de superar preconceitos e obstáculos burocráticos para o progresso econômico. O país, El Salvador — a antiga província da Confederação Nahua do Cuzcatlan —, teve um decreto aprovado pela Assembleia Legislativa, equivalente ao parlamento, em meados de 1930 proibindo cidadãos árabes, palestinos, turcos e outros de estabelecerem negócios mesmo que tivessem nacionalidade. Para superar a legislação excludente, a vocação comercial da colônia e a necessidade de abastecimento interno falaram mais alto do que o lobby conservador. Com o passar das décadas, a acumulação de capital, poder e influência se fizeram visíveis.

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Já em 2014, os Bukele possuíam ativos avaliados em mais de US$18,4 milhões, segundo um balanço apresentado ao Registo Comercial citado pelo jornal digital salvadorenho El Faro. Para os padrões do capitalismo salvadorenho, trata-se de um volume altíssimo.

A ascensão econômica das Manufaturas Humberto Bukele 

A economia salvadorenha na segunda metade do século passado necessitava gerar demanda interna. Nesta linha, as indústrias da família Bukele cresceram e muito. Como a reforma agrária patinava — e até o presente momento é quase inexistente —, a pequena tecnocracia fez a escolha de desenvolvimento da indústria através de substituição de importações.

Assim, a única opção que encontraram foi multiplicar a despesa pública, aumentando-a de US$269 para US$805 milhões entre os anos de 1970 e 1976 — ou seja, 200% mais. O Governo Central proibiu ministérios e instituições autônomas de importar produtos e serviços extrarregionais. Para estimular o consumo da classe média, os bancos difundiram cartões de crédito. O crescimento do consumo interno serviu de fomento para a indústria.

As Manufaturas Humberto Bukele — além de abastecer o mercado interno — continuaram a crescer com exportações sobretudo a Guatemala e Nicarágua, bem como com a venda da popular Norma Guayabera, a camisa masculina então mais utilizada no país. No final de 1979, os Bukeles haviam aberto oito filiais, três das quais localizadas em San Salvador.

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Em 1º de dezembro de 1979, Armando Bukele Kattán foi eleito “Profissional do Ano” pela Associação Salvadorenha de Engenheiros Industriais e Químicos (ASINQUI).

A combinação de isenção fiscal e de impostos de importação de maquinário, a sobrevivência durante a guerra civil (1980-1992) e a diversificação de investimentos garantiu a liderança da família então chefiada por Armando.

A influência no filho político e a permanência

Armando era a figura mais importante e influente na vida de seu filho, Nayib. O patriarca da família foi uma figura fundamental no pensamento político de Nayib, a tal ponto que o atual presidente considerou se retirar da cena pública logo após a sua morte. Armando Bukele Kattán, além de empresário e doutor em química industrial, foi líder e fundador da comunidade muçulmana no país desde 1992, responsável por abrir a primeira mesquita formal em El Salvador. Para Armando, Nayib deveria, portanto, operar nos bastidores, e não sob holofotes.

Sua recomendação para Nayib não foi seguida. Segundo outra reportagem do jornal salvadorenho El Faro, um dos diálogos entre pai e filho foi marcado por palavras duras:

Não se envolva em política. E para quê?”, disse Armando Bukele, ao lembrar como questionou o filho. Na mesma entrevista, garante que o filho respondeu: “Você está envolvido na leitura dos seus livros, na Fundação Kiwanis, no Islã e está escrevendo o seu livro de física. Ele está envolvido nas atividades da organização Religiões pela Paz como uma forma de hobby. Quero política como hobby, ele disse. Eu gosto”. O hobby do “garoto prodígio” resultou ser a vocação de poder, governando com mão de ferro ao lado de seus familiares e amigos mais íntimos.

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Além destes acima citados, Nayib recebe o apoio de um veterano do exército dos Estados Unidos — amigo de seu pai na área de filantropia — e de um gabinete de venezuelanos exilados, que agem de forma discreta. Em setembro de 2021, o já presidente Nayib Bukele ordenou a criação de um gabinete presidencial cujo trabalho e orçamento são secretos até hoje. Denominado Agência de Desenvolvimento e Design da Nação, o órgão tem direção de David Rivard, um veterano do exército estadunidense e empresário da construção que alega ter sido o melhor amigo de Armando Bukele Kattán, falecido em 2015.

Tal como o orçamento do seu escritório, o salário deste influente funcionário é confidencial. Armando e David teriam se conhecido dentro da rede de relacionamentos da ação filantrópica. A Fundação Kiwanis, citada por Nayib em um diálogo com seu pai, ainda em vida, é mais um dos vários clubes de serviços e movimentos de filantropia que existem nos Estados Unidos e ganham certa dimensão em outros países. Segundo seu próprio site oficial, a instituição teria esta origem:

Kiwanis International foi fundada em 1915 em Detroit, Michigan, Estados Unidos. Focada inicialmente em networking de negócios, a organização mudou seu foco para serviços em 1919, especificamente atendimento a crianças. Ao longo dos anos, mais clubes foram criados nos Estados Unidos e Canadá, e a expansão global foi finalmente aprovada na década de 1960. Hoje, existem clubes Kiwanis em quase 80 países e localizações geográficas.

De fato, a influência de Armando é tamanha que marca presença no governo de seu filho, mesmo ele, Nayib, sendo praticamente um oligarca autocrata. O patriarca dos Bukele é mais um exemplo da primeira geração de patrícios emigrados. Se levarmos em conta seu pioneirismo, o chamado ao Islã e a diversidade de investimentos produtivos, estaremos diante de um “capitão da indústria”.  Viveu a situação controversa da ascensão social em seu país, mesmo tendo a terra de origem dominada por estrangeiros aliados dos que mantêm a América Latina em condições ainda subalternas.

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