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O derramamento de sangue palestino e o ultraje dos gestos vazios

Funeral de adolescente palestino morto por Israel [ Wisam Hashlamoun/Agência Anadolu]

Onze palestinos assassinados e 102 feridos. Este foi o saldo sangrento do brutal ataque das forças de ocupação israelenses na cidade de Nablus no último dia 23 de fevereiro. Do início do ano até essa data, já são 61 palestinos que tiveram suas vidas ceifadas somente na Cisjordânia, entre os quais 13 crianças. Quantos mais terão que morrer em meio à contínua Nakba (catástrofe palestina cuja pedra basilar é a formação do Estado racista de Israel em 15 de maio de 1948 mediante limpeza étnica planejada) para que a chamada comunidade internacional se espelhe na atitude de Barcelona e reconheça o regime de apartheid sionista?

Em carta enviada ao primeiro-ministro israelense Benjamin Netanyahu no dia 8 de fevereiro, a prefeita da cidade espanhola, Ada Colau, anunciou a suspensão temporária de relações com o Estado de Israel e suas instituições oficiais, o que inclui o acordo de cidades gêmeas com Tel Aviv. No ofício, ela cita os relatórios da Anistia Internacional, Human Rights Watch e B’TSelem que condenam o crime contra a humanidade de apartheid contra os palestinos. A mandatária de Barcelona cita ainda resolução afim aprovada por maioria no Parlamento Catalão em junho de 2022.

Apartheid África do Sul e Palestina [Latuff]

E vaticina: “O começo de uma nova era de impunidade nos força a agir: não podemos esperar e ignorar a violação da lei internacional. A história nos ensina que cidades precisam tomar partido e jogar papel ativo na construção da paz e da defesa dos direitos humanos. Um exemplo é a recente suspensão de relações com São Petersburgo em condenação à invasão da Rússia de territórios ucranianos e flagrante violação de direitos humanos.”

O alvissareiro reconhecimento do apartheid – algo tão básico quanto fundamental – levou aproximadamente 200 sionistas às ruas de Barcelona para protestar, e o governo espanhol a criticar a decisão da autarquia municipal como “unilateral”. A falácia de que a ação seria antissemita já ganha a mídia israelense. Isso apesar do tom absolutamente moderado, em linha com as resoluções da Organização das Nações Unidas (ONU) e do Direito Internacional. É o mundo invertido dos opressores, em que a indignação contra a limpeza étnica contínua na Palestina ocupada não encontra lugar.

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Em meio à carnificina em Nablus, conforme notícia publicada pela Agência Anadolu, o Ministério das Relações Exteriores da Espanha – mesmo governo que criticou Barcelona pelo reconhecimento do apartheid sionista – expressou “consternação”, pedindo ridiculamente “o uso proporcional da força com total respeito pelo direito humano internacional”. E Madri instou “ambas as partes” à moderação, evitando ações que “contribuam para a escalada da violência”. Essa linha internacional lamentavelmente povoa também as notas do Brasil sob o governo Lula, que manifestam “preocupação” e igualam o agressor, ocupante e colonizador – Israel – ao povo oprimido – os palestinos.

Vozes contra o apartheid

A indignação com essa postura veio de cerca de 50 artistas e personalidades renomadas, entre os quais o cineasta brasileiro Fernando Meirelles, além de atores como Mark Rufallo e Susan Sarandon, diretores como Ken Loach, escritores como Naomi Klein, Arundathi Roy, Judith Butler e Angela Davis, prêmios Nobeis como Adolfo Peres Esquivel, George P. Smith, Jody Williams e Maired Maguire, entre muitos outros grandes nomes em suas áreas de atuação.

Em carta saudando a decisão da prefeita de Barcelona, eles salientam: “Após relatórios das principais organizações de direitos humanos palestinas, sul-africanas, israelenses e internacionais que designam Israel como um Estado de apartheid e pedem medidas efetivas para acabar com a cumplicidade a ele, a decisão de Barcelona deve inspirar instituições em todo o mundo a acabar com seu próprio envolvimento em sustentar regimes de opressão. Afinal, apartheid é um crime contra a humanidade.”

Os mais de 50 artistas e personalidades asseveram: “Nós, abaixo assinados, nos opomos ao racismo em todas as suas formas e defendemos os princípios de justiça e direitos humanos de uma forma holística que inclui os palestinos. Estamos moralmente ultrajados com o fato de governos poderosos reagirem às graves violações de Israel aos direitos palestinos sob a lei internacional com gestos vazios e expressões de ‘preocupação’, ao mesmo tempo que armam, financiam e protegem da responsabilidade o sistema de injustiça de décadas de Israel e continuam a negociar, como sempre, com este.”

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Ao final, parabenizam a todas as organizações que levaram a demanda à prefeita de Barcelona e tornaram sua resposta possível, afirmando a esperança de que “a justiça, a liberdade, a igualdade e a dignidade para todos prevaleçam”.

Protesto por boicote a Israel em Johanesburgo, Africa do Sul [Serviço de Notícias Afro-palestinas]

Desde o Brasil, é preciso elevar a indignação com a vergonhosa quinta colocação do país entre os importadores de tecnologia militar israelense e seu mar de acordos que sustentam a ocupação, ao tempo que promovem o genocídio pobre e negro – e o extermínio indígena – com as mesmas armas que matam diariamente palestinos e palestinas. Da mesma forma, compartilhar o ultraje com gestos vazios e expressões de “preocupação”, enquanto o Brasil mantém sua cumplicidade histórica com Israel, aprofundada na última década.

É necessário fortalecer a mobilização para que o governo Lula atenda ao chamado palestino por BDS (boicote, desinvestimento e sanções), aos moldes da campanha de solidariedade que ajudou a pôr fim ao apartheid na África do Sul nos anos 1990. Assim, ouça as vozes nacionais e internacionais, ao encontro da defesa de direitos humanos fundamentais. Que retire da gaveta documento nessa direção enviado por cerca de 60 organizações brasileiras e árabes-palestinas, além de intelectuais reconhecidos, aos grupos de trabalho da equipe de transição.

Enquanto isso, tudo o que resta à resistência heroica e histórica palestina, legítima sob todos os meios – que acaba de protagonizar uma greve geral em protesto contra o morticínio em Nablus – é o “nós por nós”. Jovens têm dado seus passos rumo ao martírio com cartas de despedida nos bolsos. O Brasil pode fazer a diferença. Passou da hora de liderar o reconhecimento na América Latina do apartheid israelense, cessando toda forma de cumplicidade com a colonização sionista.

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As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.

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