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A importância de romper o Acordo de Livre Comércio Mercosul-Israel

Ato em frente ao estádio do Pacaembu ao final da carreata pelo fim do massacre palestino, em São Paulo, 15 de maio de 2021 [Foto Lina Bakr]

Vigente desde 27 de abril de 2010, quando foi promulgado o Decreto no. 7.159/2010, o Acordo de Livre Comércio (ALC) Mercosul-Israel é uma das dívidas a serem saldadas pelo novo governo brasileiro. Por sua liderança na região e por sua responsabilidade para que o acordo fosse levado adiante, o País deve dar o primeiro passo. Assim, reconhecer o regime de apartheid sionista e encaminhar ao Congresso Nacional a suspensão do ALC, ao lado do embargo militar imediato.

Segundo reportagem do Correio do Povo, em encontro no último dia 9 de fevereiro com o Grupo de Líderes Empresariais do Rio Grande do Sul (Lide RS), a Cônsul para Assuntos Econômicos e chefe da Missão Econômica de Israel em São Paulo, Yarden Yiftach, salientou a “importância” do ALC: “A relação de comércio entre os dois países aumentou de 2021 para 2022. Duplicou, na verdade. Em 2021 foi 1.7 bilhão de dólares [em transações]. Em 2022 já foi 2.8 bilhões de dólares.”

Ainda de acordo com a notícia, Yiftach informou no ensejo que “o setor agrícola representou a maior parte das importações e exportações”. A matéria segue: “Conforme o presidente do Lide RS, está sendo organizada, junto ao governo estadual, uma comitiva para viajar a Israel, em outubro, durante a realização da Agritech, feira de tecnologia no agronegócio.”

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No período citado pela cônsul israelense, notícias dão conta de desmatamento recorde no País, que têm como grande responsável o agronegócio. Reportagem publicada no Estadão de 19 de janeiro de 2023 revela que a “Amazônia sofreu em 2022 com o quinto recorde anual consecutivo no desmatamento, segundo o monitoramento por satélites do Imazon. Entre janeiro e dezembro [do ano passado], foram devastados 10.573km², a maior destruição em 15 anos — desde que o instituto de pesquisa começou a monitorar a região, em 2008. Isso equivale à derrubada de quase 3 mil campos de futebol por dia de floresta.”

As “tecnologias” que o Estado racista de Israel apresenta ao mundo como grandes inovações e panaceia – como parte de sua propaganda ideológica – não tiveram qualquer serventia em impedir o desastre no campo – nem aparentam ter essa preocupação. Como se pode observar, a luta ambientalista, pela preservação das florestas e contra o extermínio indígena se encontram mais uma vez com a luta contra a colonização e o apartheid sionista.

O tratado

Os dados apresentados pela cônsul revelam a expansão dos negócios sob o genocida Bolsonaro, aliado explícito do sionismo na cadeira do Planalto. Mas esse caminho, como ela salientou, foi facilitado pela existência do ALC.

Assinado pelo Brasil em 18 de dezembro de 2007, em Montevidéu, no Uruguai, o Acordo de Livre Comércio Mercosul-Israel motivou uma das primeiras lutas que sedimentaram o terreno para o lançamento da campanha por BDS (boicote, desinvestimento e sanções) no Brasil cerca de três anos depois.

Em abril de 2008, mobilização encabeçada por integrantes da comunidade árabe-palestina em São Paulo alcançou a instalação da Frente Parlamentar contra a Ratificação do Tratado de Livre Comércio entre Israel e Mercosul na Assembleia Legislativa (Alesp).

O tema estava em debate no Congresso Nacional. Lamentavelmente, na ocasião, a mobilização não ganhou força. O resultado foi a ratificação de nefasto ALC pelo Parlamento brasileiro em dezembro de 2009. O acordo isentou de tarifas aduaneiras a importação de milhares de produtos israelenses, reforçando a cumplicidade do Brasil e Mercosul de conjunto em sustentar a colonização e o apartheid sionistas.

O ALC precedeu a consciência sobre o BDS na América Latina, e os debates em torno da necessidade de impedir sua ratificação no Brasil foram fundamentais para que a campanha ganhasse corações e mentes junto à solidariedade, anos depois. O acordo, lamentavelmente, foi ação que desencadeou uma série de outras que levaram o País a assumir a vergonhosa posição de quinto maior importador de tecnologia militar israelense. Como os números que revelou, não à toa a cônsul destacou sua “importância” na reunião com empresários gaúchos.

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O Brasil tem cumplicidade histórica com a colonização sionista em curso. Essa cumplicidade tem seu ponto de partida em 29 de novembro de 1947, a Assembleia Geral das Nações Unidas recomendou a partilha da Palestina em um estado judeu e um árabe, delegando a um projeto racista e colonial metade daquelas terras, sem consulta aos nativos. A sessão foi presidida pelo diplomata brasileiro Osvaldo Aranha, que votou favoravelmente à partilha.

Agora que Bolsonaro felizmente foi derrotado, é o momento de dar um basta a essa cumplicidade, que segue a sustentar os crimes contra a humanidade cometidos contra os palestinos na contínua Nakba (catástrofe desde a formação do Estado racista de Israel em 15 de maio de 1948 mediante limpeza étnica planejada).

Infelizmente quem sancionou o ALC Mercosul-Israel foi Lula, em seu segundo mandato. Agora tem a oportunidade de reparar essa ação e rever a rota, atendendo o pleito das diversas organizações da comunidade árabe-palestina e brasileiras em solidariedade ao povo palestino.

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.

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