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Sou filha de Jerusalém – e ainda assim não posso entrar na Mesquita de Al-Aqsa

Hanady Halawani [Facebook]

Fui presa dezenas de vezes e repetidamente banida de Al-Aqsa – tudo por causa do meu trabalho para fortalecer a conexão dos palestinos com o local sagrado

Quase parei de contar o número de vezes que Israel me prendeu e interrogou, ou emitiu proibições de viagem – tudo por causa do meu apego e presença na abençoada Mesquita de Al-Aqsa.

Os eventos atuais são o resultado de anos de intenso planejamento israelense para dividir a mesquita, convertê-la em um local judaico e expulsar os muçulmanos, semelhante ao que aconteceu na Mesquita Ibrahimi em Hebron.

Minha relação com a Mesquita de Al-Aqsa começou a se fortalecer há duas décadas, quando morei no bairro de Wadi al-Joz, na Jerusalém Oriental ocupada, a menos de um quilômetro da mesquita onde rezava diariamente.

Meu objetivo era maior do que apenas orar em Al-Aqsa. Meu objetivo era defendê-la e protegê-la dos colonos que constantemente invadem o complexo da mesquita e violam sua santidade. Para poder passar mais tempo na mesquita, decidi que precisava arrumar um emprego lá dentro.

Muçulmanas realizam oração tarawih no pátio da Masjid al-Aqsa em Jerusalém Oriental em 06 de abril de 2023 [Mostafa Alkharouf/Agência Anadolu]

Um certificado para ensinar o Alcorão era como um cartão que facilitava minha presença diária em Al-Aqsa. Desde 2011, trabalho em um projeto para ensinar o Alcorão a fiéis com idades entre 12 e 80 anos.

Em 2012, o olho da ocupação israelense começou a me vigiar e perseguir, por causa da minha presença permanente em Al-Aqsa e do respeito que os fiéis tinham por mim. Eu era considerada influente, reunindo pessoas na mesquita e aumentando seu apego a ela.

De lá para cá, recebi uma série de ordens punitivas das autoridades israelenses, proibindo-me de viajar e de frequentar Al-Aqsa, inclusive durante o mês sagrado do Ramadã. Recebi um total cumulativo de dois anos de prisão domiciliar e banimento da Cidade Velha, fui convocada para dezenas de interrogatórios e fui presa 67 vezes.

As autoridades israelenses invadiram minha casa, aterrorizaram meus filhos, impediram-me de entrar na Cisjordânia ocupada e confiscaram meus telefones e computadores, entre outras violações – tudo por causa de minha devoção à Mesquita de Al-Aqsa.

Cenas de partir o coração

Desde pequena, vejo a Mesquita de Al-Aqsa como um lugar de oração, meditação e leitura do Alcorão. É um lugar calmo e pacífico onde nenhum adorador levanta a voz.

Além da oração, é um local de descontração; os fiéis vão para Al-Aqsa e esquecem seus problemas nos portões, experimentando o esplendor do local.

Mas o impulso de Israel para assumir o controle de Al-Aqsa, que começou há 23 anos durante a Segunda Intifada e aumentou gradualmente, nos faz sentir oprimidos e restritos.

LEIA: Que direito eles têm de invadir Al-Aqsa?

Em setembro de 2000, o então líder da oposição Ariel Sharon invadiu o complexo de Al-Aqsa. Os adoradores ficaram furiosos e a violência que se seguiu desencadeou uma revolta de cinco anos que matou milhares de pessoas.

Desde então, os colonos têm invadido regularmente a mesquita, guardada pela polícia israelense. Eles realizam rituais religiosos judaicos e pedem explicitamente a demolição de Al-Aqsa e a construção de um Terceiro Templo em seu lugar.

Já testemunhei duas vezes ataques semelhantes ao que ocorreu na mesquita na semana passada. Os soldados trataram os fiéis com brutalidade, cenas que não consigo esquecer – e essas cenas se repetem anualmente durante o mês do Ramadã. A reação internacional seria tão morna se tais violações ocorressem em um local de culto em outro lugar do mundo? Outros estados ainda permaneceriam em silêncio?

É um sentimento doloroso e desamparado saber que sou uma filha de Jerusalém – e, no entanto, não posso entrar na mesquita. O que me separa de Al-Aqsa é um muro e uma decisão israelense injusta contra mim.

O que realmente me parte o coração é que esta mesquita, que os soldados israelenses profanaram com suas botas e balas, é o mesmo lugar onde o profeta Muhammad uma vez orou.

Desafiando a ocupação

Para mim, a Mesquita de Al-Aqsa é o paraíso – mas essa experiência é distorcida pelas repetidas incursões israelenses no local sagrado, seja por soldados ou colonos.

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[Sabaaneh]

A política de Israel de banir os fiéis de Al-Aqsa levou ao alvo direto muitos ativistas, influenciadores e até guardas de mesquitas. Essa política afetou especialmente as mulheres, pois sua presença durante as incursões israelenses constitui um obstáculo para os colonos.

A prática israelense de emitir proibições geralmente aumenta antes do início do mês sagrado do Ramadã, quando Itikaf envolve pernoitar na mesquita para orar

LEIA: Ainda vamos testemunhar grandes conflitos em Jerusalém em 2021 – Entrevista com a ativista Hanadi Halawani, a palestina que Israel expulsou de Al-Aksa e que a ocupação tenta silenciar

A repressão brutal de Israel visa impedir este tipo de culto muçulmano e garantir um ambiente tranquilo para os colonos na manhã seguinte, durante as suas incursões na mesquita.

Cada uma das muitas vezes em que fui banida de Al-Aqsa, eu e outras mulheres banidas pensamos em como poderíamos desafiar tais decisões injustas. Por fim, decidimos rezar no ponto mais próximo da mesquita que pudéssemos acessar, que fica na estrada al-Mujahideen. Por vários anos, assim o fizemos, e hoje se sabe que qualquer um banido de Al-Aqsa pode se juntar a nós neste local.

Durante o mês do Ramadã, não ficávamos satisfeitos apenas em orar naquela estrada. Também começamos a ter o Iftar coletivamente, para que as pessoas pudessem nos visitar, se reunir ao nosso redor e saber por que estávamos comendo na rua. O objetivo é divulgar nossa causa para o maior número de pessoas possível.

Dessa forma, contestamos a decisão da ocupação de nos manter afastados de Al-Aqsa.

Hanady Halawani mora a uma pequena distância da Mesquita de Al-Aqsa, mas está proibida de visitá-la [Alaa Daraghme]

Artigo publicado originalmente em inglês em Middle East Eyes, em 11 de abril de 2023

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.

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